aqui tem música, poesia, reflexões, homenagens, lembranças, imagens, saudades, paixões, palavras,muitas palavras, e entre elas, tem cada um de vocês, junto comigo... Cida Torneros
quinta-feira, 30 de dezembro de 2010
Amor: guerra ou jogo? Seriam as mulheres grandes perdedoras ou ardilosas vencedoras?( de maio de 2010)
Amor: guerra ou jogo? Seriam as mulheres grandes perdedoras ou ardilosas vencedoras?
Estávamos sentados no Caravelas. Almoçando.A senhora escritora ( eu), os editores Tomaz e Bárbara, e o jovem poeta, Bruno Graciano, que acabava de lançar na semana anterior, na Bienal de Minas Gerais, seu primeiro livro. Na sua camiseta uma palavra cintilante: sucesso! pensei... o mesmo sucesso que um jogador busca no jogo da vida, o sonho do vencedor, ou seria a vitória do guerreiro?
Durante a conversa, entremeada de brincadeiras, falou-se sobre o meu novo livro, de contos, cujo título "O contra-ataque do amor", remete à idéia do quanto o tal sentimento humano, animal, Tao selvagem e tão natural pode se transformar, em nossa cultura, num intrincado jogo ou numa guerra incessante que vai oferecendo combates ou esfacelando vítimas abatidas, o papo foi se diluindo em reticências... cada um tem suas próprias histórias de amor ou suas experiências que buscam redefinir sentimentos muitas vezes indecifráveis.
Falamos do papel da literatura, a tal vida que imita a arte e do quanto a vida pode ser muito mais surreal do que a imaginação dos escritores.
Lembrou-se dos contos bizarros, das desculpas de assassinos para fugirem da condenação, das mentiras de amantes traidores, das ilusões de quem acredita ou deseja ser amado como se fosse um ícone obsessivamente adorado, das doenças emocionais, das atitudes passionais, e no inconsciente coletivo, a tal premissa, do "matar ou morrer", salvar-se , em atitude de legítima defesa.
Os indefesos da paixão, quem seriam? os jogadores que já entram em campo para perder o jogo? aqueles que se sentem inferiores ao tentar alcançar objetivos ou os que desistem de tanto buscar parceiros pelo caminho e preferem viver de passado ou de saudades?
Era preciso pensar na capa do livro. Falei do meu amigo português, o Telmo Gabriel, que sugeriu uma cama onde houvesse um tabuleiro de xadrez e peças com cabeças femininas e masculinas a disputarem o xeque-mate.
A idéia é boa. Vamos desenvolver, em poucos dias, talvez dez, porque a Bienal em Sampa, acontece em agosto, e o lançamento do livro, acertamos ontem, será no dia 14, um sábado, no stand da Editora Usina das Letras.
Despedi-me do grupo, rumo a caminhos interiores que me envolvem em verdadeiros labirintos. Pus-me a pensar nas batalhas que já travei e ainda travo em nome do amor. Confesso que muitas vezes me sinto cansada. Mas luto, porque, segundo meus companheiros de juventude, aliás inesquecíveis idealistas de esquerda, "a luta continua".
E, por uma questão de literatura, de escrita, de viver a vida, cá estou, nesta manhã de um sábado outonal, sentindo na pele e na alma, um imenso desejo de amar com maturidade, se isso ainda for possível.
Ontem, antes do tal almoço, na minha visita semanal ao Arruda, meu terapeuta, refletimos sobre o papel dos homens imaturos na passagem pela vida de mulheres que, como eu, vão amadurecendo, vão se desiludindo, vão asssentando mais os pés no chão, vão, para desencanto dos poetas, endurecendo, emburrecendo, esquecendo os sonhos, vão desviando do coração e do corpo, sentidos antes tão fortes. Mas como diria Che : "hay que endurecer, pero sin perder la ternura, jamás".
Lembrei das tais "tias" solteironas, pensei nas "viúvas" eternas, questionei as "solitárias" convictas, duvidei das "abandonadas" melancólicas , estranhei as "ditadoras" sádicas, interroguei as "poderosas" comandantes, penalizei-me das " enganadas" sabedoras, arrepiei-me pelas "assassinadas" indefesas, estremeci com as "injustiçadas" apedrejadas..."sofri" pelas mulheres "perdedoras" na guerra ou no jogo do amor...
Mas, num momento de lucidez necessária, vibrei com e pelas mulheres que contra-atacam. As que dão a volta, aquelas que amadurecem e vencem as partidas. As que não se deixam partir interiormente, que vão rejuntando cacos. Que sabem colar pedacinhos com a goma da esperança. São as que movem o mundo, criam filhos, sobrevivem, ainda se enfeitam, dançam, fazem comidas gostosas, deixam brilhar os olhinhos olhando a lua no céu, sentem as batidas fortes dos seus corações fatigados, mas permanecem na fé.
A fé é tudo, no jogo, na guerra, na vida, é tão feminina, a tal fé. Faz crer em dias melhores, em noites mágicas, em paixões possíveis, em amores premiados, em pessoas que virão aos nossos braços, que nos darão um ombro pra acalmar nossos medos e um colo para apaziguar nossos anseios.
Aí, recordei mulheres tão ardilosas que sabem vencer no jogo da vida, porque aprenderam a crer em si mesmas, aceitaram seu papel no mundo, fingem ser manipuladas, praparam inteligentes estratégias, levantam, sacodem a poeira e dão a volta por cima. Na próxima esquina, quem sabe lhes aguarda um troféu ou um pódium?
Talvez nem vençam a corrida, ou nem consigam o título maior, mas terão, sem dúvida, para sempre, o gosto honrado de terem sido bravas jogadoras e corajosas guerreiras. O segredo deve estar no seu talento em contra-atacar, mas eu não tenho certeza disso, e quem garante que venha a ter?
Cida Torneros
¡ BELLA ITALIA !em 2011, vou realizar um sonho e conhecer Italia!!!
Em maio eu e minha amiga Katia ja marcamos nossa viagem a Italia.
Milano, Venezia, Firenze e Roma!!!
Um sonho a ser realizado...
Cida Torneros
Escapada em Mauá, para exorcisar 2010!
Entre 26 e 30 de dezembro, escapei do borburinho da cidade grande e me isolei, mais uma vez, na serra, em Visconde Mauá. No hotel da d.Maria, o Pousada Águas Claras, na Maromba, desfrutei de dias chuvosos, mas extremamente aconchegantes. Subi a pé até a cachoeira do escorrega, que fica a 1434 m acima do nível do mar. Exorcisei fantasmas de 2010, busquei a paz, fiz novos amigos, estudei francês, caminhei solitária entre pedras e riachos, embebi-me de verde, respirei ar de intenso oxigênio, pilotei a moto da Ealine, brinquei de vida feliz, prometi mandar livros para a biblioteca da Rosane, aquela que ensina as crianças na escola da igreja, abracei algumas árvores, conversei com muitos pássaros e borboletas, econtrei paz, revi conceitos, libertei-me de amores sem futuro e joguei fora amores do passado. Voltei para romper o ano novo no Rio de Janeiro. Deixei lá na serra, bem no alto dela, aqueles poucos deveres não cumpridos, as pequeninas culpas, os sentidos incompletos das esperanças não concretizadas, mas fiz mais...
