Maracanã

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sábado, 16 de janeiro de 2010

"Piensa em mi", a canção para terminar seu dia...







"Piensa em mi", a canção para terminar seu dia...

O dia fora daqueles, arrastado, pleno de afazeres, alguns aborrecimentos rotineiros, a vida seguia, Maria vivera tudo o que estava previsto, na pasmaceira do seu cotidiano, de mulher solitária e madura, na cidade grande, driblando o peso das responsabilidades, o gosto amargo das noites maldormidas, a saudade recorrente das ilusões de amores passados que lhe traziam fantasias e suspiros sonhadores.

Lá se foram no ralo do tempo aqueles olhares esvoaçantes de promessas de felicidades eternas. Alcançara, aos trancos e barrancos, com certo despudor, o patamar dos realistas que aprendem a sobreviver com o que é possível, que sabem aliar suas limitações e carências aos saberes e experiências dos que já não pedem quase nada, se contentam com horas emblematicamente amortecidas ou que se apropriam das histórias de filmes e novelas como se fossem as suas.

Maria correu para não perder o metrô que estava prestes a partir, na estação do centro da cidade. Em direção ao seu bairro, mais 15 minutos, no trajeto, ela teve tempo bastante para pensar no sorriso de alguém, que lhe pedira para escrever algo sobre sua pequena história, quer dizer, o conto de um extemporâneo envolvimento dela com um "vizinho" de porta, um solitário como ela, que, repentinamente, a acolhera em seus braços,  nalgumas manhãs ou tardes em que a vida parecia recomeçar para ambos.

Afrase que lhe veio à cabeça para iniciar o texto que pretendia criar,  não foi outra senão "por que pensar em nós,  se ainda nem escrevemos sequer um capítulo da nossa história, na verdade, ainda nem temos uma?"

Entretanto, ao repassar na memória recente, Maria observou que o dia intenso que tivera, tinha um sabor de dever cumprido, premiado com o carinho daquele homem sensual e amigo.

Já em casa, sentou-se à frente do computador, buscou uma canção que traduzisse o sue sentimento naquele momento. Encontrou, para sua surpresa de intuitiva criatura, o bolero famoso e antigo "Piena em mi", um lindo tema, inclusive trilha sonora de um dos filmes do Almodovar. 

Questionou-se pela que a provocação tão intensa naqueles minutos propícios a lembrar do homem que a fazia escrever algo inconsistente ainda, mas , surpreendentemente , sensível e sincero. O texto parecia se encontrar ainda fora do contexto, um atropelo de sentidos, etapas ultrapassadas e ápices atingidos sem rodeios, o que ele queria, ela se perguntou, testar  sua capacidade de viver ou de fantasiar, talvez ele precisasse por à prova seu poder de sedução ou ainda, acrescentar mais um nome à sua lista de mulheres conquistadas. Quanto a isso, Maria sacudiu os ombros, quase inconscientemente, não se importava mais. Já fora o tempo em que se colocava como uma competidora disputando espaço em jogos amorosos. De uns tempos pra cá, ela vivia o que lhe cabia viver, e acolhia carinhosamente cada momento onde era possível ser ela mesma, sem subterfúgios ou uso de máscaras.

Mas de uma coisa ela parecia fugir, sem enfrentar tal compreensão. Não gostava de se olhar no espelho em determinados instantes em que se pegava estranhamente transformada em ser tão selvagem quanto natural.

Percebeu que a mensagem da música era bem mais profunda e forte, trazia o recado necessário, era isso mesmo, ela pensaria nele como aquele que a alertava para a tal mudança que nela se operava certas horas, quando em seus fortuitos encontros, a Maria que dela emergia era quase outra, era uma Maria de expressão inquieta, uma sensualíssima Maria até então quase uma desconhecida na sua vida.

Para terminar seu dia, havia dentro dela uma Maria capaz de cantar para ele, em noites de solidão, com voz embargada e coração emocionado: "Pensa em Mi". 

Cida Torneros
 

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