Maracanã

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sexta-feira, 8 de abril de 2011

Do moleque ‘Simona’ a Wilson Simonal

Do moleque ‘Simona’ a Wilson Simonal







O texto abaixo é de Afrânio Brasil Soares publicado na revista O Cruzeiro, de 19 de agosto de 1967, e inaugurou uma série de reportagens chamada Ídolos da juventude.






O fato ocorreu há poucos dias, em Santos: um clube da cidade contratou para um show o cantor Wilson Simonal. Uma semana antes não havia mais mesas, e a procura continuava. Entradas extras tiveram que ser providenciadas. Às 23 horas do sábado do show todos os recantos do grande salão estavam tomados, o cantor se apresentaria à meia-noite.






Enquanto a correria dos garçons era insuficiente para atender a todos as mesas, nos bastidores do clube, à medida que a meia-noite se aproximava, crescia o clima de tensão. O cantor não chegara ainda. Em meio à agitação, a diretoria fazia chamadas telefônicas nervosas para São Paulo, procurando localizar Wilson Simonal, indagando, onde quer que respondiam, o seu paradeiro. O telefone de sua residência não atendia. Nas boates e televisões, rádios e clubes, nas casas dos amigos, ninguém dava notícia.






Quinze minutos depois da meia-noite, a impaciência do público andava perto da fúria. Assobios, pancadaria nas mesas, o vozerio irado, reclamavam o atraso do show.


A uma hora da manhã de domingo, o alarido do salão já abafava o som da orquestra, o tilintar dos copos nas mesas era ensurdecedor; os mais exaltados ofendiam, aos gritos, a direção do clube. A notícia de que o atraso do show se devia à ausência de Wilson Simonal corria de boca em boca.






Por volta das duas horas, quando o presidente do clube se preparava para ir ao microfone pedir desculpas ao público e garantir a devolução dos ingressos, o cantor apareceu. Ele estava agitado: o seu carro enguiçara na estrada. A diretoria, possessa, não queria aceitar as suas desculpas: a altercação nos bastidores não parecia ser menos calorosa do que o tumulto do salão, onde um coro monstro e ritmado se improvisava:






– Ca-fa-jes-te, ca-fa-jes-te; cri-ou-lo, cri-ou-lo.






O presidente do clube advertiu o cantor de que não se responsabilizaria pela sua integridade física, caso ele tentasse aparecer diante do público. A rescisão do contrato parecia, àquela altura, a melhor solução. Wilson Simonal pôs fim à discussão:






– Deixem por minha conta. Eu vou entrar em cena. Se não conseguir agradar, então o clube nada me pagará. Quando à minha integridade física, “deixa comigo”...






E foi dada a ordem para o pano se abrir.






Wilson Simonal já se encontrava diante do microfone, olhando tranquilamente para o fundo do salão.






– Ca-fa-jes-te, ca-fa-jes-te; cri-ou-lo, cri-ou-lo – gritava agora a plateia, mais irada ainda.






O cantor abriu os braços; um gesto largo e pediu calma. O ruído, os assobios, o coro alucinante prosseguiam, atestando a revolta incontrolável.






– Calma, calma – repetiu ele. Eu disse: calma!






Ato contínuo, deu sinal para o maestro e a orquestra fez uma pequena introdução, ainda sufocada pelos ruídos. O cantor começou a gingar a sua ginga bem característica, as mãos no ritmo do samba, como se remasse de mansinho, e começou:






“Meu limão, meu limoeiro, meu pé de jacarandá...”






Antes de chegar ao “isquindolalá”, uma rajada de palmas veio lá de trás, cresceu, foi tomando vulto e generalizou-se pelo salão inteiro. Por mais de uma hora, Wilson Simonal voltou sem cessar ao palco, enquanto os pedidos de “bis” se sucediam. O público, vencido pelo talento do cantor, pela sua simpatia, pela sua comunicabilidade, ovacionava-o. Wilson ganhara a parada.






Este domínio sobre as plateias é, inegavelmente, a marca desse cantor que, hoje, goza da reputação de um dos maiores ídolos do público brasileiro. Intérprete de todos os gêneros, dono de uma voz inconfundível e agradável, de uma bossa toda sua, de um excelente repertório, o criador de tantos sucessos da nossa música popular já conquistou definitivamente sua posição de destaque. Faz parte hoje da galeria de nossos maiores artistas, desde que se tem notícia de show musicado em nosso país.






