aqui tem música, poesia, reflexões, homenagens, lembranças, imagens, saudades, paixões, palavras,muitas palavras, e entre elas, tem cada um de vocês, junto comigo... Cida Torneros
Maracanã
sexta-feira, 7 de maio de 2010
O filme argentino e os olhares secretos diante das portas da vida...
O filme argentino e os olhares secretos diante das portas da vida...
Custei a ver o filme premiado com o Oscar de melhor estrangeiro. Li algumas boas críticas, adiei, e finalmente, fui , incentivada pelo meu terapeuta, que me avisou sobre um personagem importante no enredo: uma porta.
Ao me envolver pela trama policial e pelo romance, percebi-me tensa e racional. A doutora Irene, que sempre deixava a porta da sua sala aberta, diante do olhar apaixonado do seu subalterno perito judicial, um obstinado que detecta o segredo de um criminoso, exatamente pelo olhar que está presente em várias fotos antigas da vítima, apresentadas pelo marido viúvo, inconformado pela violência do assassinato da linda mulher amada.
Durante toda a exibição prestei muita atenção aos personagens, seus olhares fortes, profundos, as mazelas emocionais que, injustamente, percolam as portas da justiça, os dramas pessoais, de quem exerce profissão de descobrir, prender, interrogar, perseguir ou julgar alguém que mata alguém, e, segundo as leis da Argentina, devia ser condenado à prisão perpétua.
Vi que a vida transcorrida nos 25 anos de história por que passam os protagonistas do enredo, muitas são as prisões em que se enclausuram, desde a rigidez de princípios ou da solidão de valores a defender, vi que o argumento mereceu o prêmio por interceptar as portas de almas e corações, algumas vezes tão fechadas em olhares que tentam abrir-se para revelar emoções, noutras tão abertas para que todos partilhem os segredos das conversas. Estas, nunca se permitem existir sinceras, camuflam-se, assumem versão conveniente, a vida segue, as pessoas envelhecem, nem sempre amadurecem, e muitas vezes se tornam mesmo prisioneiras das suas histórias, dos seus passados. Gastam seu tempo repetindo tramas ou revivendo episódios reproduzidos em maior ou menor escala.
Há pouco tempo, uma noite, dormi, por descuido, com a porta da minha casa, aberta, não lhe passei a chave. Na manhã seguinte, pus-me a conjecturar, com a viagem meio alucinada de escritora e contadora de histórias o que poderia ter-me acontecido. Um invasor, talvez um estuprador, um ladrão, sei lá, uma casa térrea, cuja porta se manteve destrancada toda uma madrugada, onde vive e dorme uma mulher solitária. Daria um roteiro para outro filme de suspense, imagino.
Mas, não se deve abrir porta por descuido. Abre-se a porta do coração para quem se pensa conhecer. Abre-se a porta da casa para quem é amigo e confiável. Abre-se as janelas da alma para que os bons ventos tragam felicidade, e é saudável fechá-las diante dos invernos rigorosos, das tempestades e dos vizinhos alcoviteiros.
Grande filme. Fez-me repensar sobre a infeliz necessidade de se usar cadeados, do medo da violação, da incerteza dos amores que vivem pelas ruas e que não sabem conviver em salas ou sobreviver em conversas nas mesas de jantar. Amores talvez que precisem somente de camas mal arrumadas, pequenos espaços de fuga, amores adolescentes, quase infantis, mas que também guardam lembranças de intensos e secretos olhares.
Saí do cinema imaginando que 25 anos não representam quase nada... Como diz o tango tradicional, vinte años no es nada... o que é e conta, realmente, é o momento em que um sobrevive e se liberta dos seus passados revividos, que se livra das suas próprias prisões perpétuas.
Aí, como no final do filme, o sorriso brilha e o olhar se enternece, a palavra solta o verbo preso na garganta, a declaração de algum amor sufocado explode na sala, que, embora de porta fechada, se transforma então no reduto mais liberado do sentimento que andou buscando espaço e ziguezagueou por muito tempo nos confins da dúvida, nos porões da doença emocional, na escuridão da vingança, na infelicidade de um dia-a-dia tirano ou mesmo, na tentativa de fuga de algum assassino confesso.
