Maracanã

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quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Cida Torneros: minhas lembranças de Dalva de Oliveira, em 1972






Minhas lembranças de Dalva de Oliveira, em 1972

Em mim, a Dalva entrou cedo demais, através dos discos em 78 rotações que ouvia meus avós e tios tocarem na velha vitrola na casa do subúrbio carioca, lá em Ramos, nos anos 50. Sua voz ecoou por décadas, e foi se restringindo depois, a duas canções inesquecíveis que acompanharam meus carnavais da adolescência, pelas gravações de Máscara Negra e Bandeira Branca.

A figura da mulher amadurecida eu aliei uma impressão pessoal de observar um olhar muito triste, que eu pressentia que talvez um dia a vida me desse oportunidade de desvendar o porquê. Sabia pouco da sua história, conhecia seu filho cantor, de voz magnânima, o Peri Ribeiro, que me encantava nos shows que assisti ao lado da Leni Andrade. Também, impossível não ter ouvido falar do sucesso do seu ex marido, o compositor Herivelto Martins, ressaltando a belíssima Ave Maria no Morro, canção que teve tantas gravações e correu o mundo, representando o Brasil.

O tal dia chegou em 1972, quando eu trabalhava na revista semanal O Cruzeiro, e me mandaram fazer um plantão no Hospital São Lucas, em Copacabana, onde a cantora-estrela Dalva se encontrava internada, agonizante. Devíamos preparar um caderno especial sobre sua vida, e a qualquer momento, quando ela morresse, a publicação ia ser encadernada para o consolo do seu público e para  o faturamento da empresa, como sempre acontece na indústria cultural. 

O tal plantão rendeu dias e noites, revezando-nos, entre os companheiros de redação, e do departamento fotográfico, a quem cabia registrar as fotos dos visitantes, geralmente, na entrada da casa de saúde, no hall onde ficamos acampados, já que não nos era permitido subir ao seu quarto. Muitas vezes vimos seus filhos chegarem e sairem com os olhos cheios de lágrimas, era possível sentir no ar que aquela estrela que se apagava com dores de grande artista, também levava um número incrível de fãs contagiados por seu trabalho de décadas, ao desespero, que pude constatar no seu velório, no teatro João Caetano, na praça Tiratdentes, e ainda, no cemitério, durante seu enterro, que lotou não só o campo santo, como as ruas abarrotadas de pessoas que cantavam Bandeira Branca. 

Foi uma justa homenagem a quem tanto ofereceu de sua alma, coração e vida ao povo brasileiro, principalmente o carioca, pois, no Rio de janeiro, ela brilhou como ouro tanto na vigência do Trio do qual participou por muitos anos, ao lado de Herivelto Martins, abrilhantando os shows ao vivo nas estações de rádio, e ainda, nas noites inesquecíveis do Cassino da Urca.

Eu não a conheci de verdade. Estive ali, bem próxima, sentindo, por tabela, sua dor e a dor dos que a amaram tanto, mas aprendi a sentir o quanto essa criatura foi especial no cenário da história da música popular brasileira. Hoje, fico muito feliz que tenham produzido uma mini série sobre ela e sua vida, pois considero um direito das novas gerações tomarem conhecimento de histórias de artistas grandiosas como Dalva foi.

Ela continua sendo uma verdadeira estrela do céu, do mar, e da vida de um tempo em que oferecer sua arte era como dar-se aos sentimentos mais interiores, misturar alma e coração, estômago e emoção, ao cancioneiro popular, às mazelas de amores felizes e infelizes, aos altos e baixos próprios da vida de qualquer mortal necessitado de amor, compreensão, reverência, perdão e homenagem merecida como esta que ora se apresenta na televisão brasileira.

A estrela Dalva no céu desponta e a lua anda tonta, com tamanho explendor...viva Dalva, viva sua história que merece ser recontada e , sobretudo, reverenciada.

                          Cida Torneros     

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