Mulheres "saca-rolhas"
Minha amiga manda e-mail desaforado. Reclama que nós, suas amigas de tantos anos, somos difíceis para marcar reencontro...avisa então, com seu jeito engraçado de ser, que é a última vez que se dirige às mulheres "saca-rolhas", para pedir um horário na agenda das ditas cujas.
Coisa bem ao seu estilo, mas me pego a pensar no sentido variado que a tal denominação me remete. Mulheres com a decisão presa no gargalo de uma garrafa de conteúdo a saborear. Talvez um vinho conservado em adega bem cuidada, na temperatura certa, ao longo de décadas de maturação. Talvez uma bebida mais refinada ainda, com ares de espumante oriundo das uvas escolhidas, ao gosto dos bons entendedores da arte da degustação.
Há que arrolhar bem o conteúdo que espera por ser consumido em instante especial. Minha amiga tem provável razão sobre a dificuldade de certas pessoas em se soltar dos seus recipientes protetores. Suas muralhas de vidro inquebrável, ou ainda, seus castelos de isolamento fictício.
Não deveria ser o nosso caso, o de nos fecharmos para a alegria que acontece entre nós, a cada reencontro. E não é. Sabemos que é só partir para o abraço e a piada, a cada olhar cruzado , todas as vezes que nos vemos, em ocasiões diversas, quando alcançamos a proeza de conseguirmos estar no mesmo bat-local, na mesma bat-hora.
Digamos que somos esvoaçantes, figuras solicitadas por trabalho, família e amigos espalhados pelo mundo afora. Daí, que , a qualquer possibilidade de conciliarmos nossos passos na própria direção, forma-se um redemoinho de expectativas, poréns, senões, aconchambramentos adiáveis, pequenos discuosos individuais que se tornam múltiplos, redirecionando a abertura da garganta fechada para a gargalhada que virá...certamente... no instante em que as "rolhas" forem sacadas do caminho, possibilitando a libertação das almas felizes que trazemos com o destino de aconchego entre nós.
Nós, as voluntariosas mulheres "saca-rolhas" aí estamos, no pedaço recorrente que se antepõe ao pré-estabelecido, às regras, ao contexto do modelo vigente.
De repente é domingo. Lá pelas 10 e meia, vamos chegando ao Planetário da Gávea, talvez chova, torrencialmente até. Mas, o dia é só nosso, pensamos juntas, a mesma coisa. A fila para o ingresso gratuito nos estimula a conversas boas e bobas. Risadas em dominó. O show do Guinga, as estrelas do céu acima das nossas cabeças, a visão do universo, nos misturando ao eterno. Somos tudo nessa hora, somos as "rolhas" que se desprenderam na direção do infinito e bailamos junto com os astros e satélites em torno da nossa felicidade.
Afinal, quando sacamos as tais rolhinhas castradoras do tempo, quem há de nos dominar no vento ou no tempo?
Que mistérios tem uma de nós a ser desvendado, depois do grito de liberdade a que estamos fadadas por geração e pacto?
Preciso dizer à amiga que "saquei" sua ironia brincalhona, e devolvi com poesia em prosa cinquentona...rs... nada que um domingo no parque não possa nos redimir. Ou na praia, ou no campo, ou na fazenda, pouco importa, pra quem já se divertiu na praça XV olhando barcas da travessia Rio Niterói, na década de 70, como se fosse o Bateau Moche singrando no Sena, senhores, eu lhes pergunto:
- quem há de duvidar que somos mulheres que sacam as rolhas que lhes tentam tapar o sol e nos reacendemos nas chamas da fantasia e da amizade construtiva?
Se há alguém capaz de imaginar nos aprisionar em garrafas que boiem pelos oceanos por mais 100 anos, que desista agora e cale para sempre.
Nossas gargantas são como os himens complascentes, capazes de enganar aos tolos que nos imaginam presas, ou caladas, ou virgens, pois nosso caminho estava escrito nas estrelas. Quem duvidar, que vá ao Planetário, num domingo desses, e olhe pra cima...
