Maracanã

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sexta-feira, 12 de março de 2010

Mais um fado no enfado de tantas perdas...



Mais um fado no enfado de tantas perdas...

A maratona das perdas. Faz parte da vida, diriam os apaziguadores de sentimentos alheios. Claro está que o compartilhamento de sentidos tem grau diferenciado e não corresponde a uma matemática perfeita. É o céu dos imperfeitos medos que todos temos, os medos de perder quem amamos, companheiros e amigos, familiares e ídolos, vizinhos e eventuais criaturas que nos preenchem os dias com sua presença iluminada.

No curso das perdas que nos assolam constantemente, há períodos pródigos em partidas que chocam. Há os que partem em contingentes, como nos terremotos do Haiti e do Chile, nós nos comovemos e o choro interno é humano, plausível, impotente e sofrido. Nem é preciso conhecer-lhes nomes e rostos, basta que sintonizemos a dor e o sofrimento.

Nos recentes anos perdi pai, tias e tios, fui me habituando a comparecer aos velórios e encontrar a família, sempre unida, presente, reconfortante. Notícias de perda de um jornalista querido na Bahia, depoimentos que me fizeram conhecê-lo sem nunca tê-lo visto pessoalmente. É a teia dos amigos que relatam e nos legam suas impressões de viagem. 

De meses pra cá, perdi os mais jovens, como por exemplo um ex aluno, atuante e cheio de vida que sucumbiu atacado por ataque fulminante. A ficha custou a cair. Outros amigos se foram, coleguinhas de décadas, novamente os encontros nas missas de sétimo dia, as saudade arrefecidas, as conversas lamentosas, os carinhos renovados.

De repente, alguém adoece e é como uma irmã de alma. Vou visitá-la em São Paulo, numa UTI e o que consigo dizer é que tenha força e coragem, fé e conformação. Nem sei se ela me ouve, plugada em tantos aparelhos, vejo seus olhos semi abertos, azuis e de certa opacidade que prediz sua passagem. Dias depois, recebo a notícia. Coincide com a morte do Jonhy Alf, eles combinaram viajar juntos, suponho, talvez, para voarem desde a mesma metrópole em destino aos céus dos que aqui deixaram com tantos afetos e saudades.

Na missa de sétimo dia por alma da amada amiga, encontro outras flores do seu jardim, amigas que ela plantou e colheu durante sua estada entre nós. Tomamos juntas um café após o ato religioso, e passamos a nos conhecer de verdade, oficializando a rede que ela criou. Dói a saudade dela, mas vamos nos aproximar e compactuar histórias comuns.

De ontem pra hoje, mais um amigo se vai, estava prisioneiro da doença renal crônica e descansou. Falta-me então a coragem para ir despedir-me dele, para confortar sua família que me é tão cara, sinto que baqueio. Busco a voz da minha velha mãe, ainda forte, ainda me dizendo que chegou a hora de cada um e que essa hora sempre há de chegar. Ela me encoraja a prosseguir, diz que se alguém já foi é porque precisava descansar. Eu ouço com respeito, pois, no alto dos seus 83 anos sabe o que fala.

Tento me aprumar, preciso confortar pessoas, logo mais vou dormir com a amiga que perdeu o irmão, mesmo sem ter ido ao velório, sei que minha presença pode ser um gesto carinhoso e decido que irei.

Perdas sempre haverão. Encontros novos nos esperam por aí. Velhos amigos e gente que amamos, apesar de partirem, permanecem dentro dos nossos peitos, e me ponho a ouvir um fado. Mais um fado no enfado de tantas perdas... O que me devolve a esperança, me anima a alma, me reaproxima da sede de viver, sem me deixar perder de vez na dor de tantas perdas...

Cida Torneros

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