Maracanã

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quinta-feira, 30 de junho de 2011

Rodízio de amigas (crônica escrita em 2006, publicada no livro A mulher necessária)

Rodízio de amigas


Fui saindo em disparada, atrasada para o cineminha de começo de noite de domingo, e ao despedir do marido da amiga em cuja casa passei o fim de semana, no Leblon, ele me saiu com essa... rodízio de amigas.....eu sorri, assimilei, e corri para encontrar com a outra companheira que já tinha as entradas compradas, para assistirmos juntas ao "Memórias de uma gueixa".



No caminho, enquanto pedia ao taxista para acelerar no trânsito, eu pensei na tarde quase toda, onde nosso grupo, de cinco amigas, estivemos sentadas no quiosque da praia, bebericando água de coco, passando protetor solar, entre conversas que giraram desde política partidária até cirurgias rejuvenescedoras.


O papo reconfortante, com a leveza própria das mulheres de estágio de vida conquistada, combinando a fuga do carnaval carioca, do grupo, umas irão para Buenos Aires, outras para o Chile, e outra ficará para brincar mais uma vez a folia na cidade. Aliás, que cidade linda, no domingo, ontem, com aquele sol de rachar o cérebro, e aquele mar azul, verde, entremeado de brilho, fulgurando nossos biquinis floridos entre risadas e constatações.

Esticamos no Bracarense, com direito a chope claro e escuro, e a delícia de camarão, que saltitava ao paladar como um prenúncio do almoço, logo em seguida, na casa da amiga Tê, aquela capaz de oferecer aconchego com sorriso próprio da vida vivida transbordante.


Fui chegando ao cine para ver a Gueixa, rever internamente uma reportagem que escrevi nos anos 70, quando , em Tóquio, entrevistei uma gueixa de 54 anos, que me revelou sua vida e segredos ( alguns) desde que se tornara gueixa aos 13 anos, estudando na tal escola delas, exatamente como assisti em seguida, na história que o cinema me proporcionou.


No trecho que antecedeu o início da sessão, pude pensar mais uns minutos sobre a nomeação do marido da amiga a respeito do meu ir-e-vir com tantas amigas que me circundam, cobram presença, me telefonam, me buscam, me enternecem, me preocupam, me solicitam, me acodem, me ouvem os lamentos, me dão alegria , me complementam, me esperam nos cinemas, nas equinas, nos restaurantes, nos telefones, nas casas, para almoços, jantares, festas, dançam comigo nos salões dos clubes, riem comigo nas areias das praias, caminham comigo nos calçadões cariocas, me pegam de carro nos teatros paulistas, me acompanham na noite dos bares boêmios, cantam pra mim, nas casas noturnas da Lapa, declamam pra mim nos dias sombrios, me injetam vida nas veias, a cada alvorecer, me dão a saudade necessária pra valorizar suas presenças, e ainda, me fazem sentir a companhia sensata e lógica em dias de domingo.


São muitas, eu é que agradeço, são variadas, de gênio, perfil, gostos e comportamentos, mas são tão necessárias, são tão presentes, tão importantes, que somam os longos esclarecimentos telefônicos que revelam mistérios pertinentes ao mundo feminino e particular. Há ocasiões em que é preciso estar mais atenta aos seus apelos, críticas, lamentos e cobranças, na tentativa pertinente de não se deixar perder seu encanto nos caminhos. Quando isso acontece, é preciso permitir que se vão ao encontro de novas impressões de viagem. E não há o que lamentar, só há o que agradecer, como num diário de bordo. Registrando tudo, a paz do caminho com elas ao lado, essa sede de viver, compartilhando felicidade, falando do mundo que é de cada uma e é de nós todas, num segundo só.



O marido da amiga tem toda razão, é com num rodízio, mas não se pode abrir mão de nenhuma delas. E se vou degustando a alegria da companhia, vou também crescendo interiormente, por ser assim, capaz de absorver querências variadas, desfrutar carinho tanto, agradecer atenção ofertada em doses múltiplas e ainda, de bandeja, assistir ao Aznavour cantando SHE... que, se eu pudesse, dedicava a cada "ELA", que me acompanha e preza.



Vi o filme da Gueixa como se fosse um sonho de amor. She (Ela), personagem-título, contando sua vida, me fez reviver o conselho daquela que entrevistei, há tanto tempo:

- Seja como nós, ofereça dons, entretenha, cante, encante, anime, proporcione ilusões, fantasias...


Cada amiga, do rodízio, tem qualquer coisa de gueixa, cada uma delas me faz sentir assim, com vontade de dedicar-lhes uma crônica com fundo musical e agradecer por sua presença em minha vida.

Aparecida Torneros


Jornalista - Rio de Janeiro




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