Maracanã

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sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Três vezes, "eu te amo"...



Três vezes, "eu te amo"...



Cida Torneros ( Rio, 25 de agosto de 2009)

 
Marie trouxe para si o tempo. Desceu a escadaria da casa antiga, correndo, ansiosa para encontrar o carteiro que lhe entregou mais uma carta de amor. Nos últimos dias, de uma forma intensa, ela revivia aquele 1969, quando chegaram muitas, lembrava com emoção, da sua paixão de jovenzinha, o quanto se deliciava com cada palavrinha, até com os pontos de exclamação.

Achava divertido tentar imaginar a expressão do semblante dele, nos instantes em que as criava, as escrevia, dizendo-lhe tantas frases repletas de afeto e entrega.

A distância tinha os dois lados. Tornava-os aflitos pela saudade e ao mesmo tempo, servia para se darem conta do quanto se amavam...

Marie viveu esse amor, através da correspondência, por um período de dois anos, o suficiente para aprofundar-se no espaço onde se eternizam os que valorizam pequenos mimos, o final com um lindo "post scriptum", entrecortado de suspiros, onde se lê "eu te amo", para fechar o ciclo e aconchegar-se o papel ao coração... Só é possível sussurrar " eu te amo também", e seguir aguardando a próxima...

Há que responder, imaginar o que vai contar, reiterar sobre a saudade e perguntar sobre o encontro real, quando já não é possível contentar-se com recados amorosos via correio...

A geração de Marie sempre soube o que era esse tipo de amor. Forte e corajoso, capaz de ultrapassar a distância, pelo menos por algum tempo, e de se alimentar de promessas ou declarações alentadoras.

Passados quarenta anos, eis que Marie corre, não mais pelas escadas velhas, mas, sim, em direção ao personal computer, para ver se na sua caixa postal, há um novo email do amado distante, o que o faz tão presente em sua vida, com lindas confissões de intenso amor.

Há uma vida corrida, ambos se atropelam em afazeres, famílias e trabalhos, mundos diversos, a maturidade que lhes pegou no contrapé, ao se verem assim, reordenando o dia-a-dia, a preparar-se para a aposentadoria, a lidar com a solidão, a sobreviver com pequenos arroubos de amores ocasionais.

Não cabe preencher os textos destes emails com promessas, como fariam naqueles idos anos de mocidade, o que lhes apetece e urge fazer, ela compreende, acata e alimenta, é mostrar-se vivo, amar e dizer que ama, para que a cada novo dia, ele e ela se revigorem na plenitude do tempo.

Então, Marie abre o mais recente email do seu sonhado amor. Está com um título: Urgente!

No corpo do recado eletrônico, somente três palavrinhas, repetidas por três vezes:
"te amo, te amo, te amo, A."...
Ao sentir que lágrimas lhe brotam dos olhos, Marie é a mesma menina que abriu a nova carta do namorado de 19 anos, uma daquelas longas páginas escritas manualmente, delicadas, leves em papel seda, com letra desenhada.
Agora, nem precisava (e nem podia) tocar a tela para acariciar o troféu que viajara dias para vir ao seu encontro trazendo a ternura dele, bastava olhar a luminosidade do monitor e identificar o conteúdo.
O siginificado de tudo estava claro, definitivamente claro, ela soube disso. Dizer três vezes "te amo", é como ficar horas escrevendo uma longa carta de amor, postar no correio, enviar de muito longe e saber que alguém em algum lugar do mundo, espera por aquela demonstração de intenso carinho. Ela então, num delírio quase adolescente imaginou que podia viajar e sequestrar o homem amado. Trazê-lo para si, com audácia, prendê-lo ou amarrá-lo com o objetivo de matar as saudades. Mas isso, pensou, seria tão ridículo, quanto são ridículas para algumas pessoas, as tais cartas de amor quase pré-históricas.

Entretanto, no recente filme Sexy and the city", Marie ficou impressionada com uma cena sobre cartas de amor que a protagonista lê num livro que pega na biblioteca da cidade, especialmente para familiarizar-se com os amores declarados por personagens históricos famosos.

Para Marie, restou imprimir o email, pregar no seu quadro de avisos. A todos que perguntarem sobre a assinatura do bilhete via internet, ela responderá, com a segurança que a vida lhe ensinou a preservar, que o recado está assinado por ninguém menos do que o Amor, este sim, o grande missivista que ilumina os corações dos amantes além da imaginação, fora dos limites geográficos e sobretudo, resistindo à modernidade tecnológica, em desafio à razão, com o fogo renovado eternamente pela emoção...


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