Maracanã

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sexta-feira, 9 de julho de 2010

Eliza Samudio , mulher, vítima de uma rede de proteção, socialmente rompida...

Eliza Samudio , mulher, vítima de uma rede de proteção, socialmente rompida...

Confesso que chorei. Na madrugada desta sexta-feira, depois de ter "convivido" com o caso Bruno, através do noticiário intenso a que a sociedade brasileira está sendo submetida, senti-me tão sofrida quanto qualquer ser injustiçado, vilipendiado, ofendido, violentado, agredido, física, moral, psicologicamente, como se fora uma criatura de menor porte, num mundo ainda machista, preconceituoso, atrelado a valores em que sexualidade e dinheiro caminham juntos e se complementam com barbáries, ou com imensa injustiça.

Considerando que há uma pseudo rede de proteção legal que se rompe, fragilmente, no que diz respeito à seriedade com que se deve encarar fatos que generalizam e vulgarizam as mulheres brasileiras, em tese, em universalidade, em desigualdade de condições, em desgraça ou desrespeito, em agressão ou descrédito, em condicionamento vil, estado pueril, imagem clara do absurdo número de queixas ( 270 MIL) nas delegacias de atendimento a mulheres, só no ano em curso, no Brasil, o que representou um aumento de 95 por cento em relação ao ano anterior.

Uma Senadora da República, no dia 9 de março, em discurso no Congresso, alertou e protestou para as declarações do goleiro Bruno acerca das mulheres. De que adiantou? A história seguiu seu curso de tragédia anunciada, a mulher reclamante, na época ainda grávida, teve o filho que não abortou, foi submetida a crueldade por parte de um grupo de pessoas que compactua, socialmente, para romper a cadeia legal que deveria proteger direitos e salvaguardar a vida humana, sua dignidade e sua indiscutível chance de elevar a voz e clamar por justiça.

A mulher Eliza Samudio, vítima, agora passa, como tantas outras já passaram, da condição de morta para a condição de ré, praticamente, julgada por aqueles que, infelizmente mantém o ciclo absurdo da opressão à liberdade de viver a que as mulheres não só tem direito, como vem lutando para conquistar e consolidar há mais de uma centena de anos.

A modelo Eliza, a amante Eliza, a ex-atriz pornô Eliza, a namorada Eliza, a reclamante Eliza, a grávida Eliza, a sequestrada Eliza, a massacrada Eliza, a assassinada Eliza, a mãe Eliza, mãe de um menino chamado carinhosamente por ela de "Bruninho", ironia do destino que a fez nomear o menino em homenagem a um pai biológico que, segundo o andamento das investigações, parece ter sido o próprio algoz da infeliz mãe de um filho seu.

Que circunstâncias e valores afetivos, morais, sociais, podem levar a comportamentos tão bárbaros? Conjuguem-se mundos como o do futebol, da dinheirama que por ali corre, do submundo da prostituição e da droga, da ausência de família organizada, nada disso justificaria torturar ou matar um semelhante, ainda mais alguém que em algum momento esteve em nosso abraço, ou fez parte de algum arremedo de carinho. Mas, como imaginar que encontros fortuitos, regados a intensa sensualidade estariam providos ou desprovidos de carinho? O afago humano é uma bênção para a manutenção da existência, o toque pode ser a luz para que a vida se prolongue, numa cama de hospital, o olhar compassivo é prêmio para uma alma carente, uma criança abandonada ou um ancião solitário no fundo de um asilo.

Nada disso, entretanto, é suficiente, parece, para conter uma animalidade desenfreada, quando se desprotege uma cidadã, mulher, jovem, mãe, que teria em algum momento confiado na justiça do seu país, e, cujo exame comprobatório da tentativa de fazê-la abortar, só teve seu resultado providenciado quando ela já não mais respirava, e seu filho, como uma teimosia da natureza sábia, permanece vivo para um dia aprender sobre os homens, a injustiça, seu próprio calvário, resgatar sua caminhada, crescer, viver e realizar alguns dos sonhos que Eliza deve ter tido para ele, e que não foi premiada com o direito de criar o seu bebê, ou de lutar, em termos legais pela criação do seu "Bruninho".

História triste, confesso que chorei. O respeito é o que a memória de Eliza merece agora. Respeito e cumprimento das leis. Cadeia para os seus algozes, conscientização da sociedade brasileira para uma doença que nos assola: o rompimento inaceitável da rede de prodeção para as mulhers vítimas de violência.

Cida Torneros

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