Deixei pra trás, descendo misturados às águas do Rio Preto, ainda bem, muitos perdões pedidos, recebidos, prometidos, etc...etc
Estou refeita e pronta para receber 2011!!!
Que ele chegue feliz para nós todos!!
Cida Torneros
sexta-feira, 24 de dezembro de 2010
Mais uma vez, chegou o Natal!
Sessão das 20 horas. O cinema do shopping estava praticamente vazio. Era dia 22 de dezembro, comigo, devia ter umas dez pessoas somente na sala de exibição do filme "Aparecida, o milagre", enquanto bem pertinho, ali fora, uma febre consumista esbanjava correria, anestesia geral que leva as criaturas a uma loucura coletiva enquanto compra seus presentes, as costumeiras lembranças de Natal, um comércio movido a giro de capital, conduzido com certa religiosidade orquestrada, nos finais de todos os anos.
Ando em fase de repensar o modelo de vida que levamos. Desde 2005, quando fiz o MBA em Gestão Ambiental, iniciei um processo interior que me induz a questionar o quanto gastamos de energia retirando do Planeta Terra muito mais do que este paraíso pequenino perdido num universo imenso é capaz de oferecer ou ter condições de suportar em termos de sustentabilidade.
Decidi não fazer nenhuma "comprinha", entrei no cinema, fui ver o trabalho brasileiro que conta um conto de fé, dirigido pela talentosa Tisuka Yamasaki, e , em seu papel principal, vejo o ator Murilo Rosa, que apresenta emocionante interpretação do homem que havia perdido a crença quando ainda era um menino.
Não sei o quanto o roteiro do filme é baseada em algum fato real, ou melhor, como me chamo Aparecida, sei e sinto, na pele, o nível de carinho que o povo brasileiro transmite em relação à Santa Padroeira, e o alcance das promessas pagas no Santuário Nacional de Aparecida, pelos devotos que recebem suas graças, caminham em suas vidas apoiados pela unção de uma história de amor, de esperança, de conforto interior, de agradecimento, de irmandade, de energia forte e positiva.
Consigo abstrair diante da tela o essencial que preciso para ultrapassar as felizes festas, o volume de emoção para distribuir e receber abraços, trocar bons votos, ofertar bons fluidos, receber carinhosas manifestações de sinceros desejos de paz e amor.
Saio do cinema e caminho até minha casa, debaixo de um chuvisco frio que me atenua o calor intenso, me revigora a alma, me proporciona a calmaria necessária para voltar às ruas apinhadas enfrentando o borburinho que passa por mim, pessoas e sacolas, trânsito aflito, luzes piscando na noite que antecede as vésperas do Natal.
Acabei de assistir a um filme que representa exatamente a saga de um povo que acredita em dias melhores, que promete boas ações em troca de saúde, paz, conquistas profissionais, materiais e espirituais. Sigo lembrando as vezes em que já visitei o santuário de Aparecida, na maioria das vezes acompanhando meu saudoso pai, e testemunhando momentos de confiança na divindade, dos quais eu partilho humildemente e reverencio a importância da crença e da fé para suportar a caminhada dos peregrinos neste mundo.
Chegou o Natal, mais uma vez, com sua parcela de reflexões espiritualizadas, que, no mundo ocidental e capitalista, se transmuta em cifrões e toma ares de valores presenteáveis, mas ainda consegue estabelecer nas almas e corações o cerne da doação, da dádiva emocional. É o encontro profundo entre seres sedentos de milagres, caminhantes da estrada que nos conduz a uma Noite Feliz, quando os sinos batem, festejando o nascimento do Menino Deus, em suma, é tempo de nos repensarmos, nossas mazelas pessoais, os ideais de vida, a convivência com nossos pares, familiares, amigos, vizinhos, nossas viagens pelos atalhos da saudade de muitos outros Natais, as lembranças de momentos marcantes das trajetórias individuais, os olhares e sorrisos que nos tornaram melhores, as palavras que nos ensinaram a reler e rever conceitos de bondade ou maldade.
Milagres acontecem, nascer é um estranho e maravilhoso milagre, viver é a sequencia milagrosa de acasos, crer é instância poderosa que nos ajuda nos embates em nossas vidinhas de consumistas de shoppings, compradores e distribuidores de presentesl, passantes em ruas repletas de sorrisos que se espalham misturando-se a um sem número de auras anjelicais.
Ilusões, sonhos, crianças ansiosas pela chegada do Papai Noel, velhinhos agradecidos pela mensagem do Menino Deus, as reportagens traçando detalhes dos movimentos natalinos em cidades como Nova York, Paris, Londres, o frio das nevascas enfeitando o Natal Branco do hemisfério norte, a neve artificial ornando Gramado, as rodoviárias apinhadas com milhares de pessoas a caminho de seus merecidos abraços em familiares e amigos.
Cá estamos nós, mais uma vez, a vivenciar o espírito de Natal, enquanto a padroeira Senhora Mãe de Jesus busca um lugar em Belém, para dar a luz a um menino que nasce num estábulo, pobremente, trazendo com ele o dom de ser divino e humano, espírito capaz de ultrapassar mais de 2000 anos com seu aniversário comemorado entre a febre do consumo e a reflexão sobre o Amor. Cantem os anjos mais uma vez: Glória a Deus nas alturas e Paz na Terra aos homens de boa vontade!
Cida Torneros
quinta-feira, 23 de dezembro de 2010
quarta-feira, 22 de dezembro de 2010
terça-feira, 21 de dezembro de 2010
Quem não traz seus Natais dentro do peito ?
Quem não traz seus Natais dentro do peito ?
Cida Torneros
Quando o Natal chega, todos os anos, não há como evitar, ela lembra de muitos Natais da sua vida. Recorda-se do carrinho azul que viu seu irmão brincar há mais de oito décadas, em manhã de um dezembro distante no tempo, mas tão presente na memória e aí, ela sorri.Naquele tempo, eles moravam numa casa grande, com quintal arborizado, no subúrbio que marcou sua infância feliz. Como eram bons aqueles Natais, de folguedos e birnquedos, família e vizinhos, amigos e simpatícos agregados, trocando abraços, sorrisos e pratos saborosos.Saudade das rabanadas da portuguesa Filomena, dos bolinhos de bacalhau feitos carinhosamente pela vó Luzia, e como era delicioso o frango com lentilhas que a mãe Maria preparava. Vinham em ondas aquelas imagens de pessoas e lugares, evoluindo para a sua adolescência, seus primeiros amores e finalmente, abrindo o baú, nas tardes lentas da velhice, pegava as fotos amareladas do seu casamento com Joaquim e dos seus filhos meninos, Luizinho e Bentinho.Agora, morando num asilo para velhice, Anita se desmancha em sentimentos de saudade, justamente nessa época natalina. Sabe que a sensibilidade lhe aflora ao peito, faz dela uma criatura mole que nem manteiga derretida, a pensar no tempo que correu célere e no quanto foi possível aproveitar a vida, lutar pela criação dos filhos, tê-los visto se formarem, ter segurado nos braços netos que também tinham crescido.A doce Anita de oitenta e tantos anos, ali, naquela casa de repouso e senilidade, traz dentro de si, muitos Natais presos no peito, e, quando as atendentes chamam para a ceia da noite Santa, busca enfeitar-se com seu melhor vestido, o azul royal, de golinha rendada e branca, para juntar-se à sua nova família, senhoras e senhores que dividem com ela, seus momentos de lazer e de oração, refeições frugazes e a certeza do dever curmprido.Conclama a todos que rezem agradecendo aquela comida especial e tão bem cuidada, sorri em reverência a cada amigo ou amiga que lhe cumprimenta. Repete um 'Feliz Natal' que imagina seja o mesmo que seus filhos e netos estejam desejando aos amigos e amigas neste momento em algum lugar, apesar de não receber há muito sua visita, mas lhe mandaram presentes, como chinelos, sabonetes e colônias. Um motorista veio trazer uns dias antes.Explicou que todos tinham viagem marcada e que telefonariam, se pudessem, no dia de Natal, para ela.Anita pensa que já tem um bisneto que nunca viu, ele deve ter uns cinco anos, ela reflete.Tudo bem, Anita pensa: - Deixai-os viver Senhor Jesus, e protejei-os, meu Pai do Céu. Meus filhos ainda são meninos para mim, apesar de cinquentões. E meus netos, já na casa dos trinta, têm muitas responsabilidades, filhos e trabalho, tenho que entender sua falta de tempo e só quero que todos estejam felizes, nesta Noite, como eu estou, aqui, tão bem cuidada.Repentinamente, como se fosse um Anjinho de Natal eis que surge no salão de refeições do asilo, um menino risonho, correndo, que dispara na direção da vovó Anita, para abraçá-la, o que faz com que todos interrompam o jantar e observem a cena- Quem é você, lindo pequerrucho? Anita indaga, extendendo as mãos e acolhendo o infante arfante.- Vc é minha vó Anita, eu vi no retrato que a meu vô Bento me mostrou. Eu pergunto a ele todo dia onde vc mora. E hoje, que é Natal, pedi a ele que queria ver a minha vó Anita... Tô aqui, na sua casa, né? vim passar o Natal com vc, né? vc quer esperar o Papai Noel comigo?Anita ri... vê que agora entram no refeitório, seu filho Bento, a nora, os pais do guri risonho, seu neto e esposa, e os observa, com certa perplexidade, pois há muitos Natais que não os vê e pensava que estavam todos a viajar nos feriados de final de ano, conforme lhe dissera o potador dos presentinhos, dias antes.Mas, Bento, com jeito de filho arrependido, vem dizer à mãe, emocionado, que o pequeno Joaquinzinho não aceitou viajar. Convenceu a todos a irem visitar a bisavó, que ele vivia beijando no retrato, chegou a ficar febril a repetir que só queria ver a vó Anita no Natal, e esperar, com ela, pela chegada do Papai Noel.Anita foi aplaudida pelos companheiros e companheiras de asilo. Agradeceu a visita, abraçou o bisneto, o filho e toda a família, convidou-os a sentarem à mesa. Manteve o menino no colo, que a acariciava, enquanto se pergunta, internamente: - Quem não traz seus Natais dentro do peito?Este Natal é mais um deles, que ela jamais esquecerá, e fará parte da lista de Natais do Quinzinho, daqui a algumas décadas, com certeza!
Cida Torneros
Quando o Natal chega, todos os anos, não há como evitar, ela lembra de muitos Natais da sua vida. Recorda-se do carrinho azul que viu seu irmão brincar há mais de oito décadas, em manhã de um dezembro distante no tempo, mas tão presente na memória e aí, ela sorri.Naquele tempo, eles moravam numa casa grande, com quintal arborizado, no subúrbio que marcou sua infância feliz. Como eram bons aqueles Natais, de folguedos e birnquedos, família e vizinhos, amigos e simpatícos agregados, trocando abraços, sorrisos e pratos saborosos.Saudade das rabanadas da portuguesa Filomena, dos bolinhos de bacalhau feitos carinhosamente pela vó Luzia, e como era delicioso o frango com lentilhas que a mãe Maria preparava. Vinham em ondas aquelas imagens de pessoas e lugares, evoluindo para a sua adolescência, seus primeiros amores e finalmente, abrindo o baú, nas tardes lentas da velhice, pegava as fotos amareladas do seu casamento com Joaquim e dos seus filhos meninos, Luizinho e Bentinho.Agora, morando num asilo para velhice, Anita se desmancha em sentimentos de saudade, justamente nessa época natalina. Sabe que a sensibilidade lhe aflora ao peito, faz dela uma criatura mole que nem manteiga derretida, a pensar no tempo que correu célere e no quanto foi possível aproveitar a vida, lutar pela criação dos filhos, tê-los visto se formarem, ter segurado nos braços netos que também tinham crescido.A doce Anita de oitenta e tantos anos, ali, naquela casa de repouso e senilidade, traz dentro de si, muitos Natais presos no peito, e, quando as atendentes chamam para a ceia da noite Santa, busca enfeitar-se com seu melhor vestido, o azul royal, de golinha rendada e branca, para juntar-se à sua nova família, senhoras e senhores que dividem com ela, seus momentos de lazer e de oração, refeições frugazes e a certeza do dever curmprido.Conclama a todos que rezem agradecendo aquela comida especial e tão bem cuidada, sorri em reverência a cada amigo ou amiga que lhe cumprimenta. Repete um 'Feliz Natal' que imagina seja o mesmo que seus filhos e netos estejam desejando aos amigos e amigas neste momento em algum lugar, apesar de não receber há muito sua visita, mas lhe mandaram presentes, como chinelos, sabonetes e colônias. Um motorista veio trazer uns dias antes.Explicou que todos tinham viagem marcada e que telefonariam, se pudessem, no dia de Natal, para ela.Anita pensa que já tem um bisneto que nunca viu, ele deve ter uns cinco anos, ela reflete.Tudo bem, Anita pensa: - Deixai-os viver Senhor Jesus, e protejei-os, meu Pai do Céu. Meus filhos ainda são meninos para mim, apesar de cinquentões. E meus netos, já na casa dos trinta, têm muitas responsabilidades, filhos e trabalho, tenho que entender sua falta de tempo e só quero que todos estejam felizes, nesta Noite, como eu estou, aqui, tão bem cuidada.Repentinamente, como se fosse um Anjinho de Natal eis que surge no salão de refeições do asilo, um menino risonho, correndo, que dispara na direção da vovó Anita, para abraçá-la, o que faz com que todos interrompam o jantar e observem a cena- Quem é você, lindo pequerrucho? Anita indaga, extendendo as mãos e acolhendo o infante arfante.- Vc é minha vó Anita, eu vi no retrato que a meu vô Bento me mostrou. Eu pergunto a ele todo dia onde vc mora. E hoje, que é Natal, pedi a ele que queria ver a minha vó Anita... Tô aqui, na sua casa, né? vim passar o Natal com vc, né? vc quer esperar o Papai Noel comigo?Anita ri... vê que agora entram no refeitório, seu filho Bento, a nora, os pais do guri risonho, seu neto e esposa, e os observa, com certa perplexidade, pois há muitos Natais que não os vê e pensava que estavam todos a viajar nos feriados de final de ano, conforme lhe dissera o potador dos presentinhos, dias antes.Mas, Bento, com jeito de filho arrependido, vem dizer à mãe, emocionado, que o pequeno Joaquinzinho não aceitou viajar. Convenceu a todos a irem visitar a bisavó, que ele vivia beijando no retrato, chegou a ficar febril a repetir que só queria ver a vó Anita no Natal, e esperar, com ela, pela chegada do Papai Noel.Anita foi aplaudida pelos companheiros e companheiras de asilo. Agradeceu a visita, abraçou o bisneto, o filho e toda a família, convidou-os a sentarem à mesa. Manteve o menino no colo, que a acariciava, enquanto se pergunta, internamente: - Quem não traz seus Natais dentro do peito?Este Natal é mais um deles, que ela jamais esquecerá, e fará parte da lista de Natais do Quinzinho, daqui a algumas décadas, com certeza!
