CRÔNICA / VIVÊNCIAS
SALVE JORGE
Aparecida Torneros
O jovem compositor e cantor brasileiro estava pela primeira vez em tournê, no Japão. Apresentava-se na boate “Copacabana”, no centro de Tóquio. Era 1972, fevereiro. Embarquei para a terra do sol nascente, com a recomendação da chefia de reportagem da revista “O Cruzeiro”, de mandar boas matérias sobre o carioca Jorge Bem (ele ainda não atendia por Benjor), peguei o avião numa segunda feira de carnaval. Por sorte, eu tinha assistido ao desfile do Salgueiro, na avenida Presidente Vargas, e essa foi a primeira coisa que ele me perguntou. Também era a primeira vez na sua vida que não desfilava pela escola do coração. Seus olhos brilharam quando lhe contei como estivera lindo na passarela do samba, o Acadêmicos do Salgueiro.
A quase menina, repórter estreante, a nível de correspondente internacional, com pouco mais de 20 anos, acabava de ser escalada para a viagem de 26 horas, com paradas em Lima, Los Angeles e Alasca, num valente e pequeno boeing antigo, da saudosa Varig. Esta era eu, a jornalista em início de carreira, rumo ao oriente desconhecido e misterioso, onde ficaria por alguns meses para cobrir assuntos variados e enviar matérias, via tripulação de bordo da companhia aérea brasileira, já que, ainda não tínhamos alcançado a era da internet e a telefonia ainda se completava depois de horas a fio, de espera. Só assim eu podia falar com minha família, aos domingos, em ligação difícil com voz embargada tanto pela emoção quanto pela má qualidade do sinal que acontecia por cabos submarinos, por incrível que possa parecer hoje,
Pois o Jorge, salve ele, lá estava, com todo o gás, acompanhado de um trio, o Mossoró, só mais tarde surgiu a famosa banda do Zé Pretinho. O trio, do qual me lembro com alegria, pois havia o Nereu Escovão, figura especial que me fez rir muito em nossas andanças pela cidade. Lembro de um domingo em que fomos, os cinco, ver os jardins do Palácio do Imperador Hiroíto, cujo cortejo passou e todos abaixaram as cabeças, inclusive nós, já que era proibido olhar para o Imperador.
Estivemos também passeando em templos budistas, e até fomos ver a cerimônia do Chá numa casa de gueixas, onde tivemos que negociar minha entrada, pois mulher não entra, e eu fui a exceção.
Aprendemos a admirar aquela cultura por diversos aspectos, talvez o mais marcante seja a sua hierarquia e o respeito às tradições.
Naquele domingo, eu tinha levado um par de luvas, fazia muito frio, eles não pensaram nisso, então , por acordo, cada um de nós podia ficar cinco minutos com as mão calçadas, e o rodízio foi motivo de mil brincadeiras, correrias, pegas-pegas, de jovens brasileiros perdidos em manhã gelada pelas ruas de uma cidade que ainda não havia se contaminado pela loucura ocidental. Isso aconteceu depois, nos anos 80.
As reportagens saíram em série, por algumas semanas, a revista publicou as impressões que enviei, sobre o quanto era interessante ver os japoneses pulando e acompanhando o samba brasileiro, a nossa música sendo absorvida com emoção por gente de gostos tão diferenciados. Eles pronunciavam “sambá”, com acentuação forte no final da palavra, e um toque risonho do seu espanto pela chegada da cultura brasileira que iria se fixar definitivamente no cenário japonês, ao longo das próximas décadas, através de música, futebol, imigrantes e grande aproximação dos dois países.
Na volta ao Brasil, revi o Jorge algumas vezes, cruzando em aeroportos ou assistindo seus shows, acompanho sua trajetória, ímpar, ele é um artista múltiplo e único, de som especial e inconfundível. Naquele tempo, brindou-me com uma música com o meu nome. Embora não tenha sido um sucesso, “Apareceu a Aparecida”, é,para mim, uma manifestação de carinho de um talentoso ídolo da música brasileira, a quem rendo homenagem, desejando sempre, muito sucesso e saúde. Salve Jorge!
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