Maracanã

Maracanã

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Escolhi o meu "muso" deste verão carioca



Escolhi o meu "muso" deste verão carioca
(crônica escrita em 2007, publicada no livro "A mulher necessária")


Nesse primeiro fim de semana de sol intenso por estas bandas cariocas, me propus a repetir um joguinho adolescente, dos idos das décadas passadas, quando era escolhida a "musa" de cada verão da cidade maravilhosa.

Um frenesi se fazia estampar, com fotos das meninas de biquini, nas revistas semanais como "O Cruzeiro" ( onde comecei minha carreira de repórter) e "Manchete", além dos jornais, bares de praia, clubes de bairro, blocos carnavalescos, envolvimento dos cronistas, todos comentando as curvas ou sorrisos, ou até os mistérios a serem desvendados das candidatas ao lugar de inspiradora oficial da população flutuante dos sonhos dos memoráveis verões do Rio.




Saí, por dois dias, meio largada da vida, fui ao cinema na Barra, jantei por lá, com amigas, atravessei o túnel da prova de fogo de madrugada, de sábado pra domingo, sendo premiada com a paz embaixo da Rocinha, e suas luzes de presépio faiscando qualquer emanação de trégua acordada entre os veranistas e os comandos vermelhos ou azuis, talvez. Passamos na paz.

Dormi no Leblon, para amanhecer na casa de um casal amigo, onde sou reebida com o carinho de gente da família, e me é dada a chance de discutir política já no café da manhã, com aquele responsável sentido de refletir sobre todos os governantes, sem dar razão a nenhum. O exercício do prazer da conversa que prepara os neurônios para tarefa mais séria qual seja a de sair para caminhar na orla que a esta hora já está vivendo o seu momento glorioso de liberação para o reassumido prazer do Rio 40 graus.

Saímos, eu e minha dileta amiga, para alcançar a vista do mar, de uma lindeza estonteantes, o sol nos desafiando utrapassar o fator 30 que um tal protetor bezuntado sobre nossas peles maduras tenta criar barreira de lucidez para aquele calor absurdamente benquisto que nos toma de assalto. Um prazer inenarrável. Nelson Mota passa, comum como todos nós.



É isso, nada mais prazeroso que andarmos pela pista, entre seres andantes, todos, de várias dimensões e direções, invasão de turistas falantes das línguas mais variadas, crianças bicicleteiras, babás cuidadosas, senhores e senhoras cadeirantes, acompanhantes atentos, mulheres de todas as idades e gostos, ninfetas "coisa mais linda, a caminho do mar".




Homens? Claro, eles ali estavam. Passantes. Exibindo músculos trabalhados, alguns, outros, mostrando sem pudor as barrigas-troféus, adquiridas ao longo dos copos. Mesmo assim, criaturas bronzeadas, de riso presumível, penso que os "coroas" se fazem marcantes nesse verão, não deixando a peteca cair, lá estavam eles com sol a pino, jogando vôlei, em intensa exibição de carioquice aguda, para felicidade das senhoras observadoras.



E o fim de semana foi me penetrando com suas horas contadas, sua chance de uma cerveja a beira-mar, sentada na calçada, conversando com uma carioca recém - repatriada de um exílio paulista, por alguns anos, que se gabava de ter voltado definitivamente para morar na sua cidade do coração, porque já estava morrendo de saudades.


Passando pelo Bracarense, ainda com pouca freqüência na hora do almoço, que para mim foi um pecado (que mora bem ao lado na casa da Tê e do Luís), pois empanturrei-me de uma carne assada com gosto que lembrava a temporada da minha saudosa avó, ou seja, deliciosa.


Pausa para a leitura dos jornais. Eleições com disputas caseiras e pouco nobres despontam nos céus brasileiros. Quero esquecer. Na segunda, volto a pensar nisso. Tem coisa mais producente. Por exemplo, o cineminha da tarde na praia de Ipanema, no Laura Alvin: filme suiço sobre a Betânia. D. Canô dando banho de lucidez.


Enquanto assisto , com mais tres amigas, o tal documentário nostálgico e belo, vou retomando minha idéia primeira: preciso eleger, ou melhor, escolher quem será a minha musa ou muso deste verão.




Dali saimos para um sorvete no Ataulfo. Depois, quando cai a noite irremediavelmente, partimos para encontrar outros amigos, na Urca, no bar com música ao vivo do Círculo Militar, onde um dos companheiros de mesa, justamente um militar gaúcho que mora no forte, professor do IME, ali, com a alegria contagiante da mulher e dos filhos jovens, em mesa onde comemoramos os 20 anos do filho de outro casal amigo, ainda encontra espaço para lamentar a tragédia do comandante brasileiro que se foi no Haiti, em morte não desvendada. Ele acaba de perder o verão, um filete de incompreensão passa na minha alma.

Tudo é possível e impossível, penso, introspectiva, depois do terceiro chope, com gosto de verão instalado na alma, levantando meus olhos para o Pão de Açucar, pressentindo que as 23 horas de um domingo calorento, o que me espera agora, é minha cama deliciosa lá na Vila Isabel, para onde devo retornar, encerrando o fim de semana de folguedos e alegrias.




A segunda me pegará de jeito. Trabalho à vista, algum problema com as gigogas, assuntos do meio ambiente pertinentes à minha funçâo diária, e uma semana normal de trabalho que será entremeado com alguns papos de fim de tarde em bares com gente solidária, que sabe aproveitar o verão.


Volto pra casa " erguida, encantada da vida", para me contrapor à canção que faz a catarse da ronda paulista, que aliás, adoro, mas cujo clima nada tem a ver com o meu, agorinha.


Minhas forças estão recompostas. Reabasteci-me de uma energia absurdamente musculosa, para começo de conversa, bem no início de um verão com promessa de felicidade. Com amor que virá, sinto, por intuição.


Em casa, como prova cabal da disposição recompensadora que a estação do astro-rei é capaz de me suscitar, busco uma canção do Vinícius, para me embalar antes que eu me adormeça, que eu me anoiteça, que eu me amadrugue, já que ando me amadurecendo, e não quero endurecer essa moleza que tornou geléia meu músculo cardíaco, batendo em ritimo alucinado.


Hora da contagem de votos.


Senhores, acabo de tornar eleito, por unanimidade de voto único e obrigatório, como meu inspirador desta temporada de calor carioca, ele, sim, ele, o bendito denunciante da emoção que bate dentro de mim, ao iniciar a jornada de prazeres para os meses que se avizinham.

Escolha insensata e passional. O "muso" deste verão do Rio de Janeiro, com todas as honras merecidas, é ele mesmo: meu coração apaixonado pela vida!



Aparecida Torneros

Nenhum comentário: