Maracanã

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terça-feira, 7 de julho de 2009

A feiticeira e o anjo apaixonado


A Feiticeira e o Anjo
Aparecida Torneros

Há muito tempo atrás, quando as pessoas esperavam da vida recompensas emocionais e materiais muito acima dos limites prováveis, havia uma mulher que vivia reclusa em seu castelo no alto de uma montanha azul. No seu jardim, havia tulipas de todas os matizes que o vento fazia dançar reverenciando a vida.

Em torno da sua figura etérea, formulavam-se lendas que a classificavam de feiticeira capaz de virar o dia em noite e vice-versa. Todos, na aldeia, a temiam e respeitavam. As crianças gostavam de subir as escarpadas pedras para vê-la cuidar do jardim florido que circundava sua casinha de chaminé, de onde vinha um cheiro intenso de eucalipto nas tardes friorentas. Ela não os repelia, entretanto, até os agradava, oferecendo-lhes balas de mel que atirava de longe, uma vez que nenhuma das meninas ou meninos do lugarejo tinha coragem de se aproximar.

Sua figura era de indefinível beleza, cabelos longos com fios brancos e dourados, que lhes caíam sobre as costas meio curvadas, mas, quando sorria, parecia irradiar luz própria.

Algumas vezes, na calada da noite, de seu habitat, a cidade ouvia um canto que vinha em ondas pelo ar, inundando de paz os corações. Quando isso acontecia, os homens brigavam com suas mulheres, defendendo a bruxa, e repetindo que uma voz tão maviosa só podia pertencer a uma fada.

As fêmeas do lugar roíam-se de inveja daquela criatura que enchia de sonhos os ouvidos dos machos sob encantamento estranho. Contavam que ela se tornara uma bruxa desde que um grande amor a havia abandonado, quando ainda quase menina.
Especulava-se de onde viera e nada fora descoberto. A cidadezinha seguia seu curso de anos após anos, acostumada a conviver com a feiticeira da montanha, seu cântico, suas flores e suas balas de mel.

Também, um gato de penetrantes olhos em forma de faróis coloridos, a acompanhava pelos prados, em seus passeios noturnos.

Algumas ocasiões, se bem que muito raras, ela mandava um recado que ia descer para rezar na igrejinha da praça principal. Os supersticiosos, embora entreolhando pelas venezianas das janelas fechadas, escondiam-se com medo dos seus encantamentos.
Diziam até que ela seria capaz de transformar um dos homens no seu amor perdido e rouba-lo pra sempre, levando-o a viver no seu casebre de pedra.

O filho do ferreiro, um jovem que crescera apaixonado pela senhora inatingível, alimentava sonhos de alcançar-lhe o corpo, algum dia e deliciar-se no melado advindo do seu corpo sempre envolto de véus e túnicas de um colorido vibrante. O jovem se preparava, desde a mais tenra infância para tomar a coragem necessária e ir um dia ao encontro da mulher inatingível, tornando-a simplesmente uma fêmea saciada.
Quando esse dia chegou, numa festa de chegada da Primavera, ela o atraiu para si, com os olhos. Por um tempo breve, o fez prisioneiro do seu feitiço afogando-o nos mares da sedução mais intensa.

Viveram os momentos gloriosos do amor profano entre a senhora e o menino. No topo da cordilheira, as noites de paixão emitiam raios fulgurantes, tornando-se um espetáculo luminoso que os aldeões admiraram. Ele se superou em gestos gentis para oferecer àquela mulher todo o prazer da carne. Ela se esmerou em ensinar-lhe sobre as lições da alma.

Estiveram tão próximos que, por alguns instantes, pareceu que estavam resgatando a profecia das almas perdidas em sua sina de reencontro eterno.

Houve o nirvana. Houve a passagem para nova dimensão.

A Vila toda estremeceu com os gritos de prazer da bruxa em estado de cio. Todos ficaram inebriados com os perfumes que recenderam montanha abaixo, impregnando as narinas com promessas de paixão absoluta.

Depois, a quietude do mais profundo silêncio denunciou a viagem.

A Mulher-Fada voou, numa noite de Lua Cheia, para bem longe.

O Jovem transformou-se num Anjo. Dizem que aparece aos corações sofridos, cada vez que um homem, por ali, ousa chorar por seus amores perdidos. E os consola com cânticos saídos de uma doce flauta. Os embala, então, até que adormeçam na plenitude da Paz.

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