Maracanã

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domingo, 30 de maio de 2010

MORTE DE DENNIS HOPPER

Emoção e saudade… A morte de Dennis Hopper refaz, em nossa memória, da geração que tinha 20 anos em 1970, exatamente o clima do seu inesquecível “sem destino”, lembro bem, das sensações que o filme me passou, naquela época… havia o horror da guerra do Vietnam, a fuga das drogas, a tentativa de desestabilizar a corrida desenfreada da industrialização capitalista…era um sonho de toda uma juventude, ele representou isso muito bem, não só nesse filme, mas na própria vida pessoal e por toda sua carreira. Ele  participou  do filme que o meu pai dizia ser o melhor que viu em seus 85 anos de vida: assim caminha a humanidade.
Que descanse em paz, e que sua arte nos faça reviver sempre que um dia acreditamos que era possível mudar tudo ou parte de tudo… Reproduzo artigoa abaixo, do jornalista Celso Lungaretti , que define muito bem quem foi esse homem do nosso tempo.

Cida Torneros



UMA PONTE ENTRE OS REBELDES DOS



ANOS 50 E OS CONTESTADORES DOS '60

Celso Lungaretti (*)

Dennis Hopper poderia ter sido um artista maior, se levasse mais a sério sua carreira e o próprio cinema.


Mas, preferiu aceitar praticamente todos os projetos que lhe ofereceram, os poucos ótimos, a infinidade de medianos e até alguns péssimos.


Isto confundirá ainda mais os críticos, já habitualmente confusos. Não esperem deles necrológios perspicazes...

Depois de trabalhar num e noutro seriado de TV, Hopper estreou no cinema como coadjuvante no clássico Juventude Transviada (dirigido por Nicholas Ray, 1955), filme cujo título original acabou sendo mundialmente adotado para designar aqueles jovens que não suportavam o american way of life mas ainda eram incapazes de oferecer-lhe alternativa: os rebeldes sem causa, com suas jaquetas de couro, correntes e motocicletas.

Novamente trabalhou ao lado de James Dean em Assim Caminha a Humanidade (d. George Stevens), filmado em 1955 e lançado em 1956.

James Dean e Marlon Brando (O Selvagem) foram os símbolos máximos dessa primeira geração de revoltados do pós-guerra.


O fato é que, depois das privações, do sofrimento e do morticínio, não sobreveio a paz sonhada. Pelo contrário, começou a guerra fria, a bomba atômica passou a inspirar pesadelos e paranóias, os Estados Unidos mostraram sua pior face na caça às bruxas desencadeada por McCarthy e Nixon.


O imenso desencanto foi o pano-de-fundo sobre o qual se projetaram o nascente rock'n roll e as escuderias de motoqueiros.


James Dean, entretanto, saiu da vida cedo demais, vitimado por um acidente automobilístico aos 24 anos. E, mais do que entrar na História, virou lenda: aquele que não se deixou domesticar, morrendo rebelde.


"Prefiro morrer antes de envelhecer", proclamou Pete Townshend. Mas quem fez isto foi James Dean, em setembro de 1955.

Como se tivesse herdado o pathos de James Dean, Dennis Hopper lançou uma ponte entre os revoltados de duas décadas, ao realizar o filme-manifesto Sem Destino (1969).


Além de dirigir, ele foi co-autor do roteiro, ao lado de Peter Fonda. E os dois ficaram também com os papéis principais, como hippies que querem seguir os passos de Wyatt Earp e Billy the Kid, saindo com suas imponentes Harley-Davidson (as motos como referência que remete à geração anterior...) para descobrir os verdadeiros EUA.

Só que, ao enfurnarem-se pelos estados mais atrasados, acabam se chocando com a boçalidade, o preconceito e a truculência: são gratuitamente assassinados pelos jecas.


Juntamente com o registro cinematográfico do festival de Woodstock, foi Sem Destino que apresentou ao mundo a cultura paz & amor dos hippies, bem como as novas formas de contestação que surgiam com força total e acabaram por tirar os EUA do Vietnã.


Catapultado instantaneamente para a fama, Hopper ficou tão identificado com o personagem Billy que praticamente o repetiu como o assaltante que tenta regenerar-se em Kid Blue Não Nasceu para a Forca (d. James Frawley, 1973) e como o fotógrafo pirado de Apocalypse Now (d. Francis Ford Coppola, 1979).
Para não falar do pai da lenda viva em O Selvagem da Motocicleta (d. Francis Ford Coppola, 1983), um Billy que envelheceu e foi buscar consolo na garrafa, mas manteve uma percepção aguda das coisas.


E do fruto tardio da safra de filmes contestadores que Hopper dirigiu, além de colaborar no roteiro: Out of the Blue (1980).

Mais emblemática, entretanto, foi sua participação em O Amigo Americano (1977), a obra-prima de Wim Wenders. O Tom Ripley que Hopper compôs é exatamente o pós-hippie, o cowboy angustiado da cidade desumanizada, à procura de motivos para continuar vivendo, nem que seja uma complicada forma de vingar uma pequena ofensa.


É este o seu papel magnífico, inesquecível, e não o de Frank Booth em Veludo Azul (1986), contaminado pela artificialidade intrínseca de David Lynch.


O pior é que, daí em diante, os estúdios arquivaram a imagem de hippie, substituindo-a pela de vilão: ele passou a ser cada vez mais requisitado, para fazer cara de mau em filmes piores ainda do que Blue Velvet...


Foi quando ele parece ter-se curvado à evidência dos fatos, passando a fornecer a intepretação convencional que mantinha a engrenagem funcionando e o dinheiro entrando.

Deve ter chegado à mesma conclusão como diretor, depois de realizar a obra-prima não reconhecida As Cores da Violência (1988), que detectou no nascedouro, com olhar crítico, a subcultura das drogas pesadas, do rap e dos grafites.

Entre filmes de cinema e tralha para TV, há mais de 200 títulos listados em seus 56 anos de trajetória (incluindo aqueles em que ele só contribuiu com a voz).

E pena que a morte física tenha chegado duas décadas depois da morte artística. [Se for a última imagem que ficar, coitado!]

É que, no meio de tanto calhau, as pessoas tenham dificuldade para encontrar as pedras preciosas. Que, indiscutivelmente, existem.
Daí este meu pequeno esforço para destacar aquilo pelo que Dennis Hopper deve ser respeitado e lembrado.
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* Jornalista e escritor, mantém os blogues


http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/


http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/



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