Assim se passaram muitos anos






O moleque “Simona” vive os dias das peladas de bola de meia num subúrbio carioca. Sua mãe, doméstica, volta e meia ralha com o filho “que não quer saber de outra coisa”. O Flamengo está no seu sangue e vai inspirá-lo, nos primeiros dias da puberdade, a compor alguns sambas. Bob Nelson empolga a criançada do País com suas canções do “far-west” e o garoto Simonal o imita nas tréguas entre uma pelada e outra. O tempo passa, sua voz se engrossa. Rapazinho pobre tem de trabalhar, e Wilson dá tratos à bola: “Como ganhar dinheiro?”. Atende à primeira sugestão – ser guardador de automóveis da micropolícia. Os níqueis que lhe caem na mão logo passam para as dos sorveteiros nos questões versões do subúrbio. Não dá para comprar roupa. Para poder se vestir, entra na Western, onde vai ser o estafeta no. 303. Uma bicicleta corre as ruas do Centro e da Zona Sul do Rio. Uma gorjeta aqui, outra gorjeta ali, mais lucro para as fábricas de sorvete. E o escurinho vai assobiando pela cidade inteira, enquanto faz dia. À noite, dedilha o violão de um amigo e canta para os colegas e garotas do subúrbio as canções da época. Já é tempo de prestar o serviço militar e o boa-praça Simonal troca as noites irresponsáveis do subúrbio pela vida da caserna. O fuzil não tem a suavidade do violão, mas a noite sempre existiu na alma de Wilson Simonal. E quando na noite chega, empunha o violão e a turma se reúne em torno dele. Terminado o serviço militar, não vê perspectivas na vida da cidade grande. O jeito é engajar no exército. E engaja. São três anos que alterna o fuzil com o violão, o violão com o fuzil. Depois de algum tempo, recebe uma fita a mais. Faz pose de cabo Simonal e paga continência para todos os lados, seja para os superiores, seja para os recrutas. Continência e sorrisos, que a simpatia nasceu com ele. A fama de que canta bem já é do conhecimento de todo o quartel e, um dia, o comandante convoca-o para cantar num show interno. Desse dia em diante, não há festividade a que Wilson Simonal não compareça.






“E o comandante tornou-se meu chapa” – comenta. Nos dias de folga, Simonal canta nos parques de diversão. Mas um dia o chefão é removido, justamente quando falta um mês para mais uma fita engrossar a divisa de Simonal. O novo comandante não é seu “chapa” como o anterior e, lugar onde ele não se sente chapa do maiorial, não serve. E porque não serve, o quase-sargento Simonal esnoba a carreira militar. Dá baixa do quartel. Uns abraços, uns apertos de mão, um desvio de olhar para os amigos do peito. No dia seguinte, bolso vazio, a vida diante de si e um sem saber o que fazer nem para ode ir. Oferecem-lhe o serviço de vendedor. Papel carbono é o produto a vender. Acontece que Simonal só sabe vender um produto – a simpatia. Fracasso total na profissão de vendedor. Por essa época, seu irmão, Roberto Simonal, tinha um conjunto musical e Wilson engaja no conjunto. Mas ainda tentava vender o papel carbono, nas horas vagas. Tentava mas não vendia. Certo dia, Carlos Imperial que apresentava um programa na TV Tupi, trava conhecimento com o conjunto e, consequentemente, com Wilson Simonal. Tornaram-se logo amigos e, quando Simonal soube que o pai de Imperial era banqueiro, tratou de obter o endereço do banco. No dia seguinte, todo o estoque de papel carbono debaixo do braço, comparece ao banco, procurando o gerente. Dessa vez, a “cantada” valeu.






– Ainda hoje – conta, fazendo blague, Carlos Imperial -, ainda hoje existe daquele papel carbono no banco de meu pai, porque o Simona vendeu o estoque todo usando o meu nome.






A escadaria do sucesso






A vivacidade do rapaz impressiona Carlos Imperial, que o toma como seu secretário. Desse dia em diante, Wilson Simonal nada teve a fazer senão subir a alegre escada do sucesso: o novo amigo colocara-o no primeiro degrau.






Segundo Carlos Imperial, que o lançou, Wilson Simonal “não deu saltos miraculosos”. Sua ascensão foi lenta, mas regular e constante. Eram os dias do alvorecer da bossa nova, o violão de João Gilberto, a batida diferente, empolgavam o País. Wilson Simonal adere à onda. Não perde oportunidade. Integra vários conjuntos musicais, como "crooner", e, de clube em clube, ganha popularidade. Tenta, com o conjunto Dry Boy’s, um teste para gravar na Columbia. O conjunto não aprovou, nem ele. Procura a Copacabana. Novo insucesso. Nazareno de Brito, da Copacabana, sugere que ele aprenda com Luiz Roberto a “bossa da gravação”. Por essa época, em função do sucesso que vinha fazendo nos shows de TV, apresentou-se a César de Alencar. Foi contratado pela Rádio Nacional. Quase ao mesmo tempo fez parte do conjunto de Dona Alda Pinto, a quem diz dever muito.






