Maracanã

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segunda-feira, 11 de maio de 2009

Cida Torneros: rumo à Paris sonhada (uaauuu, publicaram na Bahia!)

Postado em 11-05-2009 00:07
Cida Torneros: rumo à Paris sonhada

A jornalista e escritora carioca Aparecida Torneros decidiu: mesmo com o virus da gripe rondando por lá (por aqui também), ela embarca no Rio de Janeiro com um grupo de amigas, nesta segunda-feira (11) em sua primeira viagem à Europa.”Primeiro Espanha e Portugal. Depois, por seis dias, Paris”, informa a autora de “A Mulher Necessária”. Antes de pegar o avião, Cida Torneros escreveu a crônica a seguir, que compartilha com os leitores do Bahia em Pauta. Na volta, seguramente, muito mais histórias para contar. (VHS).
(no site Bahia em Pauta, editado pelo jornalista e amigo Vitor Hugo Soares)


( Douce France)




Antoine e Marie - roteiro de um filme de amor na França
Aparecida Torneros
Ela chegou apressada no consultório do analista. Deitou-se no divã, esticou bem as pernas, ajeitou as almofadas, e foi avisando que andava muito cansada. O profissional que a conhecia tão bem, observou seus traços tensos, em rosto que, embora amadurecido, trazia sim, ares de menina assustada.

Foi então que Marie falou das suas perdas de velhinhos, pai, tios, agora a doença grave mas controlada da sua mãe, de outro tio, a vida se esvaindo nos corpos das pessoas que ela sempre amou tanto. Na verdade, eles são mesmo a fonte da sua própria vida, ela concluiu chorando. E disse mais, Marie lembrou de momentos da infância, quando essas criaturas a cobriram de mimos e alegrias, recordou a avó espanhola cuja terra vai visitar na próxima viagem. Seus olhinhos então faiscaram. Foi capaz de descrever pedacinhos de chão, nuances das cores do céu galego, e o bendito verde, o tal vede do lugar, que a “avuela” tanto elogiara. O psicólogo chamou de resgate essa necessidade dela de ir lá, na aldeia de onde seu sange se originou, exatamente para render homenagem a uma ancestral imigrante, uma mulher à frente do seu tempo, que veio sozinha para o Brasil no início do século XX.

Cumprindo seu papel, o interlocutor perguntou sobre Paris. Ele sabia que Paris era um sonho que Marie e suas amigas acalentavam há décadas. Finalmente ia conhecer a magia da capital francesa. Então, Marie transformou-se. Um misto de ternura e alvoroço, sim, seus braços movimentaram-se, as risadas surgiram quase do nada, ela tentou definir o que a esperava na cidade-luz. Conseguiu dizer que havia o Antoine, que ele era um presente que Paris ia lhe dar, um amigo novo que lhe mostraria o encantamento do lugar, com ele, ela iria subir a Torre Eiffel, queria até sentir-se no céu de Paris, aconchegada ao carinho dele.

Um homem de verdade? O médico questionou? Desculpou-se pelo teor da pergunta, já que Marie é uma escritora e inventa personagens, podia estar criando mais um e sonhando algo que depois ela tornaria realidade num dos seus livros. Talvez Antoine viesse a ser um herói de um conto de amor, ou o protagonista de um romance misterioso. Uma figura de alguém que Marie estava criando para preencher melhor suas fantasias e voar nas asas da imaginação fértil que sempre tivera. Afinal, o analista pensou, a menina que anda a chorar tantas perdas, precisa por, no lugar destas, uma história bonita, algo bem romântico, com ares e sabores de realização afetiva, tipo conto de fadas com busca de par perfeito, “Marie está derivando suas perdas e salvando sua mente, com um novo ente criado com a função de não deixá-la enlouquecer diante da solidão que a cada dia mais a invade”, foi o que ele pensou, olhando aquela mulher-menina ali, deitada e relatando a história dela e de Antoine.

Vestida com camisa larga e longa, cor bege, pernas torneadas em legging de cotton com estampa em xadrez, tons de marrom, os cabelos soltos espalhados nas almofadas, mãos de unhas pintadas de um vermelho-paixão, o rosto lavado, um colar comprido de onde uma madrepérola em forma de sol pendia brilhando, assim ele a via, uma viajante que lhe contava sobre seus sonhos parisienses.

