Maracanã

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terça-feira, 8 de junho de 2010

MARIA DOLORES PRADERA - SUFRIENDO A SOLAS ( para os "sem namorado")



Os sem namorado


Numa sociedade como a nossa, consumista ao extremo, o tal Dia dos Namorados, repleto de chamativas campanhas institucionais de manutenção hollywoodiana, conduz à febre das compras psicologicamente compensadoras e rentáveis para os mercados industriais e de vendas. Elas pensam no que podem ganhar: um perfume com cheiro de flor ou de Paris, uma bolsa de marca, couro legítimo, ou, quem sabe, prova cabal da paixão casamenteira, um anel de diamantes, a ser ofertado em jantar à luz de velas, com degustação de vinho importado. Outras, sabendo que seus namorados, maridos ou amantes engrossam as estatísticas do desemprego, sonham em menor escala, imaginam ser presenteadas com flores ou um lanche regado a "olhos nos olhos", com gosto de refrigerante da rede de fast food. Os internautas trocarão cartões musicais e criativos, animados, de fundo não tão profundo. Coisas de quem tem namorado. Mas, e quem não tem? Bem, há promoções também previstas no bojo do sistema, de se arranjar um ou uma neste dia 12 de junho. Programas de televisão, concursos de rádios, revistas e jornais, tradicionais sorteios nos shoppings, muitas idéias tentam salvar os solitários para a troca de presentinhos no dia tão reverenciado. Resulta que estar sem namorado ou namorada chega a ser um insulto social. Como passar a tal efeméride "desacompanhadinho da silva", alijado de sussurros e expressões de encantamento? Solitários e solitárias, uni-vos! Há que pleitear, junto ao Legislativo, a criação urgente do "Dia dos sem Namorados". Um dia para os que caminham sozinhos, nos shoppings, teatros, cinemas, academias, restaurantes, igrejas, parques, praias, feiras-livres, lugares afins. Um dia para os que cozinham e comem sozinhos em frente à televisão. O "Dia dos Singles” poderia ter promoções nos supermercados, já que os solitários lotam as filas das caixas, com carrinhos abarrotados de individualizados pãezinhos, bifes, cenouras, tomates, uma imensidade de produtos já embalados para um ser único, indivisível. O "Dia dos Frees", livres por natureza conquistada, adquirida ou abortada, seria mesmo um dia especial. Eles pertencem à comunidade de maiores carentes de afeto, abandonados à própria sorte, amargando ou saboreando uma solidão estável. Já é hora de criar o "Dia dos Sós". Há também as pessoas que nunca se casaram, ou não juntaram nada, nem trapinhos, como revelou o surpreendente censo 2000, devemos nos compadecer dos traumatizados, os que já tiveram seus pares, perderam, não recuperaram, cansaram de procurar novos amantes e desistiram de tentar de novo. Os marketeiros de plantão criariam slogans como, por exemplo: "Amor e economia, uma só conta de luz, gás e telefone, unindo duas pessoas inteligentes". Lindo! Manteriam o público informado, através de pesquisas, do que é mais vantajoso, escolher ficar só; bem; ou mal acompanhado. As três opções lotariam os números 0800 com índices medidos diariamente avaliando o perfil dos entrevistados. O Jornal Nacional, apresentado pelo casal Fátima e Willian, exibiria, no dia da eleição final, o que os sozinhos escolheram para suas vidas, repensando o prazer de compartilhar ou não compartilhar as escovas de dentes, eis a questão.


Aparecida Torneros é jornalista e professora universitária de Comunicação Social. Esta crônica, publicada em 2007,  no Jornal A Tarde, Bahia, faz parte  do livro A Mulher Necessária.

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