Maracanã

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segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Roberto Carlos - Coisa Bonita

Detalhes

CRÔNICA
DETALHES
Maria Aparecida Torneros
Como profetizou o Rei Roberto, o tempo pode até transformar todo o amor em quase nada, mas um dia , muitos anos depois, você acorda e não é que lembra dele, por um detalhe, um movimento qualquer do dia-a-dia que faz com que sua lembrança volte, de repente, mesmo que o sentimento tenha se escafedido, o cara reaparece por uma frase que alguém disse, ressuscitado pela magia da memória que devolve o encanto por algum milésimo de segundo. E você se pergunta: onde ficou aquela criatura que me despertou a tal paixão avassaladora daqueles dias da minha mocidade?
Aliás, em tempos de tanto botox, tanta cirurgia plástica, tanta academia, haja “curves”, para conter o avanço da velhice sobre a juventude que se torna objeto de cultivo raro… por seu bom humor e inconsequencia, muito mais do que por sua contaminação de beleza, leveza, soltura de gestos, falta de dores musculares, ou coisa que o valha, pensemos, em contrição e com certa compaixão por nossa caminhada em mundo tão visual, onde parece até que ter peitos e coxas, bundas e faces, etc, etc, conservados em formol, daria a chave para abrir as portas do paraíso…
Como não se curvar diante daquele pequeno detalhe que alguém nos legou para florescer, exatamente, 20, 30, 40 anos depois, como se fora um feitiço virando contra o enfeitiçado? Aí, o som daquela voz antiga volta como num filme, o brilho de certo olhar insistente e pedinte ressurge das cinzas, o desenho de uma boca, de um nariz e até o contorno dos dedos dos pés podem oferecer registro póstumo para um amor que já morreu, uma daqueles transformado em “quase nada”, que, como diz a própria canção , o próprio “quase também é mais um detalhe…
Aí, melhor embarcar na sucessão de “quases”, deixar-se levar pela emoção revivida, anunciar ao velho coração que “tá tudo bem”, que pode se permitir reviver, rememorar, talvez o gosto de um velho beijo, quem sabe o calor de um abraço que virou nada, até a sensação da presença de alguém que a vida já levou para o outro lado, e a gargalhada, seu eco, sua marca, suas piadas, a luz da sua passagem em nossas vidas, pode ser de gente que está viva, nos deu momentos sublimes, e saiu por aí, casando e descasando, como todos nós, buscando pares novos para velhos desejos de sermos felizes…
E estar feliz é exatamente isso, é ter boas recordações, viver intensos encontros, continuar na luta em função de armazenar detalhes tão pequenos que um dia, ora, pode ser hoje e agora, nos tornam pessoas grandes, profundas, maduras, agradecidas por termos lembrancinhas de amores passados, pérolas de brilhos rejuvenescidos, tesouros interiores.
São tantass coisinhas miúdas, patrimônio nosso de cada dia, como o “pão nosso”, como o detalhe nosso, aquele que deixamos marcado em gente que nos ama ou já amou, nos recorda, e até nos reaparece numa manhã de terça-feira, como um presente que o correio deixou de entregar, levou anos na prateleira, e lá vem ele, exatamente no instante em que a gente descobre que estar vivo para reviver, é uma chance única, só nos resta agradecer…
Cida Torneros, jornalista e escritora, mora no Rio de Janeiro, onde edita o Blog da Mulher necessária

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quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Rod Stewart-I Wish You Love

No dia dos Amantes...algumas reflexões...‏

Era quase meio dia e a taxista jovem (cerca de 30 anos) veio me pegar. Eu tinha que ir à dentista, uma jovem senhora que por acaso é minha prima e que me cuida há décadas... A motorista foi puxando conversa, quando vi, ou melhor, quando ouvi, ela estava me contando que tem um segundo marido e um filhinho do primeiro casamento.

De repente, me confidenciou que o segundo é bem melhor que o primeiro, mas como todos os homens, tem defeitos...ela emendou, e declarou...- "fomos amantes, primeiro, ele era casado e eu também...resolvemos nos separar dos nossos ex e estamos morando juntos há um ano"...

