Primavera: o Rio de Setembro
Falo sério. Eu vi sim, senhor! Com estes olhos que a terra há de devorar, como um prêmio de consolação para minha maturidade romântica e nostálgica, durante a semana do feriadão, na serra da Mantiqueira, quando lá me encontrava a caminhar nas primeiras horas da manhã, aproveitando o descanso recheado de fuga da cidade grande. Sim, eu vi e vivi de novo com a companhia da tal senhorita colorida, a me enfeitar a orla e os jardins da cidade turística dos paulistas, reduto dá classe média urbana da maior megalópole latino-americana, inspirando até, diga-se de passagem, seu perfume variado, que adentrou-me as narinas, pasmem, como se fosse um suceder de novos sentimentos. Eu até já tinha me esquecido como era o cheiro verdadeiro das rosas, mas ele estava lá, para gáudio meu e de todos os confrades desejosos de experimentar sensações de paz, aconchego, alegria , durante nossa estada por aquelas bandas larguíssimas de intenso prazer visual.
No Hotel Turiba, por exemplo, o grande jardim, passou a ser alvo de visitação programada, uma vez que margaridinhas de porte mini, se colocaram no meio do gramado, e a perder de vista, era possível voltar no tempo imaginando a cena do filme “Os girassóis da Russia” transplantando para a versão “ As margaridas do Brasil”. Nas residências, por sobre os portões de madeira ou ferro, explodia uma penca constante de flores roxas, em forma de cachos de uvas, o que fez minha amiga companheira de viagem, parar embevecida, buscando ângulos de registro fotográfico, na ânsia de prender sua imagem para que a ela pudéssemos, talvez, recorrer um dia, inebriadas com a sua lembrança cálida, quase chorosa, de flores sem nome, para nós, que as classificamos como novas em nosso acervo de apreciadoras do belo.
É verdadeiro o desabafo do cronista do jornal da capital carioca, que se surpreende com a primavera que ficou para trás, num Rio de Janeiro, transmutado em Riacho de Verão Absoluto. Verdade, inconteste.
Apesar das borboletas azuis insistirem, guerreiras, em surgir ainda no trajeto das Paineiras, como sobreviventes da guerra dos narcos, sei que essa realidade anda escassa por aqui.
Apesar da minha varanda vilaisabelense me presentear com azaléas cor de rosa choque, aquelas famosas da tonalidade que provoca a Rita Lee, cuja muda (da flor, reforço) trouxe um dia, roubada, confessadamente, de um jardim público de Petrópolis.
Quero concordar com o meu companheiro cronista, solidário peregrino de estrada, antes florida, que já não se fazem Primaveras cariocas como antigamente.
Faz-se entretanto, em alguns lugares do Brasil, por ensejo climático ou dedicação da espécie humana da família dos jardineiros, um oásis reconfortante em meio ao deserto de idéias e de atitudes, estas, diria, ultimamente crivadas de balas política e socialmente incorretas.
A Primavera chegou em Campos do Jordão, e lá se encontra à espera dos olhos dos senhores que se dispuserem a comparecer ao lugar onde, também , como prenúncio de esperança renovada, reuniram-se os mais seletos pensadores brasileiros para repensar o Brasil e projetar seus próximos 50 anos. Justo em setembro, estes eméritos trombetistas do apocalipse nacional, tentaram e espero que tenham conseguido, avaliar um país mais feliz.
Não sei o que decidiram. Sei que devem ter sido contaminados por aquela profusão de anjos vegetais da natureza em festa, o que pode lhes ter comprometido a visão de um país que ali, se mostra, nesta época, tão colorido quanto um desfile de escola de samba carioca ou mesmo, tão contemplado de odores estonteantes com se fora uma maratona de provas olfativas em fábrica de essências, talvez paulista, uma vez que há renovação da febre industrial por aqueles lados, dizem as pesquisas.
Espero, sobremodo, que tenham pensado e acrescido na sua carta de intenções, que a Primavera precisa mesmo voltar em desfile apoteótico, ao coração da nação, que, me perdoem os invejosos, bate no compasso do bumbo do samba de raiz nalgum quintal do subúrbio carioca.
Eu vi e contei. Quem viver, verá, sim, tenho certeza, que há grandes possibilidades do replantio das flores em jardins órfãos da nossa cidade, tão logo adotemos todos, como fez Pedro II, o sábio, quando reflorestou a Tijuca, antevendo que no século XXI, sua atitude não só serviria de exemplo patriótico, como também de puxão de orelhas a esse torpor anti-primaveril que nos abate a todos.
Nós seguimos sendo “ Caçadores de andróides florais”. As orquídeas, que descem da serra para se esparramarem no Jardim Botânico, evidentemente, dão o mais significativo recado ao nosso estado de aceitação para a falência dos buquês de rosas, em penca, de mariquinhas pequeninas, saudosas e brincalhonas, capazes de trazer de volta a vida aos enamorados.
“Vê, estão voltando as flores, nessa manhã tão linda, vê, o sol iluminando” nossas idéias. A corrida está só começando. Marketing nela, que ganha fôlego. E vamos fazer campeonato de fachadas na Primavera, como se promove no Natal comercial. A varanda ou jardim mais florido poderá ganhar um prêmio. A rua melhor arborizada e cuidada, quem sabe, pode ir para o Guiness. E a cidade mais sintonizada com a Primavera, vencendo a nostalgia, dando a volta por cima, esta será, para orgulho nacional, recuperando-se da má fama, para sempre, o Rio de Janeiro , ou melhor , o Rio de Setembro.
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