Sempre me emocionei com as várias interpretações da canção american "Cry Me a River", mas alguma coisa nela fazia pouco sentido em mim, era como se chorar um rio inteiro não fosse coisa humana, um feito improvável e impossível, metáfora permitida ao jazz, ao romance, à fantasia dos apaixonados, era como eu encarava seu conteúdo.
Apesar de sentir arrepios com as versões que nos chegaram ao longo de décadas nas vozes de cantores e cantoras maravilhosas, no meu universo sonoro, ficava o espaço vazio para o sentimento pleno do que seria chorar um rio...
Mas agora, quando tenho acompanhado os dados, imagens e histórias sobre a catástrofe da região Serrana do Estado do Rio de Janeiro, um misto de certeza e constatação me inundou como as cheias inundaram os vales, as lágrimas da natureza se misturaram aos prantos humanos, minhas muitas lamúrias, minhas dores compartilhadas, meus parcos estudos e alguma experiência com gestão ambiental, os anos em que trabalhei na SERLA (superintentência de rios e lagoas do RJ), tudo se direcionou para o grande curso caudaloso da fúria que o desespero fez descer das montanhas.
Todos estamos chorando um imenso rio de devastação e de incompetência, entre os corpos vemos que vão deslizando os feitos e construções que os homens consideravam seguros, desrespeitando as leis da geomorfologia, que tentam proteger o ambiente.
Assim, operação de resgate em clima de guerra, uma guerra travada pela força do elemento natural, na sua majestosa grandeza e sapiência, a despeito da ocupação desordenada e flagrantemente devastadora das enconstas e áreas pretensamente inabitáveis, por sua própria condição geográfica, para a qual se fez ouvidos de mercador, fecharam-se os olhos das autoridades competentes, acomodaram-se os legisladores locais, os fiscalizadores dos poderes públicos, coniventes estiveram com o "deixa pra lá" acomodativo e garimpador de votos ou benesses a um povo que desconhece tecnologia ou geografia, mas que pressente e vive sua pobreza e sua condição de habitante das encostas, das áreas de risco, com apego aos seus pequenos pertences, e o amor à vida, à luta pela sobrevivência, imbuído de uma generosidade intensa mesmo nos momentos trágicos que sua história registra.
Bombeiros, voluntários, desalojados, desabrigados, órfãos da catástrofe, equipes de resgate, as forças armadas, os médicos e para médicos, as doações em toneladas, a solidária mão dos irmãos que choram o mesmo rio que escorre engrossado pelas chuvas, carregando tudo o que encontra pela frente. Choramos um rio que transborda emoções represadas, angústias recorrentes, esperanças realimentadas, choramos um rio que requer respeito às suas faixas marginais de proteção, um rio de porte inesperadamente avassalador que carrega construções, automóveis,pontes, destrói avenidas, abre fendas em estradas, desafia o homem que desafiou a natureza sem observar tantos senões e regras que poderiam minimizar ou até evitar tamanho espetáculo digno de filme de terror, daqueles de efeitos tecnicistas típicos do cinema dantesco norte-americano.
Entretanto, o filme é real, a dor é verdadeira, as histórias são concretas, as soluções urgem, os planejamentos precisam ser refeitos, os governos necessitam repensar suas ações, a população deve ser conscientizada, os mortos dignamente enterrados e em sua homenagem, precisamos evitar a repetição sistemática de fatos assim, todos os verões tropicais nas serras brasileiras, nas tais serras que atraem turistas para suas pousadas e seu clima ameno.
Seu desenvolvimento não é e não tem sido rigidamente acompanhado, um pecado de todos, tanto os que comandam, como os que são comandados, porque ao nos omitirmos, também lavamos as mãos e deixamos correr frouxo o que pode eclodir em dilúvio, tragédia, catástrofe, fazendo-nos literalmente chorar um rio de lágrimas, e chorar junto com a natureza, pois ela é que abriu o berreiro, agredida e aviltada, sulcada em sua entranha, desvirtuada em seu desenho nem tão misterioso. Os solos são objeto de estudo de vários profissionais brasileiros, temos tecnologia e dominamos a engenharia de ponta, sabemos que o Brasil tem capacidade para gerenciar sua terra, seus rios, suas montanhas, e por que estamos chorando nosso rio nesses últimos dias?
Volto ao conteúdo da canção, ouço a Mãe Natureza dizer que chora agora porque nós a fizemos chorar... antes... Quando pudermos enxugar as lágrimas da Região Serrana, será a hora de recomeçar um novo tempo, uma frente técnica e política seriamente envolvida com a dignidade humana, muito mais do que com o descaso não mais fechando os olhos para as condições seguras de habitação que o nosso povo merece alcançar, para não chorar tantos rios assim, em águas de janeiro, fevereiro ou março, nunca mais...
Cida Torneros
En
Cry Me a River
Now you say you're lonely
You cry the whole night through
Well, you can cry me a river, cry me a river
I cried a river over you
Now you say you're sorry
For bein' so untrue
Well, you can cry me a river, cry me a river
I cried a river over you
You drove me, nearly drove me out of my head
While you never shed a tear
Remember, I remember all that you said
Told me love was too plebeian
Told me you were through with me and
Now you say you love me
Well, just to prove you do
Come on and cry me a river, cry me a river
I cried a river over you
I cried a river over you
I cried a river over you
I cried a river over you
Cry Me a River (Tradução)
Agora você diz que está solitário
Você chora a noite inteira
Bem, você pode chorar-me um rio, chorar-me um rio
Eu chorei um rio sobre você
Agora você diz que sente muito
Por ter sido tão falso
Bem, você pode chorar-me um rio, chorar-me um rio
Eu chorei um rio sobre você
Você me levou, quase me levou à loucura
E você sequer derramou uma lágrima
Lembre-se, lembre-se de tudo que você disse
Disse-me que o amor era plebeu demais
Disse-me que estava cansado de mim
Agora você diz que me ama
Bem, para provar que sim
Venha e chore-me um rio, chore-me um rio
Eu chorei um rio sobre você
Eu chorei um rio sobre você...
Eu chorei um rio sobre você...
Eu chorei um rio sobre você...
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