Nasci aqui. Sou cariocona...daquelas que conhecem desde os subúrbios até as zonas sul e oeste. Andei de bonde nos anos 60, do século XX, indo pra escola, atravessando a cidade. Vi construirem a ponte Rio Niterói, desde quando subiam suas primeiras estacas, nos anos 70. Em 54, ainda pequenina, acompanhei os soluços do povo da capital brasileira chorando a morte do Getúlio. Em 60, aprendi tudo sobre JK e sua nova Brasília. O Rio sempre me deixou boquiaberta ao contemplar seu mar. Já o vi desde a igreja da Penha, bem do alto, vislubrando a ilha do Governador e o Aeroporto Internacional. Passando pelo aterro do Flamengo, como não me extasiar com o Pão de Açúcar no fundo, e a baía de Guanabara recortando o horizonte? Quando pegava a barca da cantareira, há mais de 40 anos, apreciei, muitas vezes, cardumes de golfinhos brincalhões que faziam graça nas águas azuis. E, na praia de Copacabana, vivi os primeiros amores adolescentes, aqueles dos quais a gente nunca esquece. Pois aquele bairro tem um mel incomparável. Adoça a alma observar sua gente. Seu caminhar no calçadão da praia, e lá no final, o Forte. Por um sem número de ocasiões tenho adentrado ali, subindo até sua pedra na ponta do Arpoador. Gosto de olhar o oceano e pensar que do outro lado, em frente, está a África-irmã de alma, batendo tambores que ressoam no samba carioca. Em dias de chuva, a sensação de uma cidade molhada à cata de escoar suas mazelas, enquanto crescem suas favelas, mas com vistas à reurbanização sempre crescente. Páro em qualquer esquina, tem sempre um chope gelado ou um café misturado com água, para esfriar a cabeça ou aquecer o coração. Lembro das ruas do bairro onde cresci, em Ramos e do bom dia do Pixinguinha, quando eu ia pra escola primária. Um dia, no aeroporto Santos Dumont, percebi que sou prata da casa. Essa coisa de ir e voltar a São Paulo, num mesmo dia, é como dar um mergulho na civilização e renascer na sua história antiga. Descer na terra da gente, de repente, atravessar a praça, tomar um sorvete de carrocinha, chegar na Cinelândia, entrar no cinema Odeon, ouvir o borburinho do tempo e sonhar.
Minha cidade ferve no verão, há 444 anos, a 40 graus. Misturada, mas singular.
Rio é cidade fêmea, disso ninguém duvida. Tem ginga e tem cadência. Tem ancas. É sinuosa, brejeira, é cidade de carinhos e aconchegos. Rio é cidade para se namorar no fim de tarde e se amar na madrugada. Tem dança na Lapa, tem ensaio na quadra, tem orquestra na praça. Tô na área, diria o malandro, enquanto me pisca o olho e corre para pegar o trem em direção ao seu destino.
É nesse calor incessante que me pergunto: como não me sentir feliz por ter nascido aqui, para aprender que as diferenças são a razão de nossas lutas mas não impedem nossas escolhas? Tô no Rio, e o verão é um caldeirão fervilhante onde as dores se diluem e o amor sobe no vapor...circundando o Cristo Redentor... que devolve tudo em forma de luz pra gente...
Cida Torneros
Nenhum comentário:
Postar um comentário