Pensei e falei: então, estão em lua de mel ainda! Ela riu, enquanto me conduzia por um trânsito pachorrento digno de uma quinta-feira nublada que devia anunciar a primavera...mas se mostrou friorenta e pálida.

A linda e falante condutora considerou que na fase de "amantes", tudo parecia melhor, que ela julgava o atual companheiro antes, se mostrou como um ser independente.

-E agora? perguntei...sua resposta veio direta, firme, contundente e conclusiva...- "Agora, ele virou meu filho...Cuido dele!"

Chegamos ao destino, paguei a corrida, desejei-lhe felicidades, fui para a minha consulta, porém ficou guardada em mim a sensação incômoda de que o Amor dos Amantes pode ser bem mais uma idealização do que uma realidade... deixei pra lá e segui meu dia...

Agora, quando a noite começa a cair, descubro que hoje se comemora o dia dos Amantes...ri, sozinha, por não ter percebido antes o que talvez aquela moça já soubesse, e não me contou sobre a data, o que poderia justificar sobre a necessidade de contar sua tragetória de intimidade afetiva, sua busca por um amor de homem que não virasse mais um bebê dependente, como ela descreveu.

Claro, estou a rememorar os amores de amantes apaixonados, célebres, históricos, na literatura, na música, no cinema. Tento enquadrá-los na vida comum da gente que é assim, simples, direta, resolvida, que sai por aí à espera de encontrar o tal "love" da imaginação cultural, do sonho cinematográfico, da realização além da imaginação.

Vou desfiando histórias minhas próprias, em que sempre identifiquei um ponto de mutação, aquele pontinho nefasto, exatamente o instante em que se olha para o outro ser e se consegue ver que ele não é exatamente como se espera ou se deseja ou se idealiza que seja...

Lembrei que nessas horas, nós , as mulheres, temos bastante jogo de cintura, e nos defendemos, ou, mentindo pra nós mesmas e tentando mais um tempo, num processo de "vamos ver se ele melhora", ou de "quem sabe, ele amadurece e muda".

Identifiquei situações onde eles se fragilizam e se curvam, edipianamente, a uma condição fatal de meninos grandes buscando o colo das mães com quem podem dormir e dividir a cama, sem censura. Pensei que esse acordo tácito ou implícito é o mote constante de milhões de casais do mundo, que convivem ou conviveram driblando suas relações nos seus nevrálgicos altos e baixos, superando crises, num bate e volta, casa-separa, briga e reconcilia, que a muitos, faz bem, a outros, desgasta, e aos que refletem demais, se arriscam a "melar"  a relação...

Quando se pensa demais em coisas tão sentimentais,  é como temperar com sal e pimenta o que deveria ter sabor doce e delicado.

Quando se ama, deve-se  sentir, sentir e sentir... sei que isso não é uma lei, mas deveria...a cada reflexão racionalista e cartesiana, o amor balança nas considerações materialistas, o amor se espreme nas alucinadas instâncias do poder, o amor se perde nos conceitos de estatus social ou de nível de escolaridade, e os amantes se tornam pensantes.

Os grandes e melhores amantes podem parecer aqueles que transgridem, os que enlouquecem, os que põem a lucidez de lado e se jogam de corpos e almas no sentimento apaixonado e irrefreável.

Os amantes eternos morrem de vez em quando. Mas também renascem nos sonhos de muitos outros novos amantes.

Os felizes amantes não se importam com estigmas de se parecerem "filhos", bebês, de se chamarem por apelidos escolhidos na doidice que lhes permite sair do dia-a-dia e brincar de amar.

Apenas, refleti um pouquinho sobre o tal dia dos amantes, que pode ser o dia de pessoas que conservam o dom de oferecer o coração a quem lhes dá em troca, tanto faz, pode ser o coração também, além do corpo...ora, se pode!   

