Maracanã

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sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Ele disse...eu vou te buscar... ela então vestiu azul!


O telefone tinha uma ligação dessas que vão se cortando. Do outro lado, ela ouvia a voz do homem que cuida, há
quase 4 anos, da sua cabeça sempre bem reflexiva, pra não dizer claramente que tem um inconsciente bem travesso, desses que são capazes de fazer ebulição até em gelo da Groenlândia, disso ele sabe, já a conhece quase como a palma da mão.

A paciente argumentour: - Desculpe, mas hoje eu não pude ir, estou muito desanimada, e na próxima semana, vou tentar ir na sessão, ok?

A resposta dele foi enfática. Ele disse: Você disse tentar? Pois saiba que se você não vier, eu vou te buscar!

Era a palavra do profissional preocupado com a mulher que parecia se desligar dos cuidados com sua saúde mental, que estava mesmo desistindo de lutar contra os altos e baixos das suas emoções, e que ia se enclausurando, hibernando dentro de um casulo cujo tecido já não seria mais de uma borboleta que um dia pudesse rompê-lo e voar pelo céu...

Aí, ele a manteve por mais alguns minutos presa ao telefone. Avisou-a que o céu estava mesmo muito lindo naquela manhã de sexta-feira. Um manto de luz sem névoa, um sol de inverno sem nebulosidade, de uma clareza capaz de proporcionar a sensação de se enxergar o infinito com olhos nus. Ele pediu que ele apenas fizesse isso, que olhasse o céu, ao desligar o telefone. Ela prometeu que tentaria...

Na saída ao ar livre, fora de casa então, ela caminhou alguns metros em direção a um ponto qualquer da calçada na rua do bairro em que morava. Parou repentinamente, levantou a cabeça e fixou as retinas no azul celeste, era uma recomendação médica, um antídoto qualquer para alguém que andava se escondendo em escuridão tão pessoal.

Lugar dos pássaros, dos aviões, dos sonhos, dos insetos voadores, os ventos atrevidos, da luz mutante, de sóis e luas alternadas, das estrelas que vinham com as madrugadas, agora, por ser ainda manhã, o azul era claro e brilhante, seus olhos alcançavam um espaço limitado por horizontes de prédios e montanhas, ela postou-se como uma espectadora do tal manto a que o psiquiatra se referira.

Buscou respostas, esvaziou o coração de perguntas porque não encontrou interlocutores, bastava olhar o tal céu azul e esperar o resultado. Este, não veio logo, foram horas de introspecção que se seguiram ao ato solitário de olhar para cima buscando razão para a vida.

Bem mais tarde, enquanto se recostava na almofada de um sofá antigo, fechou os olhos, respirou fundo, e pensou na frase do profissional responsável... "eu vou te buscar", era mesmo a expressão dos que salvam os afogados, aqueles que se atiram e vão buscar quem está em apuros, qualquer que seja o lugar e o momento.

Aí, ela se viu como uma ave ferida, talvez caída de um longo vôo, depois de alvejada por alguma pedra de mau agouro, e a dor do golpe misturou-se à dor da queda. Ainda assim, olhou pro alto, lá estava o céu, onde ela sabia que havia ventos e caminhos, e agora, antes que se recuperasse para voar de novo, alguém vinha buscá-la, em atitude solidária. Voaria outra vez, tinha certeza, bastava dar nova forma às suas asas cansadas, bastava tão somente repousar seu inconsciente, o tal em constante ebulição, ia acalmá-lo, fazê-lo separar amores verdadeiros de brincadeiras adolescentes, precisava encaixar mais leveza em suas histórias e ultrapassar dias sem céu azul, que ficassem no esquecimento os cinzas que porventura tinham descolorido sua vida, algumas vezes...

Agora, era urgente entranhar-se de azul, vestir azul e respirar azul, sem medos, culpas ou qualquer vestígio de ebulição. O tal manto azul mudaria sua sorte...
Cida Torneros

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