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quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Marcelo Semer no Terra Magazine:Preconceitos contra Marcela Temer revelam face atávica e cruel do País na questão de gênero




Marcelo Semer no Terra Magazine:
Preconceitos contra Marcela Temer revelam face atávica e cruel do País na questão de gênero






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Marcelo Semer


De São Paulo (SP)






Dia primeiro de janeiro de 2011, o país assistiu a cena até então inédita: uma mulher recebendo a faixa de presidente da República e passando em revista as tropas militares.

 
Enquanto o Brasil parava para ouvir o discurso de Dilma, parte dos twitteiros que acompanhavam plugados à cerimônia, se deliciava fazendo comentários irônicos e maldosos sobre a primeira vice-dama, Marcela Temer.






Loira, jovem e ex-miss, a esposa de Michel Temer virou imediatamente um trending topic.


Foi chamada de paquita, diminuída a seus atributos físicos e acusada de dar o golpe do baú no marido poderoso e provecto. Tudo baseado na consolidação de um enorme estereótipo: diante da diferença de idade que supera quatro décadas e uma distância descomunal de poder, influência e cultura, só poderia mesmo haver interesses.






Essa é uma pequena mostra do quanto Dilma deve sofrer para romper as barreiras atávicas do preconceito de gênero, ainda impregnadas na sociedade.






Se não fosse justamente pela superação dos estereótipos, aliás, Dilma jamais teria chegado aonde chegou.






Mulher. Divorciada. Guerrilheira. Ex-prisioneira. Quem diria que seria eleita para ser a chefe das Forças Armadas?


Superar estereótipos é o primeiro passo para romper preconceitos.

 
O exemplo de Lula mostrou, todavia, como sua tarefa não será fácil.




O país aprendeu a conviver com a sapiência de um iletrado retirante, mas os preconceitos regionais e o ódio de classe não se esvaziaram tão facilmente. A avalanche das “mensagens assassinas”, twitteiros implorando por um “atirador de elite” na posse, só comprova o resultado alcançado pelo terrorismo eleitoral.




Dilma sabe dos obstáculos a vencer e é por este motivo que iniciou seu discurso enfatizando o caráter histórico do momento que o país vivia, fazendo-se de exemplo para “que todas as mulheres brasileiras sintam o orgulho e a alegria de ser mulher”.




Em dois discursos recheados de assertivas e recados, não faltou uma lembrança emocionada a seus companheiros de luta contra a ditadura, que tombaram pelo caminho.




Mais tarde, receberia pessoalmente suas ex-colegas de prisão. Não esqueceu das “adversidades mais extremas infligidas a quem teve a ousadia de enfrentar o arbítrio”. Não se arrependeu da luta, justificando-se nas palavras de Guimarães Rosa: a vida sempre nos cobra coragem.

Mas, mulher, adverte Dilma, não é só coragem, é também carinho.




É essa mulher, misto de coragem e carinho, que seu exemplo espera libertar do jugo de uma perene discriminação.




Discriminação que torna desiguais as oportunidades do mercado de trabalho, que funda a ideia de submissão, e que avoluma diariamente vítimas de violência doméstica, encontradas nos registros de agressões corriqueiras e no longo histórico de crimes ditos passionais, movidos na verdade por demonstrações explícitas de poder, orgulho e vaidade masculinas.

Temos um longo caminho pela frente na construção da igualdade de gênero.



Nossos tribunais de justiça são predominantemente masculinos, porque os cargos de juiz foram explícita ou implicitamente interditados às mulheres durante décadas. Houve quem justificasse o fato com as intempéries da menstruação e quem estipulasse que professora era o limite máximo para a vida profissional da mulher.




Nas guerras ou ditaduras, as mulheres além dos suplícios dos derrotados, ainda sofrem com freqüência violências sexuais, que simbolicamente representam a submissão que a vitória militar quer afirmar.




Mulheres são maioria nas visitas semanais de presos. Mas quando elas próprias são encarceradas, as filas nas penitenciárias se esvaziam. Com muito sofrimento e demora, sua luta é para garantir os direitos já conferidos a presos homens.




Sem esquecer as incontáveis mulheres de triplas jornadas, discriminadas pela condição quase servil de dona de casa, que se obrigam a cumular com suas tarefas profissionais e maternas.


