Maracanã

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segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Viajantes de nós mesmos
(artigo publicado no jornal A Tarde, da Bahia, 07/11/06)

A música cantada pela Maria Rita, sempre que a ouço, me faz sentir o quanto somos efêmeros, o quanto somos viajantes de nós mesmos, o quanto somos passageiros. Poderia ser filosofia, sim, mas é bem mais... Desculpando-me pela pretensão de cronista refeita do estresse depois de feriadão passado em Búzios, com licença, na casa das minhas amigas Cris e Helô, com direito a ouvir Chico Buarque e Pablo Milanez, só posso re-olhar o mundo nosso como uma grande viagem, seja de trem, ônibus, automóvel conversível, calhambeque conservado a formol ou na sola do pé, em caminhada esotérica.
Marcha de retirantes, caminho de iluminados, estradas de sonhadores, ao longo de rios, ao ultrapassar os morros, ao voar sobre montanhas, quem não há de, ainda que espetacularmente, sentir-se o mago da vida de idas e vindas, capaz de estar aqui e ali, indo em frente, sensação magnânima que nos faz vencer os medos de parar, qualquer dia, em lugar incerto e não sabido, como as pedras que não rolam mais? Pois, quando há greves em sistemas de transporte, o grande nó que se estabelece na vida dos cidadãos, na verdade, não é só o imbróglio do cotidiano econômico-social, mas, o que prevalece, sub-reptício, incomodativo, estranho e inconveniente, é, sim, o medo que dá ficar repentinamente ali, sem meios de seguir.
Ao observar o comportamento de nós todos, nos momentos de espera consumida em pensamentos vários, é possível identificar um grande mal que nos acomete detonado pelo sentido forçado de viajarmos dentro de nós mesmos. Somos, então, queiramos ou não, forçados a nos reconhecer como dependentes dos controladores (palavra bem expressiva) dos nossos destinos, dos condutores, dos motoristas, dos comissários, dos maquinistas, dos mestres da navegação dos mares infinitos e, até, dos deuses astronautas que infestam os sonhos de universo explorável.
Nada como uma greve de controladores para deflagrar enxurradas de pensamentos reflexivos em milhares de cabeças acostumadas à correria de vôos condutores da vida moderna, enquanto somos induzidos a sentir as mazelas que tantos outros sentem. É então que nos vemos caminhando no barro ou esperando a carona na distância dos sertões, tentando chegar a uma cidade grande, para arranjar um emprego, andar de coletivo, metrô ou trem, quem sabe, um dia, subir naquele bicho prateado e conseguir voar, sem precisar esperar tanto que a vida flua, que o mundo seja vencido, que não se tenha mais tempo para parar e esperar, na entupida estação rodoviária.
Nessas horas, nem dá para lamentar o gosto indelicado de achar que se é menos importante que qualquer passageiro de qualquer transporte de massa conduzido por gente que detém o controle das rotas que ainda pretendemos vencer. Mais prudente é sentir necessidade de cantarolar com a Maria Rita, a letra da canção de Milton Nascimento e Fernando Brandt, que diz assim: “Chegar e partir são só dois lados da mesma viagem, o trem que chega é o mesmo trem da partida, a plataforma dessa estação é a vida desse meu lugar”. APARECIDA TORNEROS

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