Estadistas no Brasil: procura-se
Existe, na história do mundo, um vírus que, ao contaminar um homem (ou mulher), dizem por aí, instala no ser, tanto no sangue, como na mente, um suceder de sintomas incontroláveis. Ele é inerente ao condicionamento da vida gregária, do estabelecimento de regras de viver, da organização das sociedades, do desenvolvimento das relações de produção, da gangorra que balança para a escolha dos comandantes que são poucos, para um universo imenso de comandados espalhados pela terra. Os que estão no poder, não o querem perder, dada a sensação de importância que assumem, parece ser muito difícil calçar as sandálias da humildade, para reconhecer erros ou mesmo, admitir que outros podem, eventualmente, dirigir de melhores modos, com outras diretrizes, quer ideológicas ou conceituais, quer pragmáticas ou de resultados mais abrangentes. É uma briga boa. Os homens ou mulheres na política, principalmente a partidária, nos tempos modernos, foram incorporando matizes de grandes atores em palco iluminado por refletores que direcionam seus rostos e gestos, em tons de verdade ou mentira. Nunca se sabe. Difícil identificar suas almas, seus corações, suas essências, através dos discursos inflamados, das respostas à imprensa, dos jogos subliminares de suas atitudes aparentemente estudadas, por centenas de operadores do mercado do marketing da comunicação. O vírus parece comer as entranhas das personalidades que se embrenham em articulações duvidosas, cuja finalidade principal é estar no foco das atenções, muito mais do que resolver os problemas da população que neles deposita confiança e esperança. Triste epidemia essa, visceral na história da humanidade. Não é grande novidade. Sempre acometeu as civilizações, provocou guerras e invasões, desestabilizou povos, dizimou grupos sociais importantes, denegriu criaturas em todos os níveis. Escapar dessa praga, impossível. Adquirir imunidade, talvez. Em certos aspectos, sempre há os que dela se eximem, com galhardia, e com algum sofrimento. O desafio de conviver com a corrupção, com a maldade, a fraqueza humana, além da performance cínica de tantos, faz de alguns líderes especiais, aqueles políticos que podem ser classificados de estadistas, em instantes históricos, em muitas nações. Mas, para se formarem os verdadeiros estadistas, é preciso identificar, antes de mais nada, um misto de maturidade aliada a um grau elevado de despojamento. O homem da política não tem o direito de ser um individualista que busca somente o poder e a glória. Um homem na política deve escolher entre pautar sua vida pública com a limpeza de propósitos e ações ou desviar-se pelos desvãos da ilicitude, do conchavo barato, da mesquinhez de jogadas sórdidas. Diriam alguns que estes podem ser os efeitos colaterais dos remédios para os fins que justificam os meios. Entretanto, na milenar medicina, desde as tribos ancestrais, qualquer curandeiro adverte que há risco em utilizar antídotos de conseqüências imprevisíveis. Quando um governante lança mão de artifícios de cunho paliativo, sem colocar o dedo firme na ferida, ele deve avaliar que o recurso de tamponar a aparente chaga pode ocultar o mal enraizado capaz de levar à morte os ideais que sempre o nortearam. Homem na política costuma passar por crises. E é justamente nelas, que ele encontra grande oportunidade de subir de patamar. Nessas ocasiões, pode se tornar um estadista. Conduzir com maestria e bom senso, o processo de equilibrar forças e interesses, é o que se espera de cada um dos dirigentes do Brasil, nos três poderes da República, nesse momento da nossa história. A democracia brasileira não admitirá retrocessos. E o povo, tão ludibriado, aos poucos, vai acordando, para uma reação, que quando acontecer, será, sem precedentes, apesar dos anestésicos que lhes são impostos, através de peneiras que lhes tapam o sol da conscientização de um processo cruel, onde não lhes dão os direitos básicos de uma educação realmente de qualidade. Nem tudo está perdido. Há movimentos e jovens que se organizam. Há criaturas do bem, ainda bem, para que possamos confiar na formação de novos líderes em que a esperança democrática se reacenda com a tocha da probidade administrativa e do bem comum como um lema inalienável.
Paira nos ares nacionais a chance, mais uma vez, de surgirem verdadeiros políticos com "P" maiúsculo. O povo brasileiro merece e agradece.
Aparecida Torneros é jornalista e professora universitária, trabalha em assessoria de imprensa , no Rio de Janeiro.artigo escrito em 2005, publicado no site do jornal O Estado de São Paulo
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