Maracanã

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terça-feira, 4 de agosto de 2009

Fred Astaire/Ginger Rogers from Roberta



Via Crucis : o Amor das Marias



Essa menina de olhos assustados poderia se chamar Maria, morar na periferia de São Paulo, andar maltrapilha, sonhar com as luzes de um palco, comer pão sem manteiga, adormecido, engravidar na adolescência, parir um bebê magrinho e dar a ele o nome de Jesus...



Ela teria sido batizada em terras árabes, ter crescido ouvindo falar da luta pela identidade do seu povo, ter aprendido a odiar os judeus, sem entender exatamente por que, e ainda, alguma tarde dessas, Hanah ou Maria, por questão de segundos, pensou que tudo estava errado com a humanidade...



Em algum lugar do Egito, ou do Sudão, ou da África do Sul, a negra-mestiça Kiria ou Maria, perguntou ao Céu deslumbrante a razão de tanto sofrimento na Terra...



Naquela manhã em que o terremoto se abateu sobre sua cidade, na ilha principal do Japão, Yoko ou Maria, mulher pequenina de olhos amendoados, só lembrou do filho na escola, imaginando se as paredes teriam caído sobre sua cabecinha de garoto dedicado aprendendo a contar números e a decifrar letras.



Já ia noite alta quando a índia da América Central, a quem chamavam Sol Nascente ou Maria, depois de guardar o cesto onde tecia seus panos de vestir, parou para velar o sono do sensível Paquito, acreditando que estava bem guardado por ela.



Na frenética Nova York, Stephanie ou Maria, correndo entre os carros na avenida principal, precisava chegar logo ao colégio do filho adolescente, que a esperava sempre ao entardecer com um sorriso especial para contar as novidades e reclamar do frio.



Em Assis, um italianinho rebelde questiona Sofia ou Maria, sobre a possibilidade de viajar pelo mundo, sozinho, longe do jugo materno, alegando que a “mama” o sufoca com tanta macarronada e tanto não.



Para os lados de Beirute, Nazira ou Maria, nem tem tempo de verificar suas flores a desabrocharem nos vasos da varanda porque é urgente ajudar ao querido filhote que começa a dar os primeiros passos, justo nas ruínas de uma cidade destruída pela guerra civil.



Ellem ou Maria, cortesã de luxo nos cabarés de Paris, ao ser abraçada por um freguês endinheirado, se compraz de júbilo, certa de que aquele faturamento garantirá o pão do seu rebento, um infante esfomeado por pães e doces, chocolates e refrigerantes.



Nada pode desviar a atenção de Cristina ou Maria, bela senhora radicada na Índia, diplomata de profissão, seguidora da causa dos pobres, mantenedora de creches, lugares onde adota meninos especiais e os cobre de carinho para vencerem o medo da vida.



Na esquina da rua deserta, a mendiga Josefa ou Maria, aconchega o pequeno Jaiminho, torcendo para que ele tenha um lar com teto e calor, algum dia.



Lídia ou Maria, assistindo ao julgamento do seu único filho, por tráfico de drogas, clama a clemência pela vida do rapaz perdido na história de uma existência despedaçada entre os sonhos absurdos de fuga da realidade.



Para Ulla ou Maria, mulher alemã, quando seu filho resolveu ser missionário e rumar para o Iraque, em plena guerra, a atitude dele só a encheu de orgulho, apesar dos riscos, proporcionando-lhe a certeza de que está tudo certo.



Para Maria, aquela que viu seu filho Jesus, segundo a lenda ou a história cristã, encarnar toda a dor futura da espécie , restou a glória de partilhar com ele do sofrimento atroz e perdoar os humanos por sua insanidade repetida.



Quando o tiraram da cruz, morto embora, ela o consolou, amparando nos braços a pendida cabeça de um Deus caído, sobre o qual, Maria verteu lágrimas maternas e humanas, capazes de banhar para sempre os corações de todas as mulheres.



Essas Marias estão por toda a parte. Têm o dom de cuidarem de meninos que se tornam homens, bons ou maus, escolhendo cada qual, seu próprio caminho, carregando pesados fardos ou missões, optando por serem carrascos algozes ou réus condenados, sob o olhar de mães amorosas, fontes eternas de perdão.



A Via Crucis de nós todos, apelo inconsciente para a culpa dos mortais diante das injustiças e dos ódios, só se torna suportável porque há Marias no mundo, capazes de doar amor irrestrito aos seres do Planeta.



Elas, como a Terra-Mãe, ainda sonham com a ressurreição do Filho Homem, acreditando que o Bem e a Paz, surpreendemente, reinem, para sempre...

Maria Aparecida Torneros

Santa Sexta-Feira de 2005

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