Que a posse de Dilma ilumine esse horizonte ainda lúgubre de preconceito, no qual os estereótipos da mulher burra, submissa e instável, predominam na sociedade.


E que, enfim, possamos aprender, com as mulheres, a respeitar sua igualdade e suas diferenças.


Pois, como ensina Boaventura de Sousa Santos, elas, mais do que ninguém podem dizer: “Temos o direito a sermos iguais quando a diferença nos inferioriza. Temos o direito a sermos diferentes quando a igualdade nos descaracteriza”.


Façamos, assim, de 2011, um ano mulher.






*Siga @marcelo_semer no Twitter




Marcelo Semer é Juiz de Direito em São Paulo. Foi presidente da Associação Juízes para a Democracia. Coordenador de “Direitos Humanos: essência do Direito do Trabalho” (LTr) e autor de “Crime Impossível” (Malheiros) e do romance “Certas Canções” (7 Letras). Responsável pelo Blog Sem Juízo.






Fale com Marcelo Semer: marcelo_semer@terra.com.br


(4) Comments Read More Comments


Mariana Soares on 5 janeiro, 2011 at 10:20 # Beleza pura este artigo!


Chega de preconceito! Chega de separação! Vamos andar juntos e construir juntos, homens e mulheres, com muito amor, garra e competência, uma vida melhor para cada um de nós e para todos!


Cida Torneros on 5 janeiro, 2011 at 17:35 #

Este artigo, escrito por um homem , lava a alma feminina acostumada a tantos preconceitos, principalmente nos que tangem beleza, inteligencia, capacidade de comandar algo alem de copa e cozinha, acesso a salarios dignos, exercicio de poder que nao se atrele a seducao, tenha ela o alicerse baseado em malhacao, cosmetologia, estetica, plasticas, etc, ou, ao novo tipo de poder, quase insuportavel para os pauperrimos espirituosos de plantao: a corajosa postura que as mulheres resolvidas assumem, tanto faz, ao exercerem seu papel de esposas, maes, filhas, namoradas, ou de parlamentares, tecnologas, ministras e presidentas, por que nao? Incomoda a um numero enorme de pessoas ( homens e mulheres, indistintamente) saber que a beleza fisica e a competencia profissional podem caminhar juntas, paralelas, e bem mais proximas de uma nova realidade brasileira. Marcela Temer tem o frescor da juventude, nao fez nenhuma declaracao, mas incomodou porque estava no seu legitimo papel de vice-primeira dama, reconhecidamente legal, incontestavelmente indubitavel.



Dilma Roussef, eleita democraticamente, esbanjou pioneirismo, colocando-se diante dos olhos de todos ( machos e femeas) como uma nova comandante-em-chefe nao so de militares e civis, mas tambem de preconceituosos e de atualizados, de homens capazes de respeitar suas proprias companheiras e admirar a caminhada feminina sem tomar atitudes insultuosas, os novos homens, privilegiados sere, com a personalidade formada por influencia de novas mulheres, maes modernas, namoradas de vida independente, esposas gerenciadoras de familias com feicao diferenciada. No Planalto, um matriarcado interessante se estabelece a partir de agora, Dilma , sua mae de 87 anos e sua tia, passam a ocupar a casa presidencial. No desfile em carro aberto, ao seu lado, a filha Paula, promotora, casada, mae do seu neto Gabriel. Mulheres no parlatorio, transmissao da faixa, a ex primeira dama emocionada, Lula cercado de poder feminino ascendente, Temer, compenetrado, e ao lado deste, a imagem da Miss, garantindo que o modelo de esposa e mae continua a ser tao importante em nossa sociedade, e nos da a dimensao multifacetada do quanto a mulher brasileira segue sua luta por reconhecimento apesar dos avancos, ainda ha muito que ultrapassar. Palmas para elas, afinal, os twiteiros que se encantaram com a beleza da esposa do Vice, devem ser os mesmos que tem dificuldade de engolir uma Chefe da Nacao, usando faixa presidencial, saias, perolas, saltos altos e distribuindo beijos. Viva o Brasil feminino! Este sim, encontra-se muito a frente e salva a Patria!! Amada Mae Gentil, Patria amada, Brasil!

Cida Torneros, RJ                                                                                                




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