Maracanã

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sábado, 23 de abril de 2011

‎"O que será que uma mulher quer de mim? Sob esse ponto de vista, a mulher é um ...enigma."" -por Contardo Calligaris




‎"O que será que uma mulher quer de mim? Sob esse ponto de vista, a mulher é um ...enigma."" -por Contardo Calligaris





A primeira coisa que costumo dizer é que o melhor filme sobre gravidez é 'Alien' [EUA, 1979]. Toda mulher grávida deveria ver. O filme trata de um fator que, no oba-oba geral ao redor da maternidade, é constantemente esquecido, que é: a vida estrangeira que se cria e se alimenta dentro da gente. Tem um aspecto reprimido, que tem a ver com a invasão do corpo por um outro ser que, é óbvio, está presente em toda gravidez e que pode facilmente tomar um viés persecutório. Tudo o que as mulheres vivem negativamente na gravidez, como a deformação do corpo, a invasão, e até o parto, que não é só uma experiência legal, claro que não é, pode ser analisado em 'Alien'. Então é um negócio enlouquecedor. A gravidez é, isso sim, uma puta aventura.






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A relação mãe e filha é das mais complexas da vida?






Normalmente é. Muito freqüentemente é uma rivalidade que não acaba nunca. Mas a relação mãe e filho é facilmente patológica porque tem isso: você gerou uma coisa que você não é, o que dá uma certa sensação de completude. Ao mesmo tempo, você gerou alguém com quem poderia continuar reproduzindo sem precisar de mais ninguém, coisa que com uma outra mulher não será possível, então você poderia reiniciar a espécie humana com seu filho. Mas você tem toda a razão, a relação mãe e filha é muito complexa. Aliás, Freud dizia que tem três coisas impossíveis. Uma é psicanalisar, claro. A outra é governar, e a terceira é educar os filhos. Acho que ele cobriu tudo.


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É mais difícil envelhecer para a mulher do que para o homem?






As mulheres têm essa tendência de achar que os homens de 50 e 60 se dão melhor na vida. Eles encontram mais parceiras, ou parceiras mais jovens, mas é um ponto de vista que me deixa um pouco perplexo. Por um lado, acho que existe um enorme trabalho para ser feito sobre a menopausa. A menopausa é, naturalmente, o fim da possibilidade de reproduzir, mas não tem nenhuma razão para se pensar que deva ser o fim da feminilidade, ou o fim da vida sexual. Mas, aparentemente, para muitas mulheres na menopausa existe uma sensação de que: 'Ah, tá, agora acabou a vida sexual'.


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Mas nossa cultura sugere a supervalorização do corpo jovem.






Não sei quanto isso corresponde realmente ao desejo masculino. Um homem pode se interessar por uma mulher de 50 ou 60 sem problema nenhum. Essa idéia de que o homem seria irresistivelmente seduzido pela carne fresca é um pouco primária. Um homem é seduzido por coisas completamente diferentes. Por exemplo, por quem consegue entrar em seu universo de fantasias, o que não tem nada a ver com a idade. Sem contar que um homem pode até construir um fetiche ao redor dos supostos defeitos do corpo de sua parceria. Mas existem aqueles que, claro, têm problemas de afirmação narcisista em relação a outros homens: são esses que precisam da mulher-troféu para exibir aos amigos.


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Uma vez li um texto de uma afegã que dizia que se elas vivem sob a ditadura da burca, nós vivemos sob a ditadura do botox e da plástica e da maquiagem. É assim?






Pode ser, mas, se tiver que escolher, ainda prefiro a nossa [ri]. Até porque o problema da burca é outro: eu não poderia viver sem me relacionar com o rosto da pessoa. Mas os valores de beleza não são fixos, então não sei se existe uma ditadura. Por outro lado, que exista uma certa ditadura da beleza, sendo que a definição de beleza muda, não me incomoda. Beleza não é necessariamente a simetria dos traços. A beleza pode ser completamente inesperada, pode ser a assimetria, pode ser uma cicatriz no rosto.


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'Um relacionamento não dá errado só porque durou pouco. Quem disse que a duração é um índicede qualidade?' Só que existe a forçação de barra em relação a um padrão.






Mas que a gente tenha esse exigência social é uma conseqüência do fato de sermos uma sociedade em que o olhar dos outros é extremamente importante para definir quem somos e como nela nos situamos. É chato? Sim, mas acho muito interessante que a gente possa ser o que os outros vêem, não exatamente no sentido da mentira e da ilusão, mas no sentido de que a gente pode conquistar o olhar dos outros.


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Essa vida moderna, cheia de limitações e imposições, dificulta a busca da felicidade?






Não tenho muito interesse pela felicidade. Eu vivi os anos 60, fiz tudo o que me interessava, passei um tempo na Índia e no Nepal, e poderia ter ficado por lá, nas drogas, se a felicidade me interessasse. Moraria até hoje em Katmandu, meio pelado, com os macacos, passeando pelas lojas que vendiam tudo o que alguém poderia querer, em várias qualidades e quantidades, a preço de banana. Se quisesse a felicidade, por que teria saído de lá? Não é a felicidade que me interessa. O que me interessa é a vida, é a intensidade das experiências, boas e ruins. Se tiver que curtir uma dor porque morreu meu pai, ou meu cachorro, ou me separei de alguém que eu amava, é para chorar mesmo, e chorar é legal, faz parte de sentir a experiência.






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A gente não sabe sofrer, é isso?






Ou isso ou a gente foi convencido pela idéia de que o sofrimento não deve fazer parte de nossas vidas. Isso é um aspecto psiquicamente higienista. Uma espécie de intervenção médica em cima da nossa vida. É extremamente desagradável essa idéia de que o sofrimento seja considerado patológico, isso é uma loucura. Claro, é evidente, se alguém considera se matar porque perdeu o relógio, aí existe uma desproporção, mas a idéia de dizer: 'Ah, morreu seu pai e eu vou medicá-lo para que você atravesse o luto corretamente' acho um absurdo, uma merda.






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Uma merda que não tem solução, já que vivemos em um mundo no qual a indústria farmacêutica precisa da doença para sobreviver.






Sim, mas, por outro lado, essa indústria já operou prodígios e hoje cura doenças que eram incuráveis. Veja, eu tenho a tendência de avaliar a sociedade em que vivemos com os valores dos anos 70, que foram aqueles que me influenciaram. Então, tomemos, por exemplo, o sexo. O mais extraordinário instrumento de controle sobre a vida sexual foi produzido pela aids, e isso é uma coisa que se fala muito raramente. A gente se esquece de que tem aí pelo menos duas gerações que transam de uma maneira exótica e inusitada. Tudo bem, camisinha é legal e obrigatório, por mais que o Papa ache que não. O problema é que a maneira de transar mudou completamente. Com camisinha, primeiro você tem que ter uma ereção, depois coloca, depois penetra, depois tem que ficar até gozar, depois tira e joga fora e aí acabou e cada um vai tomar banho. Mas antes disso transar era ficar ali por 20 minutos, pára, bate um papo, toma um café, se beija, se chupa, explora... era uma dinâmica completamente diferente. A relação com o corpo do outro era completamente diferente. As relações sexuais se tornaram caretas e pragmáticas.

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