Poema para o Natal
Poema para o Natal
Cida Torneros
Quero os mansos…nesta Noite quero-os todos ao meu redor, como pequenos seres de aconchego a eles darei meu testemunho da fé que ainda cultivo pela humanidade inteira, quase toda em rebuliço… Quero os mansos de pés descalços, os de pele curtida, junto de mim espero que repousem suas almas plácidas, seus ares de conformação, sua compreensão pelos fracos, seu perdão pelos maus comandantes, sua carícia desprendida… Quero os mansos de voz melodiosa, os de canção que embala, aqueles de abençoada passagem pela terra, sem a mancha da ambição, quero-os, melhor dizendo, dentro de mim, para que me aperfeiçoem… que me façam aceitar as diferenças cruéis e me clareiem a comunhão… Quero os mansos… por esta madrugada inteira, com a paz que me ofertarem com a aura do amor dadivoso, com a certeza do sublime, com a magia da culpa desfeita… preciso deles para combater a solidão do meu pensamento infestado de abandonos… Mas, se os mansos não me visitarem na noite de Natal, eu prometo, irei ter com eles… porque preciso ser humilde, buscar as esquinas da periferia, dar um pão a quem tem fome, vinho a quem tem sede, abraçar um corpo magro e abandonado, olhar nos olhos um irmão que me espera, por aí, sem sequer saber meu nome, mas confiante em que o farei feliz… Pelo menos nesta noite de Natal, com cada manso que puder encontrar, partilharei minhas dores, apertarei suas mãos entre as minhas, e cantarei … então é Natal… com lágrimas nos olhos e coração em festa…
segunda-feira, 20 de dezembro de 2010
domingo, 19 de dezembro de 2010
sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
Amores trapaceiros em balanço de final de ano!
A noite, em Copacabana, era momento de brinde, muito chope rolando, na Avenida Atlântica, um mesmo restaurante de tantos anos, o grupo de amigos festejando o final do ano, a cada tim-tim, repetíamos: ao Amor!! e assim foi, por horas, quando já, na madrugada, voltando pra casa, o som da palavra "amor" reverberava dentro de mim... Amor, quantas vezes teremos provado de suas trapaças, e, porque, num processo freudiano, tendemos a reprisar comportamentos que julgamos, sob o ponto de vista racional, que beiram a estupidez, ou se alicersam em jogadas trapaceiras.
Pois dormi pensando nisso. Acordei pensando nisso. Fiz um balanço oportuno, desses que costumamos nos dar o direito íntimo de fazer na época de Boas Festas, lembrei de amores de uma vida inteira, lembrei de amores de novela, amores de cinema, amores de literatura, amores trágicos, amores passionais, amores que justificaram crimes, amores que propiciaram poder, amores que se perderam, amantes que viveram comédias, que se enganaram mutuamente, amantes que se amaram a si mesmos, usando o outro apenas como espelhos para sua sede narcisista, amantes que se doaram e renunciaram para deixar que seus parceiros seguissem livres e pudessem tentar novos rumos em busca da tal felicidade.
Aí, uma canção melosa, antiga, bem latina, bem nostálgica, me veio na memória, dos tempos em que eu editava um jornal espanhol e o cantor Julio Iglesias estava no auge da sua carreira. Ele veio ao Brasil, no início dos anos 80, eu participei de uma entrevista coletiva sua, em São Paulo, o homem jogava charme em todas as direções, tinha um marketing perfeito para vender o tal amor trapaceiro.
A letra da música, que ele também gravou em português, ressurgiu em mim, como um troféu para "amantes" , os tais que são estúpidos, se deixam levar por impulsos, vão no olho do furacão, se embrenham no vendaval, atores em cena, buscando representar e voar enquanto a vida segue em meio a desencontros, afastamentos, saudades arrefecidas, vidas divididas, e, na maturidade, um dia, vem o final do ano, chegam os tais pensamentos que nos fazem sentir o quanto fomos ( e somos) estúpidos, em conceituar e viver certos amores trapaceiros. Um inconsciente sado-masoquista, quem sabe, proporcionado por um mundo imaginário, o lugar das "briguinhas" por amor, mas o tempo, impiedoso, ultrapassando o orgulho, a questão de sofrer por amor, como se isso fosse uma regra básica para que a felicidade nos inundasse, e, de repente, vemos que tudo poderia ter sido diferente.
"Se eu pudesse a vida mudar", prega o cantante, como uma chicotada da saudade, numa atitude impensável, e ainda assim, tão trapaceira e marketeira, como se o lamento por tudo que se passou, essa maneira de julgar sentimentos como se eles fossem deveres legalizados, estivessem escritos não nas estrelas, mas no código civil, conferindo à loucura da paixão um lugar inconcebível, onde coubesse razão em lugar de impulso.
Não há como voltar atrás, os amores vividos, quase sempre tiveram sua dose de trapaça consentida, faz parte do jogo, é lícito e legal sentir ciúmes, provocar também, brigar e reconciliar, ter saudades e reencontrar-se com o amor, numa rodada de chope, ainda que seja num brinde que vira mantra... Repetir o tim-tim ao amor, permitir que ele se reverbere internamente, que sua meladeira contagiosa nos inunde de muitas saudades, muitas lembranças, espelhos do tempo estradeiro, coisas fortes entranhando memórias, espaços feridos de corações amadores, aprendizes de jogadas que deviam se transformar em golpes de mestre, mas que, no fundo, não passaram de "blefes", ou melhor, podem ser classificadas como tentativas cujos acertos ou erros, não nos cabe juízo de valor, justamente agora, se não há como " poder mudar a vida".