O que me deu intenso prazer ao assistir "o segredo dos seus Olhos" foi a sensação plena do quanto é importante estar-se atento para abrir ou fechar portas nesta vida, que nos impulsiona, inadivertidamente, a olhares cujo segredo pode ser desvendado, repentinamente, pela razão ou pela emoção, melhor que o seja por ambos, em sintonia com a magia do encontro humano verdadeiro.
Cida Torneros
"O Segredo dos seus Olhos" combina suspense e romance
Pulicada em 25/02/2010
SÃO PAULO (Reuters) - Conhecido por sua comédia de sucesso "O Filho da Noiva" (2001), o diretor argentino Juan José Campanella surpreende pela profundidade e combinação de gêneros de seu novo longa, "O Segredo dos seus Olhos", indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro e que estreia em São Paulo, Rio, Porto Alegre e Brasília.
"O Segredo de Seus Olhos" é protagonizado por Ricardo Darín, o ator-fetiche de Campanella, que aqui está num registro diferente daquele que o transformou numa presença constante em comédias argentinas.
Como pede seu personagem, o oficial de justiça Espósito, ele tem uma interpretação mais contida e, por isso, repleta de nuances. A maquiagem contribui nas idas e vindas no tempo da narrativa, mas é o trabalho do elenco - que também inclui Soledad Villamil ("Não É Você, Sou Eu") e Guillermo Francella ("Rude e Brega") - que dá a credibilidade à combinação de estilos e à transição entre passado e presente.
Roteirizado por Campanella e pelo escritor Eduardo Sacheri (autor do romance no qual foi inspirado), o filme toca em feridas da história argentina sem nunca fazer destas o seu tema principal, ou sua razão de ser. Um dos tempos da narrativa é em meados dos anos 1970, quando uma moça é encontrada brutalmente assassinada. Apesar de motivações políticas serem mencionadas - "Seria ela uma subversiva?" - elas não são aprofundadas, pois o foco do diretor é outro.
O poder do amor, da obsessão e a sede de vingança são o que move os personagens. Espósito trabalha num tribunal de justiça criminal, chefiado por uma mulher, Irene (Soledad), por quem ele se apaixona platonicamente. O romance deles sobrevive três décadas depois quando, já aposentado, ele ainda visita a amiga - eterno amor - que trabalha no mesmo tribunal, onde passam horas conversando.
No presente, ele escreve um livro de ficção inspirado naquele crime, possivelmente até hoje sem solução - ou pelo menos, com uma resolução frustrada. O passado jamais descansa. Por meio de flashbacks, que entrecortam toda a narrativa, descobre-se que Espósito foi o detetive que solucionou o caso.
O assassino é descoberto, mas logo ganha liberdade, pois se oferece para ser informante da polícia e fazer o trabalho sujo que a ditadura militar necessita.
"Subversivos são mais perigosos do que estupradores e assassinos", comenta uma pessoa ligada à Justiça. Isso incomoda tanto Espósito quanto o marido da vítima (Pablo Rago, de "Apaixonados"), que todos os dias passava por uma estação de ônibus, na esperança de que o assassino, que ele sabia quem era, passasse por ali.
A montagem, também assinada pelo diretor, dialoga com o passado, com a urgência da resolução do crime, e o presente, carregado da melancolia das oportunidades perdidas. Os personagens olham para trás e analisam as suas vidas e constatam que se transformaram naquilo que nunca planejaram ser.
Esse é sem dúvida o filme mais sombrio e mais interessante do diretor que, ao combinar um clima noir com um drama dos romances frustrados, é capaz de prender a atenção por mais de duas horas. Em se tratando da direção, aliás, existem algumas sequências memoráveis. Especialmente uma tensa e longa perseguição num estádio de futebol abarrotado de torcedores numa noite de jogo.
(Por Alysson Oliveira, do Cineweb)
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