Ele vem para o Natal
por Maria Aparecida Torneros da Silva
As ruas pareciam labirintos apinhados de gente afogueada, correndo feito maratonistas, as pessoas voavam em bandos, atropelando-se, com expressões de
ansiedade nos rostos que denotam o espírito das festas de fim de ano.
Toda vez que dezembro chega, ela pensa no quanto é incrível a renovação do sentimento de irmandade apregoado aos quatro cantos, como se isso fosse possível na humanidade tão mal acostumada às competições, às guerras e a uma violência infelizmente presente no dia a dia de todos os mortais.
Nos últimos Natais, Maria optou pela paz do seu recolhimento individual. Passou-os sozinha, degustando um bom vinho, comendo algumas iguarias, rezando pelas criaturas de boa vontade e até por aquelas incapazes de amar, autoras de feitos maléficos, os pobres de espírito, que infernizam seus semelhantes com maldades atrozes.
Maria compadeceu-se dos doentes e dos abandonados. Orou por eles, com contrição, pedindo ao Deus dos Homens que os protegesse e confortasse.
Para si, limitou-se a insinuar que bem poderia ter alguém ao seu lado a cada novo Natal. Estava sem marido há tanto tempo. Poderia ser um parceiro amigo e sincero. Melhor seria se Ele viesse envolto em aura de atração e desejo.
Mas, não ousara esperar tanto da vida. Na maturidade, ela se conformava com o destino.
Depois de criar os filhos, que ficaram cada vez mais distantes, passando para aquela visita rápida e obrigatória, deixando-a com seus pensamentos de saudade dos tempos em que tivera uma grande família reunida em volta da ceia da noite santas, ela agradecia, mesmo assim, porque, pelo menos, eles se lembravam de dar-lhe um alô apressado.
na sala, tendo por companhia a televisão ligada, apresentando os shows com mensagens de confraternização, ou a missa do Galo, transmitida diretamente de Roma.
Era mesmo um alento. Sabia-se sozinha, sem sentir-se assim, porque preferia crer que em algum lugar do Universo, havia um par que chegaria num desses Natais, para brindar com ela, pelo Nascimento do Menino Deus, simbolicamente, enquanto se olhariam com ternura e cumplicidade.
Sempre pensava: Ele vem para o Natal!
Nos dias que antecediam a data máxima da cristandade, Maria se esmerava em enfeitar a casa, comprar roupas novas, ajeitar os cabelos, abastecer a geladeira, pendurar badulaques na árvore iluminada e colorida.
Sempre ouvia uma voz interna que lhe dizia: Ele vem para o Natal!
Maria se mantinha esperançosa. Não sabia nem o que a fazia crer que teria a companhia do seu príncipe encantado na noite de Natal.
Um dia, conheceu um homem simpático que a cobriu de atenções e a fez acreditar que era possível amar intensamente, apesar da maturidade.
Ele morava em outra cidade. Viam-se pouco, mas mantinham contato sempre.
Dezembro chegou. Maria ficou ansiosa. Será que Ele vem mesmo para o Natal? Ele não dera certeza, alegou a necessidade de passar com seus filhos na cidade distante. Ela considerou justa a causa e preparou-se para mais um Natal solitário.
A noite de 24 de dezembro pegou-a um pouco cansada. Preparou as rabanadas como a prendera com sua avozinha, ainda menina. Arrumou uma linda mesa. Tirou os cristais para fora, a louça mais fina que dispunha. Sabia que receberia muitos telefonemas.
Assim foi. As horas foram passando. Os filhos deram aquela passada corrida, amigos ligaram. O carteiro entregou mensagens de boas festas. A cada vez que o telefone tocava, seu coração disparava. Queria pelo menos, ouvir a voz dele.
Adormeceu no sofá. Havia exagerado nas doses de vinho, enquanto assistia a um coral maravilhoso na televisão espanhola. De repente, uma voz cantava suavemente: Ele veio...Abra a porta... Ele veio para o Natal...Acordou, sobressaltada. Seu sonho o trouxera, uma ilusão, pensou...
Trocou de roupa. Dirigiu-se ao quarto. Restava dormir na cama e esperar pelo próximo Natal. Estava mesmo sozinha. Aconchegou-se na maciez dos lençóis ao mesmo tempo em que duas lágrimas correram teimosas pelo canto dos olhos. Repreendeu-se pela auto-piedade.
Afinal, já tivera tantos Natais felizes. Este era apenas mais um, em que tinha saúde, podia adormecer em paz. Ele não era tudo nessa vida. Era na verdade, um capricho feminino imaginar-se abraçada a Ele na noite de Natal.
A campainha tocou. Ela se assustou. Olhou o relógio. Meia noite e meia. Correu para atender, ainda que meio descomposta, abriu a porta. Um ramo de flores cor de rosa escondia um rosto querido.
Maria não agüentou e chorou copiosamente. Recebeu o buquê, ao passo que seus braços confundiam-se em torno daquele corpo cujo calor irradiava um grande bem. Ele veio... murmurou com sua voz interna...
Ele apenas disse:
- Eu vim passar o Natal com você. Desculpe se não avisei, mas o telefone estava sempre ocupado. Feliz Natal, Maria!
Nenhum comentário:
Postar um comentário