Então, mais prudente, honesto, saudável, é olhar para a frente, seguir vivendo, amando, aprendendo a vencer novos amores trapaceiros, fingir que tudo será diferente, prometer-se uma isenção quase alienada, comprometer-se com a paz de uma alma amante da emoção, pronta para voar como gaivotas sobre mares imensos, disposta a enveredar pelas artimanhas dos grandes encontros, sem dispensar a malícia e o sabor passageiro dos pequenos arremedos do bendito amor...
Feliz final de ano para os amores, todos, os trapaceiros, principalmente, porque é deles o enredo que move a indústria cinematográfica, a produção literária, a poesia , a música, a pintura, a escultura, sua saga inunda o planeta, com arte e ilusão, passemos pois à contagem regressiva, vamos saudar o amor, eu e tu, como na velha canção melosa que a voz do cantante latino trouxe de volta ao meu "coração vagabundo". Tim-tim!
Cida Torneros
quinta-feira, 16 de dezembro de 2010
Diana Navarro "Te He De Querer Mientras Viva"
Sonhos madrilenhos...
Durante doze anos, entre os 80 e 90, editei um veículo de comunicação, dirigido ao imigrante espanhol radicado no Brasil. Havia a era Felipe Gonzalez, de grande chamamento socialista, consolidando a disputa ética entre a direita e a esquerda que da Espanha, resquício do franquismo, vinha em ondas, atingir os representantes aqui instalados, com seus descendentes. Naqueles tempos, lembro que vivi de clube em clube, acompanhando as datas festivas da comunidade à qual tenho orgulho de me incluir, por força do sangue da galega Carmen Doval Torneros, "la madre de mi padre". Foi com ela , naturalmente, que aprendi a admirar a cultura hispânica, e foi de quem ouvi primeiro falar sobre as agruras da tragédia que foi a guerra civil espanhola.
Tive a alegria de acompanhar, quando produzia o periódico intitulado "Jornal de España", uma caminhada consciente do povo espanhol rumo à democracia moderna, e, ao observar as reações da colônia espalhada em todo o Brasil, verifiquei seu envolvimento com a questão da nova nação. Sintonizada com a tecnologia mais moderna, que resgatou seu papel de país importante no continente europeu, despontando, definitivamente no mundo do turismo, hoje, sua fonte de renda mais visível, com um movimento que chega a triplicar sua população, a partir do fluxo de visitantes-ano, em altas temporadas.
Madrid é o centro desse sonho. Da cidade-berço da vida espanhola, disparam-se os raios de luz que vão em direção a todas as regiões históricas, industriais ou impregnadas de cultura e magia, como Andaluzia, Catalunha, Galícia, entre outras.
Em Madrid tudo parece concentrar as lendas da Espanha que produziu contingentes de emigrantes que vieram povoar e trabalhar nas Américas , nos séculos XIX e XX, para fazer a vida, tentar ganhar o pão, sobreviver, em melhores condições. A escritora Nélida Piñon, neta de galegos, publicou no livro República dos Sonhos, obra que registra a vinda de imigrantes para o Brasil, um verdadeiro manual de sentimentos ibéricos, dos corações de homens e mulheres, que , no fundo, desejavam mesmo é que seu país prosperasse e não mais fabricasse filhos que precisassem emigrar fugindo de más condições de vida.
Hoje, o lugar dos sonhos está repleto de superação. Desembarcar em Madrid, com a mala cheia de sonhos, como bem o disse, meu amigo Vitor Hugo Soares, que, ao se dirigir à Espanha, terra de Cervantes, autor da maior obra da língua hispânica, legou-nos a herança exemplar de um Don Quixote, capaz , sobretudo, de sonhar.
Aparecida Torneros
quarta-feira, 15 de dezembro de 2010
terça-feira, 14 de dezembro de 2010
segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
domingo, 12 de dezembro de 2010
Solteirice explicita ( texto de 2009)
Ambos estavam solteiros. Depois de seus casamentos longos, filhos criados, namoros intensos e alguns recomeços, falaram sobre o tema da solteirice explícita. Lugar comum para cinquentões libertos de tantas amarras anteriores. Decisões personalistas, escolhas resolvidas entre mil e uma possibilidades, a opção de sairem sozinhos aos lugares públicos, desfrutando de si mesmos, da própria companhia, tanto nas salas de cinema como nas mesas dos restaurantes.
Tinham, finalmente até, o direito de recusar parceiros que não lhes interessavam, preferindo a solidão reflexiva e pródiga de maturidade conquistada.
Estavam solteiros, mas não tinham assinado nenhum documento que os obrigasse a permanecer nesse estado de intenso livre arbítrio, entremeado da inconsciente busca de alguém que os motivasse a voltar a amar.
Se bem que sempre se reconheciam amando a vida, a si mesmos, suas famílias, tantos amigos e amigas. Esse tipo de amor lhes inundava os dias. Mas o amor de casal acasalado, amor de busca entre macho e fêmea, lhes sufocava as madrugadas.
Sabiam o quanto era difícil garimpar alguém que lhes encaixasse em desejos, hábitos e expectativas de vida. Confidenciaram-se. Aliás, o tempo, nos dois últimos anos de constantes encontros profissionais, lhes fora favorável, lhes oferecendo uma dose respeitável de confiança mútua e amizade crescente.
Seus abraços eram tão carinhosos quanto aconchegantes.
Suas confissões eram desmascaradas, e, de tão sinceras, remetiam a capítulos de novela romântica ou trágica, dependendo do humor em suas sessões semanais.
Os olhos se encontraram depois de dois meses afastados. Havia satisfação e segurança na troca desse olhar questionador que os tornava caçador e caça, faces opostas de uma mesma moeda, como signos cuja dualidade é a fonte do seu status sólido.
Como um mágico que tira um coelho branquinho da cartola, ele a surpreendeu com jeito de pedinte do amor. Ela, por sua vez, mudou o foco e o viu, pela primeira vez como um homem, apenas como um homem, não mais como um amigo profissional com quem se reunia todas as semanas.
Então, num gesto impensado e impulsivo, ele segurou as mãos dela, juntas, de uma só vez, a uma distância menor que um metro, puxando-a para aconchegar-se no seu peito.
Ela fechou os olhos. Deixou-se levar pelo sentimento pleno. Era só isso. O carinho do homem solitário, lhe oferecendo segurança emocional e vontade de ficar ali pelo resto da vida.
Mas, em seguida, meio envergonhados, despediram-se.
Marcharam em busca de alguns sonhos realizáveis. Viagens, escrita de livros, camaradagem humana, e um ponto contou a seu favor para que se tornassem um novo casal de namorados.
Ele , o psicanalista, ela, a paciente, ambos, solteiros, cinquentões, com filhos criados, sede de viver um novo amor, talvez até um novo casamento.
Quando chegou em casa, ela pensou em agradecer a ele pela sessão que acabava de ter com ele. Esclarecedora, cada palavra dita por ele, soara como um libelo para o caminho dela, que o achava sem rumo, sentindo-se perdida como uma vaca solta num imenso pasto.