A sessão devia terminar, mas ela estava no auge da descrição sobre o que esperava dos seus momentos com Antoine, já que este viria de longe, a mais de 500 km de Paris, e , juntos, passariam pelo menos um dia a passear nas ruas e nos cafés da cidade. Ela sabia que voltariam no tempo. Algumas almas de amantes de séculos anteriores os iriam acompanhar, talvez uma legião delas, satisfeitas pela disposição do casal em vivenciar aquele gênero quase ultrapassado de enternecimento e desejo.

Caminhariam de mãos dadas, ela relatou, se abraçariam ao parar em determinados lugares, para olharem juntos a paisagem e seus olhos fixariam nas retinas quadros inesquecíveis pintados por suas memórias, com aura de eternidade. Seriam os pintores da sua obra de arte, uma sequência de imagens em branco e preto, em seguida, evoluiriam para peças coloridas, onde estariam protegidos por roupas dos séculos dos Luizes franceses, e se sentiriam com membros de uma corte irresponsável, insensível ao clamor da gente pobre.

Não, Marie emendou a tempo, ela e Antoine, eram dois camponeses em busca de melhores oportunidades de vida na cidade grande. E ali estavam, para obter o pão, não os brioches, eles eram trabalhadores, fariam de tudo para sobreviver no meio de um mundo tão desigual. Talvez ela pudesse ajudar senhoras a se enfeitarem para seus amados, penteá-las, seria uma boa dama de companhia. Antoine, um bom cocheiro, um condutor de carruagens. E, nos instantes roubados do tempo, eles marcariam encontros fortuitos,em recantos à beira do rio Sena.

Marie e Antoine se beijariam, pela primeira vez, bem no meio de uma linda ponte, com as águas passando sob seus pés, o mundo avançando, e seus olhos fechados, guardando o futuro.

Ao acordarem, ela disse ao analista, veriam que estavam no século XXI, vestiam-se de jeans e jaquetas, calçavam um desses esportivos tênis para caminhada, e, a Paris dos turistas fervia à sua volta. Descobririam que todos tinha tanta pressa, inclusive eles se viram assim também, correndo contra o tempo, precisavam se amar em ritimo alucinante, tudo estava tão programado na vida de ambos, que só seria possível entender que era mesmo um acelerado sonho aquilo tudo.

Daí, que, fechando a sessão de análise, Marie deu um pulo do sofá buscou as sandálias, foi se despedindo e explicando que ela não inventara Antoine, que ele era real, só que ela o esperava há muitos séculos. Acrescentou que todos, na humanidade, aguardam centenas de anos pela realização de seus sonhos mais profundos.

Deu então um beijo no rosto do analista,e, carinhosamente, sussurrou: -Ora, ninguém melhor que você para entender que nosso inconsciente é como uma alma perdida vagando a buscar histórias escondidas, não é? Pois, acabo de achar uma delas, e nem tenho como fugir desse enredo, porque ele é como eu sonhei por toda a vida. Antoine me espera, vou voar para estar junto dele, depois de mil cartas de amor que não chegaram, que se extraviaram em porões de navios piratas, esatmaos na era do computador. Nos encontramos na internet, gravamos nossas conversas, salvamos na pasta de favoritos, trocamos mensagens de carinho, fotos,já nos telefonamos, e agora, já nos sentimos mesmo é nas ruas de Paris, juntinhos, rindo à-toa.

Marie desceu entao as escadas para a saída do prédio, sentiu a mirada do seu analista que acompanhou seus passos, suas costas captaram e seus sentidos decifraram como ele a definiu, internamente:

- ” Uma boa contadora da própria história”

Foi nesse instante, que ele, por acompanhá-la há tantos anos, desejou com sinceridade, que Antoine não a decepcionasse.”Marie merece criar uma história com final feliz”, ele concluiu!

Aparecida Torneros, jornalista e escritora, mora no Rio de Janeiro.

2 comentários:

Gabriela Gomes disse...

Oi, Cida! Que bom que gostou. Obrigada e bem-vinda!

Teu texto me lembrou a música Telhados de Paris. Que delícia! Eu adoro amores possíveis!

Um beijo.

Maria Aparecida Torneros disse...

bom reler minha história