Os "franciscanos" Lucas e Tobias
Cruzei com eles em Búzios. Um andava descalço, me disse que sua vida anterior fora em Belo Horizonte, antes de abraçar a missão de se dedicar aos pobres. Adotou o nome de Tobias, usa o corte de cabelo igual aos primeiros seguidores de Chico de Assis, o santo católico italiano que desafiou os poderosos, ao defender pessoas abandonadas e animais, há séculos atrás.
O outro, que me perguntou se podia brincar, fazendo uma caretra alegre na foto que tiramos, chama-se Lucas, veio das bandas de São Paulo. Contaram-me que vivem na cidade praiana fluminense, numa casa de acolhida a gente que é recolhida nas ruas de cidades como o Rio de Janeiro, entre outras.
Quando perguntei como são essas criaturas que eles cuidam, sua expressão era de compaixão e amizade. Tobias definiu: "nossos irmãozinhos que vem das ruas, em sua maioria, sofreram muito e alguns precisam lutar contra o vício do álcool. Na casa, temos recebido homens entre 40 e 70 anos e vivemos somente de doações. Aceitamos roupas e alimentos, além de medicamentos, concluiu".
Conversamos sobre outras coisas mundanas, como por exemplo o hábito de andar descalço nas ruas, ou a fuga das suas vidas anteriores, ou ainda sobre o resgate da causa dos degredados, dos excluídos, dos chamados "zeros" à esquerda. Os dois jovens sorriam mansamente enquanto me respondiam. Olhares plácidos, simpáticos, atenciosos, me pediram que indicasse nomes para que incluissem nas suas orações.
Agradeci. Dei alguns nomes. Senti-me pequenina diante da grandeza do seu gesto de enfrentar as agruras do seculo XXI como instrumentos da paz cristã. Seguem à risca a oração famosa do Mestre, consolam onde há desespero e onde há ódio, levam amor aos corações. Imagino que todos os dias devem reforçar suas crenças nos exemplos de Franciso, Antônio e Clara, entre tantos, que fundaram alicerces de dedicação ao próximo na era moderna.
Os filhos de S.Francisco seguiriam a pé. Podiam pegar um ônibus em direção à casa onde vivem e trabalham, mas não levam dinheiro e se precisam de algo, pedem, são pedintes da caridade alheia.
Quando ofereci o dinheiro para que pegassem um transporte, só aceitaram a quantia exata correspondente ao valor das passagens. Mas, como eu não dispunha de dinheiro trocado, e teriam que ficar com o troco, foi mesmo muito difícil convencê-los que eu não queria a sobra. Podiam levar, eu argumentei.
Entretanto, os meigos rapazes foram comigo ao jornaleiro e a um bar na tentativa de trocar a nota de 10 reais. Alegavam que só precisavam tres reais e 60 centavos e que não era certo ficarem com o resto.
Em dado momento, tive a luz. E o pão? Não tinham que comprar pão para os habitantes da casa? Pois que passassem numa padaria e gastassem o restante da quantia em pães para os irmãos. Que retornassem à casa levando aproximadamente seis reais de pão. Era uma doação que eu estaria fazendo, falei.
Lucas e Tobias me beijaram as mãos e o rosto. Foram-se com seu passo lento. Agradeceram. Legaram-me uma profunda lição. Deixaram-me a lembrança da foto do nosso encontro. Muito mais, me exemplificaram sobre a renúncia ao mundo consumista.
Despedimo-nos e segui para encontrar minhas amigas que me esperavam no restaurante. Ao entrar e sentar para almoçar, agradeci o prato de comida, repensei sobre o dinheiro, revi conceitos sobre o amor e a missão que damos às nossas vidas. Alimentei o corpo, embora a alma já tivesse se alimentado de sabedoria e desprendimento.
Aparecida Torneros
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