Cida Torneros ( crônica de 2009)
Minha amiga manda e-mail desaforado. Reclama que nós, suas amigas de tantos anos, somos difíceis para marcar reencontro...avisa então, com seu jeito engraçado de ser, que é a última vez que se dirige às mulheres "saca-rolhas", para pedir um horário na agenda das ditas cujas.
Coisa bem ao seu estilo, mas me pego a pensar no sentido variado que a tal denominação me remete. Mulheres com a decisão presa no gargalo de uma garrafa de conteúdo a saborear. Talvez um vinho conservado em adega bem cuidada, na temperatura certa, ao longo de décadas de maturação. Talvez uma bebida mais refinada ainda, com ares de espumante oriundo das uvas escolhidas, ao gosto dos bons entendedores da arte da degustação.
Há que arrolhar bem o conteúdo que espera por ser consumido em instante especial. Minha amiga tem provável razão sobre a dificuldade de certas pessoas em se soltar dos seus recipientes protetores. Suas muralhas de vidro inquebrável, ou ainda, seus castelos de isolamento fictício.
Não deveria ser o nosso caso, o de nos fecharmos para a alegria que acontece entre nós, a cada reencontro. E não é. Sabemos que é só partir para o abraço e a piada, a cada olhar cruzado , todas as vezes que nos vemos, em ocasiões diversas, quando alcançamos a proeza de conseguirmos estar no mesmo bat-local, na mesma bat-hora.
Digamos que somos esvoaçantes, figuras solicitadas por trabalho, família e amigos espalhados pelo mundo afora. Daí, que , a qualquer possibilidade de conciliarmos nossos passos na própria direção, forma-se um redemoinho de expectativas, poréns, senões, aconchambramentos adiáveis, pequenos discuosos individuais que se tornam múltiplos, redirecionando a abertura da garganta fechada para a gargalhada que virá...certamente... no instante em que as "rolhas" forem sacadas do caminho, possibilitando a libertação das almas felizes que trazemos com o destino de aconchego entre nós.
Nós, as voluntariosas mulheres "saca-rolhas" aí estamos, no pedaço recorrente que se antepõe ao pré-estabelecido, às regras, ao contexto do modelo vigente.
De repente é domingo. Lá pelas 10 e meia, vamos chegando ao Planetário da Gávea, talvez chova, torrencialmente até. Mas, o dia é só nosso, pensamos juntas, a mesma coisa. A fila para o ingresso gratuito nos estimula a conversas boas e bobas. Risadas em dominó. O show do Guinga, as estrelas do céu acima das nossas cabeças, a visão do universo, nos misturando ao eterno. Somos tudo nessa hora, somos as "rolhas" que se desprenderam na direção do infinito e bailamos junto com os astros e satélites em torno da nossa felicidade.
Afinal, quando sacamos as tais rolhinhas castradoras do tempo, quem há de nos dominar no vento ou no tempo?
Que mistérios tem uma de nós a ser desvendado, depois do grito de liberdade a que estamos fadadas por geração e pacto?
Preciso dizer à amiga que "saquei" sua ironia brincalhona, e devolvi com poesia em prosa cinquentona...rs... nada que um domingo no parque não possa nos redimir. Ou na praia, ou no campo, ou na fazenda, pouco importa, pra quem já se divertiu na praça XV olhando barcas da travessia Rio Niterói, na década de 70, como se fosse o Bateau Moche singrando no Sena, senhores, eu lhes pergunto:
- quem há de duvidar que somos mulheres que sacam as rolhas que lhes tentam tapar o sol e nos reacendemos nas chamas da fantasia e da amizade construtiva?
Se há alguém capaz de imaginar nos aprisionar em garrafas que boiem pelos oceanos por mais 100 anos, que desista agora e cale para sempre.
Nossas gargantas são como os himens complascentes, capazes de enganar aos tolos que nos imaginam presas, ou caladas, ou virgens, pois nosso caminho estava escrito nas estrelas. Quem duvidar, que vá ao Planetário, num domingo desses, e olhe pra cima...
Cida Torneros ( crônica de 2009)
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