Compreendeu então que estava livre para escolher que espécie de capim devia comer, onde devia se proteger do verão intenso e talvez pular alguma cerca que ainda a separava da vida lá fora.
Agradeceu a ele, via recado no celular. Ainda assim, esperou por ele por muitas noites e orou por ele, nas manhãs ensolaradas e nos dias nublados.
Ambos estavam solteiros, continuaram a cruzar seus olhares, perdoaram seus arrepios constantes, expuseram-se então, e num dia de sábado, ele a convidou para jantar.
Fundiram-se em um único olhar durante todo o encontro. Ainda permaneceram solteiros distanciados por um bom período. Suficiente foi esse tempo que se permitiram, para refletir sobre o que sentiam e o que esperavam um do outro. Resumiram numa palavra pequena, gasta, corriqueira, mas plena de significados. Amor... essa palavra pôs fim ao seu longo tempo de solteiros, e dali em diante, passaram a ter duas casas, duas camas, dois endereços, duas chances individuais de replantar seu jardim e colher flores para enfeitar seus domicílios. A partir desse dia, buscaram estar juntos, sempre que fosse possível, necessário e prazeroso. E abandonaram o estado "civil"izado, em cerimônia íntima e simbólica, concorrida por familiares e amigos.
A partir de então seriam solteiros aconchegados e próximos. Continuaram a morar em suas casas anteriores e a preservar a tal intimidade tão violada nos dias de hoje. Assim, seriam eternamente visitas na casa um do outro, e brindariam para sempre, juntos, o tal Valentine's Day, a cada fevereiro, numa promessa gratificante, enquanto pudessem ficar assim, solteiros, amigos, amantes, presentes, carinhosos e saudosos um do outro, explicitando um novo modus vivendi, entre os novos solteiros do século XXI. Se realmente viriam a contrair matrimônio, nem eles mesmos sabiam responder. Apenas tinham uma certeza, sua solteirice era compartilhada entre si, e seus sentimentos os entrelaçavam em rituais de carinho e sensualidade, com salutar distância das suas intimidades. Tinham encontrado um modo de viver que os agradava, e seu amor era tão real quanto suas almas podiam alcançar, pois se descobriram felizes e se amando verdadeiramente. Mesmo assim, preferiram continuar solteiros, inteiros, parceiros, amigos, amantes e admiradores um do outro pelo resto de suas vidas. Seriam como dois pássaros a voarem para se bicarem e beijarem todas as vezes que necessitassem um do outro.
Aparecida Torneros
Tinham, finalmente até, o direito de recusar parceiros que não lhes interessavam, preferindo a solidão reflexiva e pródiga de maturidade conquistada.
Estavam solteiros, mas não tinham assinado nenhum documento que os obrigasse a permanecer nesse estado de intenso livre arbítrio, entremeado da inconsciente busca de alguém que os motivasse a voltar a amar.
Se bem que sempre se reconheciam amando a vida, a si mesmos, suas famílias, tantos amigos e amigas. Esse tipo de amor lhes inundava os dias. Mas o amor de casal acasalado, amor de busca entre macho e fêmea, lhes sufocava as madrugadas.
Sabiam o quanto era difícil garimpar alguém que lhes encaixasse em desejos, hábitos e expectativas de vida. Confidenciaram-se. Aliás, o tempo, nos dois últimos anos de constantes encontros profissionais, lhes fora favorável, lhes oferecendo uma dose respeitável de confiança mútua e amizade crescente.
Seus abraços eram tão carinhosos quanto aconchegantes.
Suas confissões eram desmascaradas, e, de tão sinceras, remetiam a capítulos de novela romântica ou trágica, dependendo do humor em suas sessões semanais.
Os olhos se encontraram depois de dois meses afastados. Havia satisfação e segurança na troca desse olhar questionador que os tornava caçador e caça, faces opostas de uma mesma moeda, como signos cuja dualidade é a fonte do seu status sólido.
Como um mágico que tira um coelho branquinho da cartola, ele a surpreendeu com jeito de pedinte do amor. Ela, por sua vez, mudou o foco e o viu, pela primeira vez como um homem, apenas como um homem, não mais como um amigo profissional com quem se reunia todas as semanas.
Então, num gesto impensado e impulsivo, ele segurou as mãos dela, juntas, de uma só vez, a uma distância menor que um metro, puxando-a para aconchegar-se no seu peito.
Ela fechou os olhos. Deixou-se levar pelo sentimento pleno. Era só isso. O carinho do homem solitário, lhe oferecendo segurança emocional e vontade de ficar ali pelo resto da vida.
Mas, em seguida, meio envergonhados, despediram-se.
Marcharam em busca de alguns sonhos realizáveis. Viagens, escrita de livros, camaradagem humana, e um ponto contou a seu favor para que se tornassem um novo casal de namorados.
Ele , o psicanalista, ela, a paciente, ambos, solteiros, cinquentões, com filhos criados, sede de viver um novo amor, talvez até um novo casamento.
Quando chegou em casa, ela pensou em agradecer a ele pela sessão que acabava de ter com ele. Esclarecedora, cada palavra dita por ele, soara como um libelo para o caminho dela, que o achava sem rumo, sentindo-se perdida como uma vaca solta num imenso pasto.
Compreendeu então que estava livre para escolher que espécie de capim devia comer, onde devia se proteger do verão intenso e talvez pular alguma cerca que ainda a separava da vida lá fora.
Agradeceu a ele, via recado no celular. Ainda assim, esperou por ele por muitas noites e orou por ele, nas manhãs ensolaradas e nos dias nublados.
Ambos estavam solteiros, continuaram a cruzar seus olhares, perdoaram seus arrepios constantes, expuseram-se então, e num dia de sábado, ele a convidou para jantar.
Fundiram-se em um único olhar durante todo o encontro. Ainda permaneceram solteiros distanciados por um bom período. Suficiente foi esse tempo que se permitiram, para refletir sobre o que sentiam e o que esperavam um do outro. Resumiram numa palavra pequena, gasta, corriqueira, mas plena de significados. Amor... essa palavra pôs fim ao seu longo tempo de solteiros, e dali em diante, passaram a ter duas casas, duas camas, dois endereços, duas chances individuais de replantar seu jardim e colher flores para enfeitar seus domicílios. A partir desse dia, buscaram estar juntos, sempre que fosse possível, necessário e prazeroso. E abandonaram o estado "civil"izado, em cerimônia íntima e simbólica, concorrida por familiares e amigos.