Cida Torneros

Ney Matogrosso - Não Existe Pecado ao Sul do Equador

terça-feira, 20 de setembro de 2011

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

ANJO - ROUPA NOVA

Como homenagem ao Dia Internacional dos Jornalistas 8 de setembro

Como homenagem ao dia internacional dos Jornalistas...Força pra nossa legião de catadores da informação, disseminadores da verdade, observadores do dia-a-dia, admiradores da esperança e unidos do "furo de reportagem", beijos mil às meninas e meninas que correm atrás da notícia no mundo inteiro!!!



Pensar a profissão nas guerras diárias



Por Maria Aparecida Torneros em 30/01/2006 na edição 366



São mais de três décadas nessa vida de se encontrar, diariamente, com o fato, por ser jornalista. Comecei em redações de jornais e revistas, e enveredei pelas assessorias de imprensa de órgãos onde se concentram notícias do dia-a-dia. Em cada um deles, esteja de que lado estiver, me informando ou passando informação, sinto-me sempre personagem do imprevisível.


Não há um dia de jornalista em que tudo esteja certinho, planejado e possa ser cumprido como uma agenda perfeita. Basta refletir sobre ontem, um dia comum de trabalho, uma sexta-feira em que, mais uma vez, fui ao campo de batalha, e não me feri fisicamente (sorte minha), mas minha emoção, repetidamente, se arranhou de brasilidade frustrada.


Miséria que salta

Mala pronta para passar o fim de semana em Búzios, na casa de amigos, saí na sexta em busca do pretenso dia calmo. Pretendia passar na repartição, atualizar trabalho rotineiro, sair mais cedo e ganhar a estrada rumo à paz e ao mar azul. Trabalho na assessoria de imprensa da empresa que cuida de rios e lagoas no Rio de Janeiro.

Enquanto vou, vestida de um branco impecável, meu chefe liga e me chama: "Vem pra cá, na favela de Vigário Geral, já estamos começando a dragagem com a polícia pra ver se achamos os corpos dos rapazes". Oito jovens estão desaparecidos na comunidade desde dezembro, na guerra do tráfico.

Mudo o trajeto do táxi, vou encontrar com o motorista do trabalho na Avenida Brasil. Troco de carro, vamos à luta. Maleta guardada, minha nossa, estou de sandália, e chego ao matagal, por onde tenho que adentrar, via terreno da Marinha, em Parada de Lucas. Ali, troco de novo de carro, uma caminhonete capaz de vencer o terreno impróprio, rota de fuga de bandidos, um campo imenso do outro lado da margem do rio, bem em frente à violenta e paupérrima aglomeração de casinholas de tijolos aparentes, onde vou assistindo à miséria que salta, nos espiando.






Chiqueiro de porcos


Há um pedaço maior a vencer em que o carro não passa. Sigo a pé, cuidado com as cobras e os formigueiros, vou adensando o passo, amassando capins, folhas, me esquivando dos galhos altos, que me batem no rosto, vou ficando suja, o branco da roupa coalhado de pontos pretos, os pés desprotegidos se safando dos percalços, e encontro o chefe, os policiais, os militares da união, a draga, muitas armas pesadas (há o perigo de sermos alvo repentino de uma rajada vinda do outro lado do rio, porque a guerra do tráfico ali é uma das mais violentas do Rio de Janeiro, atualmente).


Sou a única mulher naquele momento, do lado de cá. Os repórteres que vieram estiveram ali cedo, antes de a draga chegar, e se foram para as redações, com imagens e palavras a serem reproduzidos, ainda começo de operação.


Embrenho-me, ouço e respondo a um bando de meninos do outro lado, não há um só com camisa, todos descamisados e descalços, gritando sobre as mortes, que devem ser parte do seu dia-a-dia, aceno sem saber por que, internamente, sentindo-me tão impotente diante do seu futuro. Meu chefe comenta: "Tanto menino se oportunidade, o que vai ser dessa gente?"