Veio, então, uma proposta de Carlos Imperial para que Wilson Simonal ensinasse violão a Eduardo Araújo e interpretação do samba com balanço a Roberto Audi. Reuniram-se na casa de Fernando César, onde Simonal conheceu José Ribamar, assistente da Odeon. Bom contato: seis meses depois ele gravava “Teresina” e “Biquinis e borboletas” fazendo relativo sucesso com a primeira música. A partir daí, sua carreira tomou ritmo intenso. A boate Drink o contrata como “crooner”, depois é a vez do Top Club. A essa altura – passados dois anos e pouco – já é um crooner de prestígio. Ganha um salário razoável para a época: 70 contos no Top Club, 120 na TV-Rio e 30 na Nacional.






Apesar do bom salário e de uma certa popularidade, Wilson Simonal ainda não avulta entre os grandes cartazes da época. A propósito de sua atuação na TV-Rio, conta um caso pitoresco:






– Lúcio Alves levou-me para a TV-Rio. Ele me tinha sido apresentado por Silvinha Teles, que me conhecera num programa da Elizete Cardoso. Lúcio parecia gostar da minha voz e me apresentou no programa de maior sucesso de então – “Noite de Gala”. No dia seguinte, o patrocinador, Sr. Abraão Medina, despediu todos os organizadores do programa: Lúcio Alves, Cícero de Carvalho e Carlos Alberto. Tudo isso por causa da minha participação no “Noite de Gala”.






Wilson Simonal foi despedido da TV-Rio e, logo em seguida, deu-se a falência do Top Club. Fica só a Rádio Nacional. E o cantor volta a ser “crooner”, fazendo apenas bailes. Sua carreira parecia marcar passo.






A estrela definitiva






A música jovem começa a fazer furor. E Simonal entra na onda. Recebe, um dia, convite para integrar um show no Little Club. Com o Bossa 3 e Marly Tavares mantém a casa cheia. Começa a ser conhecido como o “Frank Sinatra do Beco das Garrafas” (recanto de rua em Copacabana onde há vários inferninhos). Um empresário peruano o descobre e o leva para uma temporada no Peru. Ganha 350 dólares nessa excursão. Regressando, novamente ganha um contrato no Beco das Garrafas. Agora é na boate Bottles. Com Darlene Glória e o Trio 3 D, mantém-se em cartaz durante dois meses. Intensificam-se os convites para participar de “shows” nas televisões do Rio. Novo contrato internacional. Quarenta dias na Colômbia.






– Quando voltei da Colômbia eu era Wilson Simonal – comenta o cantor.






O disco que ele gravara antes de viajar para a Colômbia – A nova dimensão do samba – faz sucesso no Rio e em São Paulo. “Lobo bobo”, Nanã”, “Balanço Zona Sul”, uma seleção de sambas de Tom Jobim, compunha o LP, que permanece muitas semanas nas paradas.






Agora, o moleque Simona das peladas de bola de meia, o guardado de automóveis da micropolícia, o estafeta nº 303 da Western, o recruta Simonal, o cabo Simonal, o quase sargento Simonal, o fracassado vendedor de papel carbono, o secretário de Carlos Imperial, o "crooner" de vários conjuntos, o cantor esporádico de programas e shows – todos eles pertencem ao seu passado.






Wilson Simonal é convidado pelo Canal 4 de São Paulo para apresentar Spot Light, programa onde lança o Zimbo Trio e Elis Regina. Daí para cá todas as suas programações são de categoria. Atualmente é exclusivo da TV-Record, onde apresenta, com absoluto sucesso, no horário nobre dos domingos, o programa “Show em Si Monal”. Há pouco tempo, realizou uma excursão pela Europa, fazendo um "show" de uma companhia de tecidos. Suas músicas estão sempre nos primeiros lugares. “A praça”, “Mamãe passou açúcar ni mim”, "Carango", "Meu limão, meu limoeiro" e "Tributo a Martin Luther King", esta de sua autoria, são canções que o Brasil inteiro canta no momento. No ano passado, Wilson Simonal conquistou o troféu Roquete Pinto e o troféu da Imprensa, pelo melhor programa de televisão. E acaba de ganhar, no programa "Esta noite se improvisa", um Gordini e uma passagem de volta ao mundo, doada por uma companhia de aviação.






Wilson Simonal nada perdeu da simplicidade do moleque Simona dos tempos da bola de meia. E, a propósito, explica, na intimidade do seu luxuoso apartamento da Avenida Paulista, a razão do seu sucesso:






– Eu não teria sido nunca Wilson Simonal se não tivesse sido o moleque Simona. Pode crer...






Postado por Meire Bottura às 10:52 AM


3 comentários


Blog da Mulher Necessária disse...


Parabéns pela postagem do excelente texto sobre onão menos excelente e saudoso Simonal. eu fui repórter da revista O cruzeiro,no iníciodos anos 70 e me tornei amiga do grande Afranio Brasil Soares, um cearense que viveu em Paris, de uma sensibilidade que me emocionou sempre. soube, há pouco tempo que ele já partiu e se despediu da vida nasua terra, o Ceará. aprendi muito com ele para a profissão que exerço há 40 anos. vou reproduzir seu post no meu blog, com sua licença, ok? vou citar. beijo


Cida Torneros

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