A partir de então seriam solteiros aconchegados e próximos. Continuaram a morar em suas casas anteriores e a preservar a tal intimidade tão violada nos dias de hoje. Assim, seriam eternamente visitas na casa um do outro, e brindariam para sempre, juntos, o tal Valentine's Day, a cada fevereiro, numa promessa gratificante, enquanto pudessem ficar assim, solteiros, amigos, amantes, presentes, carinhosos e saudosos um do outro, explicitando um novo modus vivendi, entre os novos solteiros do século XXI. Se realmente viriam a contrair matrimônio, nem eles mesmos sabiam responder. Apenas tinham uma certeza, sua solteirice era compartilhada entre si, e seus sentimentos os entrelaçavam em rituais de carinho e sensualidade, com salutar distância das suas intimidades. Tinham encontrado um modo de viver que os agradava, e seu amor era tão real quanto suas almas podiam alcançar, pois se descobriram felizes e se amando verdadeiramente. Mesmo assim, preferiram continuar solteiros, inteiros, parceiros, amigos, amantes e admiradores um do outro pelo resto de suas vidas. Seriam como dois pássaros a voarem para se bicarem e beijarem todas as vezes que necessitassem um do outro.
Aparecida Torneros
POEMA PARA QUEM ABRIU A PORTA
POEMA PARA QUEM ABRIU A PORTA
COMBINAMOS ASSIM
VOU DEIXAR A PORTA ABERTA
VOCÊ ENTRA E ME BUSCA
VOCÊ VEM E ME AMA
VOCÊ CHEGA E ME ABRAÇA
SE NÃO FOR POSSÍVEL AMAR
PELO MENOS, ME ILUDA UM POUCO
SE NÃO FOR FORTE O SEU ABRAÇO
TENTE AO MENOS ME AQUECER
SE NÃO TIVER AINDA ME ENCONTRADO
SAIBA QUE EU ME ESCONDO NO SEU OLHAR...
COMBINAMOS DA MELHOR MANEIRA
PARA QUE POSSAMOS NOS DESCOBRIR NA PAZ
DE UM BOM ENCONTRO, NA TARDE CALMA,
ENQUANTO O MUNDO LÁ FORA ESTACIONA
E AQUI DENTRO DE NÓS A VIDA PULSA E FERVE...
DEPOIS, POR FAVOR, AO SAIR, FECHE A PORTA COM CUIDADO
PORQUE EU A OLHAREI SEMPRE COM MUITO CARINHO
FIXANDO A SUA IMAGEM ATRAVESSANDO-A A VIR EM MINHA DIREÇÃO...
COMBINAMOS ASSIM... EU O RECEBO DE BRAÇOS ABERTOS,
A PORTA QUE LHE DÁ A PASSAGEM PARA O MEU CORAÇÃO,
A MESMA PORTA QUE LEVA AO MEU CORPO E AO MEU DESEJO,
É AINDA A PASSAGEM PARA O ENCANTO QUE NOS INUNDA AS HORAS...
TÁ COMBINADO, COMO NA CANÇÃO, SOMOS A AMIZADE E NOS QUEREMOS,
O BEM QUE NOS FAZ NOSSA MÚTUA PRESENÇA, O CARINHO QUE NOS RELAXA,
AS PALAVRAS QUE NOS FAZEM FLUTUAR, OS MOMENTOS QUE SÃO TÃO NOSSOS...
PARA VOCÊ, A PORTA DO MEU AFETO SEMPRE ESTARÁ ABERTA,
E ATRAVÉS DELA, SEI QUE UM FORTE VENTO SOPRA TRAZENDO O MEU BEM
O MESMO BEM QUE É O SEU BEM, O NOSSO BEM, O BEM VIVER E O BEM QUERER...
AINDA BEM QUE SOUBEMOS COMBINAR ABRIR A PORTA AO NOS ACEITARMOS
TAL QUAL É CADA UM DE NÓS, SEM CHAVES OU CADEADOS, SEM ALGEMAS,
SEM PRISÕES OU PORÕES ESCUROS, OS RAIOS DO SOL ILUMINAM NOSSA PORTA...
A CADA CHEGADA SUA EU ME ALEGRO E A CADA SAÍDA EU AGRADEÇO SUA VINDA,
A CADA PARTIDA EU O ABENÇOO COM MINHA PRECE DE ACONCHEGO E SAUDADE,
A CADA VOLTA, EU ME FELICITO PELO PRÊMIO QUE É VOCÊ NA MINHA VIDA...
CIDA TORNEROS
COMBINAMOS ASSIM
VOU DEIXAR A PORTA ABERTA
VOCÊ ENTRA E ME BUSCA
VOCÊ VEM E ME AMA
VOCÊ CHEGA E ME ABRAÇA
SE NÃO FOR POSSÍVEL AMAR
PELO MENOS, ME ILUDA UM POUCO
SE NÃO FOR FORTE O SEU ABRAÇO
TENTE AO MENOS ME AQUECER
SE NÃO TIVER AINDA ME ENCONTRADO
SAIBA QUE EU ME ESCONDO NO SEU OLHAR...
COMBINAMOS DA MELHOR MANEIRA
PARA QUE POSSAMOS NOS DESCOBRIR NA PAZ
DE UM BOM ENCONTRO, NA TARDE CALMA,
ENQUANTO O MUNDO LÁ FORA ESTACIONA
E AQUI DENTRO DE NÓS A VIDA PULSA E FERVE...
DEPOIS, POR FAVOR, AO SAIR, FECHE A PORTA COM CUIDADO
PORQUE EU A OLHAREI SEMPRE COM MUITO CARINHO
FIXANDO A SUA IMAGEM ATRAVESSANDO-A A VIR EM MINHA DIREÇÃO...
COMBINAMOS ASSIM... EU O RECEBO DE BRAÇOS ABERTOS,
A PORTA QUE LHE DÁ A PASSAGEM PARA O MEU CORAÇÃO,
A MESMA PORTA QUE LEVA AO MEU CORPO E AO MEU DESEJO,
É AINDA A PASSAGEM PARA O ENCANTO QUE NOS INUNDA AS HORAS...
TÁ COMBINADO, COMO NA CANÇÃO, SOMOS A AMIZADE E NOS QUEREMOS,
O BEM QUE NOS FAZ NOSSA MÚTUA PRESENÇA, O CARINHO QUE NOS RELAXA,
AS PALAVRAS QUE NOS FAZEM FLUTUAR, OS MOMENTOS QUE SÃO TÃO NOSSOS...
PARA VOCÊ, A PORTA DO MEU AFETO SEMPRE ESTARÁ ABERTA,
E ATRAVÉS DELA, SEI QUE UM FORTE VENTO SOPRA TRAZENDO O MEU BEM
O MESMO BEM QUE É O SEU BEM, O NOSSO BEM, O BEM VIVER E O BEM QUERER...
AINDA BEM QUE SOUBEMOS COMBINAR ABRIR A PORTA AO NOS ACEITARMOS
TAL QUAL É CADA UM DE NÓS, SEM CHAVES OU CADEADOS, SEM ALGEMAS,
SEM PRISÕES OU PORÕES ESCUROS, OS RAIOS DO SOL ILUMINAM NOSSA PORTA...
A CADA CHEGADA SUA EU ME ALEGRO E A CADA SAÍDA EU AGRADEÇO SUA VINDA,
A CADA PARTIDA EU O ABENÇOO COM MINHA PRECE DE ACONCHEGO E SAUDADE,
A CADA VOLTA, EU ME FELICITO PELO PRÊMIO QUE É VOCÊ NA MINHA VIDA...
