Por Aparecida Torneros*
Tenho
pena dessa garotada do Funk e da Balada... Nem de longe, apesar de toda
a "ficação" a que se acostumaram por aí, vão um dia descobrir o que era
namorar nos anos 50, 60 ou 70(bem no início).
Coisa que nem
filme meloso com happy end consegue passar com fidelidade, porque só
quem viveu, sentiu...essa é a verdade absoluta.
Lembro-me que fui
namoradeira consciente. Isso mesmo. Avaliava as possibilidades de cada
namorado novo. Atendia aos seus apelos românticos.
Gostava de
namorar os que me escreviam cartas melosas, cheias de versinhos, e tive
dois assim. Um, o das férias de verão, em Itajubá, nas Minas Gerais,
aquele com quem eu podia cantar nas noites seresteiras a música dos
Beatles e dos Roling Stones, pelas calçadas da cidadezinha. Entre um
beijinho e um sorriso cúmplice, sonhava ser jornalista, mesmo sabendo
que perderia o namorado, machista, que me queria uma eterna
professorinha de meninos e meninas, esposa de um engenheiro,
especialista em eletricidade, marido dominador,o que eu não aceitei e
essa deve ter sido minha primeira renúncia afetiva séria.
Houve
também o cadete de Barbacena, antigo colega de ginásio, que foi me
conquistando com seus poeminhas que me diziam das noites estreladas da
serra e das saudades absurdas que meus olhos lhe infundiam. Acreditei,
correspondi, fiz o vestibular e deixei o futuro militar porque me
apaixonei por um cineasta, companheiro de faculdade, a quem acompanhei
nas inesquecíveis sessões da meia noite do Paissandu, para ver e
discutir Bergman, Goddard, Bu\'f1uel. Chegou a me dar a chave de um
apartamento que poderia ser o nosso ninho. Quando falou tão solene essa
coisa, eu me escondi e fugi porque o mundo já me parecia muito grande, o
meu filme ainda ia rodar, estava só ensaiando.
Sem contar o
namoradinho de Copacabana, o da praia, aquele que ia me ver no subúrbio,
no portão da casa da minha avó, depois de viajar num ônibus por mais de
meia hora, lá estava ele, com uma rosa vermelha nas mãos e um pacote
das balinhas que eu mais amo: de doce de leite, da Kopenhagen. Ansiedade
era mesmo esperar cada encontro, um raro telefonema, quando a telefonia
era coisa cara, e o seu José do armazém da esquina vinha na minha
porta, com o lápis de fazer as contas, preso na orelha, a me chamar: -
Menina, está lá um rapaz a te chamar no fone. Parece que sente saudade
de ti, o cachopa!
E lá ia eu, correndo, às vezes até descalça,
louca para ouvir o que podia ser um murmúrio de amor, delicado,
inofensivo, um convite para uma festa, um cinema, ou mesmo só um alô
saudoso, envolto em aura que camuflava com ternura, o sexo a aflorar em
nossos corpos, em juventude e alegrias.
Os namoros de outrora,
esses sim, tiveram seus encantamentos em nossas vidas, e, agora,
madurinhos, sabemos ainda como esticar uma conversa carinhosa, que não
seja monossilábica e não se perca em to, não to, fui, fiquei, não
fiquei, vou nessa, já1 é, rolou, não rolou, e coisas do gênero.
Aprendemos
a segurar as mãos, e quanto segredo há nessa atitude. Mãos são dádivas
sedosas, passam energia pura, podem transmitir muitos recados. Também,
desenvolvemos técnicas de leitura de olhares, próximos ou distantes.
Sempre fui mestra nesses olhares, principalmente nos bancos escolares,
quando me perdia desvendando o brilho intenso que os olhos de algum
pretendente me enviava.
É coisa do nosso tempo esse negócio de
dançar coladinho, bochecha com bochecha, ao som de um bolero ou de um
blue, para sentir tudo e sonhar com muito mais. Era proibido mas era
permitido. Coisa Kafkeana, a transgressão das imposições morais, todos
sabíamos que a carne é fraca e o amor pode tudo.
Acho que os
namorados dessas épocas sempre souberam o quanto se tornava importante
valorizar um sorrizinho de libidinagem entrecortado por um murcho
lamento de culpa. E a cada reencontro, um fogaréu. Era assim mesmo.
Havia a saudade. Dava tempo de sentir saudade. A gente, ou morava longe,
ou tinha que estudar a semana inteira, ou precisava manter distância e
só se ver nos dias especiais, sábados , domingos e férias. Tempo
suficiente para valorizar as frases, decodificá-las na alma, repetir nos
cadernos adolescentes, e sonhar com o beijo prometido.
Quando os
namorados passavam da faixa dos 20, os amigos começavam a se amarrar, a
gente comparecia a casamentos em igrejas floridas e iluminadas e vinha a
perguntinha básica: qual de nós será a próxima?
Seria o destino
casadoiro a única opção daquele contingente de jovens? Lembro que no
baile de formatura da escola normal, aluguei um namorado, quer dizer, em
troca dos convites, intimei a um coleguinha que fosse vestido a caráter
com o smoking do irmão mais velho, pois eu não podia passar pelo vexame
de não ter um par para dançar na hora da valsa dos namorados.
Parecia
uma estratégia perfeita. Fiz suspense com as amigas. Falei o quanto era
bonito. Só que ele morava em Niterói e naquele tempo não havia a ponte
ainda. O talzinho foi sim é festa, mas chegou muito depois da
meia-noite, por conta da barca que perdeu, escassa na madrugada.
Mesmo
assim, eu perdoei, e descontei a solidão da dança principal, bailando
com ele, até o amanhecer, lindamente trajada de brocado prateado, saltos
altos brancos, cabelos cacheados a cair pelos ombros, trocando piscares
de olhos com as companheiras formandas, que nem perceberam a mentira e
acreditaram que eu tinha agora um futuro marido.
Isso era
dezembro de 68, eu estaria na semana seguinte, como oradora da colação
de grau. Tive uma missão difícil, com discurso observado por agentes do
SNI, na semana do AI 5, e defendi a consciência de educar nossas
crian\'e7as nas escolas públicas.
Naquela noite, homenageei o
namorado que sumira (nunca mais soube dele), presidente do diretório de
estudantes do Colégio Pedro II, que me presenteara com um livro sobre o
comunismo chinês.
Dali em diante, muitos de nós nos enamoramos
também pelas causas sociais, pois, a universidade nos abria um universo
de reflexões sérias, e os nossos namoros, embora românticos, passaram a
ter sabor de lutas.
Uma vez, ao iniciar um namoro que acabou em
casamento, que também acabou depois de duas décadas, pensei que o melhor
presente que ele me deu naquele dia dos namorados, foi mesmo ter me
dito que sabia como éramos livres e soltos ao mesmo tempo.
Acho
que os namorados de nossos tempos davam flores e poemas, balas e
bombons, livros e discursos, além de respeito pela condição de sermos
inteiros e cidadãos do mundo, pertencendo a gerações que conquistaram, a
duras penas, o direito de defender a liberdade de pensar, agir e viver.
Tenho
pena dos que não viveram a felicidade de sentar num banco de jardim,
bem no meio da praça pública, trocando confidências, projetando um
futuro, onde a vida poderia não ser cor de rosa, mas teria, com certeza,
o gosto de sonhos ou da busca eterna da conquista deles.
*Aparecida Torneros é jornalista
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