Maracanã

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quarta-feira, 17 de setembro de 2014

mulheres bordadeiras



Colchas de retalhos, bordados e tricôs

A pintura de Pedro Bruno, no salão ministerial do Museu da República, no palácio do Catete, no Rio de janeiro, devora-me o olhar, quando ali estão, diante de mim, as figuras de mulheres bordadeiras, impregnando de estrelas uma enorme bandeira brasileira, espalhada pela sala, com crianças ao redor, em gesto de tecelagem medieval.

Bordadeiras. As que tecem arabescos, estrelas, flores, matizes de sonho nas bainhas e nas toalhas, pequenos desvelos a suscitarem carinhosa medida de aprovação pelo cotidiano.

Começo a me endireitar na postura de mulher com dotes assim. Faço, aprendi menina, tanto o crochet, quanto o tricô. Digo que são terapias. Revelo que são pequenos prazeres lúdicos a me oferecer a calmaria da divagação, e a recompensa da criação colorida.  Reproduzo minha avozinha a cerzir os rasgos das meias dos meninos, apoiando-se num ovo de madeira para os costurar. Imito minha mãe que cria as mais lindas peças de crochet, nas tardes esquecidas no jardim da casa silenciosa. 

No inverno de 98, enquanto decidia sobre a separação do longo casamento, recolhida nos fins de semana , do exílio da minha  varanda de Petrópolis, só saía em busca de lã multicor. Tecia uma colcha que presenteei ao meu irmão e cunhada, quando pronta, como símbolo de cama nunca desfeita, do leito enfeitado de rosáceas intercaladas por nuances em tons amenos, além da propriedade macia e calorosa da fibra aquecedora.

Na toalha laranja, pendurada agora, ao lado da pia do banheiro, um biquinho delicado de crochet, em linha mesclada, vai ofertando alegria a quem enxuga as mãos, e me dá a certeza do toque personalista que imprimo ao produto industrializado, antes frio e impessoal .

Para os bebês que vão chegando, atualmente, os netos das amigas, costumo tricotar sapatinhos para pezinhos doces, gorduchos, inquietos, ligados em verdadeiros motores que os movimentam nos ares, entrecortados por sorrisos e soluços de perpetuação da vida.

Compro linhas, agulhas, alfinetes, estojos que guardam as feminilidades para quando me sobrar mais tempo e puder  bordar talvez a inicial dos grandes amores em lençóis de linho azul. Bordar em crivo. Coisa fina. Gesto paciente. Ponto Paris. Preciso relembrar como se borda esse pontinho lindo para as bainhas que brotam de dedos e não de máquinas.

Vou estocando apetrechos das vovós antigas, que, certamente, me dão a dimensão necessária do quanto é salutar pregar flores e estrelas em algum tecido opaco e dar-lhe luminosidade e alegria.

Depois, quando deduzo que ponto de cruz, vagonite, pintura em seda ou algodão, já não se aprende em escola, corte e costura, nem sei onde é possível reencontrar  e, ainda, aquelas aulas de mulheres que aprendiam as prendas do lar a ser construído.

Bordados, crochets, tricôs, para onde marcharam seus caminhos de centros de mesas? Nas camas e nas mesas, certamente, lá estão vocês. Talvez menos assinados pelas senhoras donas de casa, porém, ainda, obedecendo ao curso de viés em ondas, raciocínios ilógicos de afeição e entrega.

Que ressuscitem os veludos e os cetins, nos enxovais das listas de presentes, nos chás de panelas, nas alcoviteiras meninas que buscam enfeitar um canto qualquer das suas moradas interiores.

"Casa Cor", charme e decoração, mistura de objetos com linhas modernas ao artesanato das formas concebidas pelas mulheres que bordam estrelas na bandeira independente, que aprenderam a empunhar há coisa de um século pra cá.    

Então, retomo o fio da meada e digo pra mim: - Casa e descasa, mas não perde a cor da paixão pela vida, porque, com um retalhinho de nada, você faz  um "fuxico",  vai juntando, costura tudo, mostra a manta, enrola na alma, e, finalmente,  corre pra abraçar de novo o mundo!

                                          
Maria Aparecida Torneros





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