Maracanã

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segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Notícias das águas, neste país gigante pela própria natureza.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Notícias das águas, neste país gigante pela própria natureza.

Impossível não se chegar ao fundo da dor compartilhada e humana, deixando-se afundar-se no assento, enquanto se assiste, repetidamente, pela televisão, as notícias das tragédias das águas, na virada do ano, em Angra, no Rio de Janeiro, e em tantos outros lugares onde o verão e suas cheias trazem, sobretudo, a certeza da nossa pequenez diante da natureza imensa.
 
A engenharia nacional se gaba, e com razão, de feitos maravilhosos, pontes desafiantes construídas mundo afora, entretanto, nas encostas molhadas, quando o barro desmorona, tudo rola ladeira abaixo, vidas se perdem na inútil tentativa de explicação racional, para a ocupação desordenada e irresponsável do solo urbano, em cidades grandes ou pequenas, através de edificações permitidas ou clandestinas, num misto de desrespeito e irresponsabilidade compactuados por sociedade e autoridades, quadro este que já nos cansamos de ter na frente dos olhos e de viver nas emoções alteradas.

As tais águas que o Tom cantou lembrando que eram comuns em março, por aqui, no hemisfério sul, na verdade, se fazem presentes no mundo inteiro, em épocas diversas, e principalmente, passaram a surpreender o Planeta, a partir do fenômeno do aquecimento global, das mudanças climáticas inesperadas e ainda imprevisíveis na sua totalidade. Cientistas tentam desvendar mistérios, governos de países poluídores tentam adiar suas ações, cidadãos tentam conviver em espaços cada vez mais restritos em termos de segurança física ou de ares respiráveis. 

Tristes imagens de vidas ceifadas rolando com paus e pedras, pelas barranqueiras, gente inocente indo embora na agonia dos soterramentos, prefeituras com administradores baratinados ao constatar que a omissão é tão culpada quanto a ação, e muitas vezes, vai muito além. Isso porque permite a desordem urbana e a instalação do caos social como é o caso das comunidades que cresceram à mercê de invasões para depois se tornarem reféns do tráfico ou da ilegalidade.  Louvável sempre é e será cada atitude no sentido de pacificar "morros" em guerra, resgatar cidadanias ou elevar qualidade de vida de populações carentes. Mais do que louvável, é emergencial a decisão de mudar o quadro monótono que nos fere alma e coração, com as constatadas e irreversíveis catástrofes de verão.

No Rio de Janeiro, por exemplo, muito se tem avançado, nas comunidades que ora são aquinhoadas com as obras do PAC, Programa de Aceleração do Desenvolvimento, exemplificando Rocinha, Complexo do Alemão, Manguinhos, entre outras, através de remoções de moradores em áreas de risco, construção de moradias em áreas desapropriadas ou abandonadas, instalação de equipamentos sociais e mobiliários, como escolas, postos de saúde, hospitais, teatros, bibliotecas, praças, quadras de esportes. Saudável, sim, mas ainda é muito pouco em termos percentuais para atender aos milhões de criaturas que habitam não só os morros, encostas, mas também baixadas, faixas marginais de rios que transbordam, lugares onde não há infra-estrutura suficiente capaz de abrigar seres humanos com vida digna, segura e respeitada.

Ao mesmo tempo em que vi e li, nos últimos dias, por diversas ocasiões, a sofrida transmissão desse noticiário aterrador, assisti também, no filme Lula, o filho do Brasil, às cenas da enchente em local onde ele e sua família moravam, em São Paulo, quando sua mãe d.Lindu, seus irmãos e ele próprio, ainda bem jovem, fogem como podem, das águas que carregam tantas dores.

Pois nessa tomada , aliás muito bem filmada, a personagem vivida por Gloria Pires, mãe do Presidente, preocupa-se, sobretudo, com o macacão de metalúrgico de seus filhos, que ia se estragar com a enchente, e a peça do vestuário era, na verdade, o melhor representante da cidadania de sua família, com filhos operários, em busca de um lugar ao sol, um lugar mais seguro, bem estruturado, protegido das cheias, com bons alicerces, fincado em terreno propício, assegurado como ideal para viver e progredir.

Somos todos filhos do Brasil, esperamos sim, que nosso solo, mãe gentil, nos permita viver e morar, sem tantos riscos ou tantos desmandos, sem tantas omissões e muito menos sem tantas águas rolando e levando junto com elas nossas alegrias de um verão a mais, um verão que poderia ser menos trágico, talvez mais prazeroso, talvez  menos entregue à força de uma natureza que pode não ser totalmente contida, mas que precisa e dever ser, finalmente, respeitada por quem faz cumprir as leis, neste país gigante pela própria natureza.    
Cida Torneros

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