Maracanã

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quinta-feira, 4 de março de 2010

O apaixonamento, esse vilão...



O apaixonamento, esse vilão...


Conversa vai , conversa vem, o meu analista toca no ponto fraco, talvez não só meu, talvez seja mesmo é da humanidade inteira. O tal olhar sobre a paixão que, às vezes me parece, como um luar enevoado, difuso e opaco, não necessariamente ambos, que em síntese exprimem a mesma coisa, o embaçado que esmaece a luz, a cortina de fumaça que compromete a nitidez, a ilusão que intriga a dúvida, a penumbra que encobre a verdade.
Aí, fico pensando nos senhores de engenho, suas proles antigas, filharada mestiça, das histórias brasileiras de Casa Grande e Senzala, da atração dos diferentes, do exercício de se amar o inverso, em raça, em crença, em expectativas de vida. Fico imaginando a falta de assunto(ou palavras) entre os que se apaixonam pelas imagens, ou na verdade, me projeto realmente no "irreal", na busca do sonho, na efemeridade dos momentos de felicidade plena, diante de um mundo tão apaixonado às avessas, pelo lado da paixão desenfreada em torno de um poder ou consumismo.
O tal apaixonamento a que se refere o profissional da investigação psicológica me propõe minimizar os efeitos das lembranças negativas, nas quais costumo enquadrar as "paixonites de poeta" que vira e mexe me acometem o coração amadurecido e frágil, o que me leva sempre a conclusão do que li, há décadas, na tese do psiquiatra americano Erich Fromm, no livro "A arte de amar", onde ele demonstrava não ser possível haver amor verdadeiro no sistema capitalista, mas sim, paixões pelo consumo de prazeres materiais, disfarçados em sentimentos profundos.


Muito embora ainda creia no tal amor universalizado, entre seres sensíveis e raros que abraçam e beijam causas familiares e sociais, cada vez mais tem se tornado difícil, para o meu entendimento, acreditar na ternura desinteressada, na dádiva emocional pura e simples, como ato de grandeza, a não ser o patrimônio irrefutável dos sentimentos de mães e pais que se dedicam com seriedade à criação dos seus filhos.

O apaixonamento, esse vilão que aprisiona cérebros desavisados, se dá assim, todavia, em torno da perseguição do "status", da posição sócio-econômica, da ascensão social, da necessidade de holofotes, de visibilidade midiática, de exposição produzida de caras e bocas, corpos e gestos, casamentos e festas, dramas e infortúnios, traições e reconciliações.

Uma intrincada novela onde os personagens correm atrás do registro de alguma história que lhes enfeite e justifique se sentirem belos e queridos por alguém que lhes mereça a troca ou lhes renda um troco.
Tento seguir os conselhos do meu observador, cuja função é me ajudar a fazer a leitura do que trago na mente, escarafunchando o esconderijo onde aprisiono qualquer eventual sinapse que me solte as rédeas e me permita apaixonar-me pela "não solidão", a tal solitude feliz, que constato ter atingido, de uns tempos pra cá, no auge da alegria de viver.

Apesar das perdas, vejo que estou cercada de gente interessante, pessoas que abusam da sorte, gastam a energia tirando partido dos instantes felizes, quando controlam sempre que possível, a tal paixão desmedida.


Recorro ao célebre poema do Drummond, "a paixão medida", e meço a minha paixão pela vida. Vejo que ela cresce despudoradamente, às expensas de um vilão mais experto que eu, caidinho de amor pelo mistério que é descobrir que o mundo só tem sentido porque as paixões existem.


Aparecida Torneros

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