Maracanã

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segunda-feira, 31 de maio de 2010

Filhos e netos emprestados...


Filhos e netos emprestados...

Deus me livre de esquecer como é ser criança! É coisa que incluo nas minhas solitárias e diárias orações. Porque a energia infantil é soberana, no universo humano, não tem coisa que se compare a ela. Nem sexo de adultos, que me desculpem os adoradores da prática.

Tudo bem que relaxe, atualizando amor e paixão, que revigore ou que dê boa saúde, segundo recomendação do Ministro do setor; mas uma risada que a nossa “criança” interna pode abrir, junto a outras crianças “reais” é como a liga do céu com a terra. Um aderente sonho de leveza espiritual, incomparável elo entre o mundo passageiro e a vida eterna.

É claro que nas horas do encontro amoroso, flui em cada um de nós uma criança que brinca de viver e fazer viver. Isso é evidente. Entretanto, refiro-me àquele prazer inocente de descobrir as cores da asa de uma borboleta ou de imaginar que uma borrachinha possa representar um carro esporte. Fazê-lo vencer uma corrida no sofá da sala que vira autódromo, com direito a comemorações, torcidas, gritos e urros de felicidade verdadeira, pura expressão da alegria de estar no mundo, de perceber mil coisas ao mesmo tempo.

Ao longo da vida, tenho tido chance de “pegar” filhos e netos emprestados, primos e primas que foram nascendo, aumentando a família, sobrinhos que me encantam porque cresceram e hoje seguem a tia, na profissão, mas todos continuam a ser bebês que chegaram para completar ciclos, proporcionar festinhas de aniversário, com direito a muito docinho “brigadeiro” e animação.

Até hoje, como esquecer suas carinhas e vozes, corridinhas, falas e folguedos, em tantas ocasiões? Com certeza, os chorinhos e manhas também entraram para minha lista de recordações. Fazem parte do histórico dessas crianças que me acrescentam energia, que alimentam minha menina interior. Aliás, meu bom humor, creio, tem a ver com a abertura constante que dou para essa infante antiga e magricela que brinca em mim, pulando “corda”, jogando “amarelinha”, jogando “pique-esconde”, comendo massa crua de bolo com dedos e boca suja, nas cozinhas da mãe, das tias, da avó... que delícia era raspar a latinha de leite condensado antes de ser jogada no lixo. Era um prazer para o qual elas me chamavam, acho que gostavam de testemunhar minha felicidade naquele momento solene...

Fui premiada com o meu próprio filho, de sangue e emoção, que segue sendo um menino “trintão”, maduro, porém capaz de me fazer rir muito ainda. Durante sua infância fui aprendendo a lidar com o futuro cientista, convivi sempre com um menino curioso, perguntador, irreverente, voz rouquenha, de riso fácil, que numa noite de ano novo, vendo tantos fogos no céu, perguntou por que não se pregava aquelas luzes todas com band-aid?

Por esses dias, fui lembrando os “filhos” e “filhas” que incorporei. Nas aulas da faculdade, alguns viraram de verdade quase, como a Liliam que por um tempo morou na minha casa. A afilhada e prima, Magdinha, os enteados, filhos do ex-marido, que povoaram de sonhos e baladas, a adolescência deles e “minha” , dos anos 80, e depois seguiram trazendo pra mim, os netos do pai, que por uns instantes, foram meus “netos” também.

Seguindo, a vida me deu e me dá chances de conferir a vocação de ser eterna criança quando estou com eles. Por exemplo, as filhas da minha amiga Elza, Camila e Carina, agora ambas mães de Matheus e Cauã. Convivi com elas bem crianças, iam pra minha casa de Petrópolis, viajávamos para Cabo Frio, dançavam e cantavam em dueto, a vassoura era o microfone. Uma vez, uma delas me telefonou bem cedo, no dia do seu aniversário: - tia, sei que você quer me dar um presente logo mais na festa, né? Então, não diz pra minha mãe que eu te pedi, mas me traz aquele disco da Xuxa, com a música “Boas notícias”, tá? Vou fazer de conta que você adivinhou o que eu queria!

Assim foi feito, e por estes dias, eis-me com os filhos delas, meninos de quase 3 anos, contando histórias no carro da avó durante pequeno trajeto do shopping onde almoçamos até a minha casa. Riram muito. Imitei coelhinho, sapo, abelhinha, zumbi e fiz gestos. Eles se divertiram e ao chegar na minha porta, os olhinhos tristes, o silêncio, a pergunta susssurrada do porquê eu tinha que ir dormir, nossa, fiquei "passada".

Na férias do recente verão, o filho de um amigo, que veio passar um tempo com o pai, apareceu na minha janela, esticou o beiço inferior abrindo-o, disse: olha aqui tia!...confesso que não vi nada, mas ele insistiu...rs..é que eu mordi...mas foi sem querer! Assunto sério, pensei, o Yan queria me dizer que ali estava uma leve e importante marquinha da sua infância, um momento partilhado comigo, naturalmente por simpatia e solidariedade. - Não foi nada, disse eu, já passou...e ele abriu aquele sorriso compensador...perguntando-me logo pelos meus gatinhos que desejava visitar.

Na próxima semana, viajo a Salvador, vou ao batizado, dia 6 de junho, da Ana Beatriz, nascida em outubro, baianinha, filha da Luciana e do Saulo, neta da minha prima Carmen. Precisa dizer que vou pegá-la como netinha emprestada? Já peguei! Não resisto a uma criança e muito menos à possibilidade de vê-la sorrir, aprender a andar e falar, dividir com ela instantes de puro encantamento pela vida que se renova e por um futuro que pode e deve ser de esperança renovada, dentro de cada um de nós, exatamente naquele ponto onde sabemos que há um menino falante ou uma menina sapeca a tornar mágica a passagem pelo mundo...

Cida Torneros

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