O sol está forte, a tarde avança, o trabalho da draga é insano. O lodo é fedorento, o chiqueiro de porcos do outro lado, dizem, é reduto de carne humana esfacelada, comida dos suínos, lenda ou realidade falada por todos, como se fosse uma coisa normal. Ponto de desova, sujeira encruada, miséria humana a olhos vistos, uma população concentrada, duas comunidades em guerra constante, se odiando em função de apoio de facções criminosas conflitantes.






O vôo e o crime


De repente, tiros. Os policiais correm, se posicionam, há um jipe da Marinha com dois soldados (o único veículo que chegou até a beira onde a draga se posicionou), me mandam entrar no jipe e me proteger. Tudo se acalma, foi só um susto, pego carona no jipe. Os galhos entram pela janela-porta, sem vidro, e me roçam, eu me esquivo, brinco com os rapazes, soldados da Marinha, que parece que estamos no Vietnã dos anos 70, eles são tão jovens, sorriem, mas sei que não entendem muito bem minha alusão.

Não satisfeita, falo em guerra civil do Líbano, olhando a comunidade do outro lado, sua sede de vingança local, problemas tão distanciados da vida legal do país, imagina, nem sabem direito como são as leis que os protegem, quem os protege são os chefes das quadrilhas, seus ídolos, seus comandantes de guetos girando dinheiro e sobrevivência em torno do comércio das drogas. Uma repórter de rádio me liga para saber das novidades, brinco com ela que estou literalmente num mato sem cachorros.

Por sobre as nossas cabeças, aeronaves imensas, na rota comum, se preparam a todo instante para o pouso no Tom Jobim, aquele mesmo que cantou as belezas do Rio. Sei que todos os dias essa gente deve olhar para cima, provavelmente imaginando como será lá dentro de um avião bonito daqueles, tão perto das suas vidas, poucos metros acima, e tão distante da sua realidade, em que cada vôo para o amanhã pode representar a fuga da polícia, o envolvimento com o crime.






Brasil desconexo


Saio do front, vou telefonar e passar informações. Até agora, nada de corpos, os trabalhos vão ser interrompidos, ameaça de chuva forte no Rio, no cair da tarde. Estou cansada, suja, ou melhor, imunda, tenho sede e fome, ali não há nada nem para comer ou beber. O chefe volta, encontramos o motorista, vamos escapar do lugar, mas o caminho não é o de casa ou a cidade da Região dos Lagos que sonhei. Vamos para a Barra da Tijuca, temos problemas com a ecobarreira das gigogas – outra guerra que passamos a enfrentar, tal a quantidade de esgoto e lixo na lagoa, e o risco diário de que elas invadam as praias no verão carioca.


A chuva chega. Atravessamos a cidade, no caos, começa a reunião com os engenheiros e técnicos no posto de recolhimento das gigogas. Lá pelas sete da noite, uma alma caridosa providencia sanduíches e guaraná.


Também nesse grupo sou a única representante do sexo que chamam de frágil. Ligo a televisão portátil no carro, no meio do toró, no estacionamento local. Preciso ver as notícias. A noite caiu. Meu estado de abandono físico reflete o compromisso com a informação. Ainda atendo aos retardatários que me perguntam dos fatos, adianto os do dia seguinte. As providências que serão tomadas. Falo da agenda do chefe, a do sábado. Sábado? Minha amiga liga de Búzios: "Você tá chegando?" Só consigo ultrapassar a porta do apartamento lá pelas 10 e meia da noite, depois de vencer, com o motorista, um engarrafamento-monstro, efeito do temporal.

Hora de tomar banho e fazer um lanche. Hora de refletir sobre a escolha profissional. Mas esta eu já fiz, há mais de 30 anos. Num dia em que li a reportagem-depoimento da italiana Oriana Falacci sobre a revolução no México que ela estava cobrindo e onde se acidentou. Previ que também testemunharia muitas guerras no dia-a-dia de um Brasil tão desconexo entre sonho e realidade. Minha sexta-feira foi apenas mais uma dessas batalhas. Agora, já virou notícia velha. Preciso sair em campo e colher novas informações.