CIDA TORNEROS
Noel na minha vida na Vila Isabel...
Piso nas notas musicais desenhadas no chao da Vila Isabel. Em pedrinhas portuguesas, ali estao alguns pedacinhos das cancoes que Noel Rosa imortalizou, em nosso bairro.
Quando vim morar no Andarai, com meus pais e irmao, tinha 20 anos. Logo, mudamos para a Vila e aqui passamos a morar em casas proximas, a partir dos casamentos e vindas de filhos e netos, costumamos circular pelas ruas onde vivemos, Teodoro da Silva, Maxwell, Artistas, Dona Maria, Souza Franco, e no Boulevard 28 de setembro.
Para quem vive por aqui, ja se tornou habito, dar uma paradinha no Petisco e ouvir historias de Noel.
Passei minha infancia e adolescencia no suburbio da Leopoldina, precisamente em Ramos, era vizinha do mestre Pixinguinha, morava na rua do bloco Cacique, via e ouvia serenatas, pagodes de quintal, chorinho nos portoes das casas, homens nas esquinas tocando violao.
Havia sempre gente cantando num Rio de Janeiro dos anos 50 e 60; cresci metida na ""grandeza da gente humilde e fui muitas vezes a igrejinha da Penha, nas suas festas de outubro, subindo ate o alto, de onde avistava uma cidade encantadora, sob o prisma inverso do glamour da zona sul. Por ali, comecei a ouvir o que contavam sobre Noel, passei tambem a escutar sua musica, aprendi a sentir sua alma carioca , especialmente a vida curta e boemia que levo
A marca do quanto Noel ziguezagueou mesclando-se entre classes sociais, misturando-se sem preconceitos ao seu povo, ele, um estudante de medicina, que se fez amigo dos malandros, que leu e traduziu o espirito gozador que caracterizou as duas decadas da sua passagem na terra.
Seu mundo virou legado e patrimonio para nossa cidade, e alcancou o patamar de brasilidade formada na consciencia cultural de uma capital como o Rio de Janeiro, infestada de fabricas de tecidos, botoes, predios publicos, faculdades formadoras de medicos, engenheiros, e vidas paralelas, os botecos, os lugares do baixo meretricio, as noitadas, os amores oficiais e as paixoes clandestinas, proibidas ou seus desdobramentos. Festas de sao Joao, festas da igreja da Penha, bailes nas gafieiras do centro, banhos de mar em Copacabana, escapadas da juventude que ele representou. Havia o risco da tuberculose, e ainda pairava nos ares daquele seu tempo, o romantismo quase suicida de viver intensamente as emocoes, ainda que o tempo fosse curto, mas de profunda busca da felicidade.
Noel estava constantemente nas historias suburbanas. Todos os antigos da epoca sabiam algo sobre ele, cada musica sua tinha um enredo tao carioca e tao entranhado no orgulho dos trabalhadores que pegavam o trem de manhazinha.
Nas minhas aulas de escola normal, analisavamos suas letras. Lembro-me que a professora Telenia Terezinha levou semanas trabalhando conosco os versos de algumas das suas criacoes. Impressionavam-me pelo conteudo e forma, por exemplo: "O orvalho vem caindo, vai molhar o meu chapeu, e tambem vao sumindo as estrelas la do ceu, tenho passado tao mal, a minha cama e uma folha de jornal, meu cortinado e o vasto ceu de anil e o meu despertador e o guarda-civil, que o salario ainda nao viu"
Como nao se apaixonar por Noel, sua genialidade e seu irreverente viver? Anos mais tarde, trabalhei com um medico que fora seu companheiro de classe na universidade, dr. Paulo Ferreira, que ja velhinho, me contava mazelas entre risadas, sobre o rodizio que os colegas faziam para cobrir suas faltas, ajuda-lo nos trabalhos, esconde-lo no fundo das salas, para que ele dormisse nas manhas em que tentava frequentar a faculdade de medicina, vindo direto da boemia, mas encantando os amigos com seus relatos e poesias musicais.
Talento, arte, encanto, um conjunto privilegiado para um compositor e interprete do seu proprio destino, capaz de nos sensibilizar hoje tanto que ao completar 100 anos de nascimento, e depois de ter vivido somente 26, na verdade, permanece vivo, esta entre nos, e a mim, especialmente, me faz muito bem cantarolar Palpite Infeliz... " quem e voce que nao sabe o que diz, meu Deus do ceu que palpite infeliz, a Vila nao quer abafar ninguem, so quer mostrar que faz samba tambem..."
As rodas de samba continuam pela Vila e pela cidade toda, temos uma heranca que nos mobiliza especialmente na vida e obra do grande Noel, o sensivel estudante, o apaixonado homem, o gozador e brincalhao letrista que perguntava com que roupa iria ao samba, o sofrido autor do ultimo desejo, o simpatico motorista apaixonado pela operaria da fabrica de tecidos, cujo apito feria seus ouvidos, nas manhas em que ele voltava da farra e observava a jovem que nao lhe dava bola.
Noel fez do seu dia a dia um enredo de cancoes especiais, imortalizou costumes atraves das suas poesias, brincou com seus momentos de dor e ultrapassou os sofrimentos humanos nos oferecendo alegria, emocao, a sensacao deliciosa de que realmente ser da Vila, com licenca, meus senhores, nos confere o estatus de sermos parceiros do Noel, mesmo um seculo depois...
Cida Torneros
Quando vim morar no Andarai, com meus pais e irmao, tinha 20 anos. Logo, mudamos para a Vila e aqui passamos a morar em casas proximas, a partir dos casamentos e vindas de filhos e netos, costumamos circular pelas ruas onde vivemos, Teodoro da Silva, Maxwell, Artistas, Dona Maria, Souza Franco, e no Boulevard 28 de setembro.
Para quem vive por aqui, ja se tornou habito, dar uma paradinha no Petisco e ouvir historias de Noel.
Passei minha infancia e adolescencia no suburbio da Leopoldina, precisamente em Ramos, era vizinha do mestre Pixinguinha, morava na rua do bloco Cacique, via e ouvia serenatas, pagodes de quintal, chorinho nos portoes das casas, homens nas esquinas tocando violao.
Havia sempre gente cantando num Rio de Janeiro dos anos 50 e 60; cresci metida na ""grandeza da gente humilde e fui muitas vezes a igrejinha da Penha, nas suas festas de outubro, subindo ate o alto, de onde avistava uma cidade encantadora, sob o prisma inverso do glamour da zona sul. Por ali, comecei a ouvir o que contavam sobre Noel, passei tambem a escutar sua musica, aprendi a sentir sua alma carioca , especialmente a vida curta e boemia que levo
A marca do quanto Noel ziguezagueou mesclando-se entre classes sociais, misturando-se sem preconceitos ao seu povo, ele, um estudante de medicina, que se fez amigo dos malandros, que leu e traduziu o espirito gozador que caracterizou as duas decadas da sua passagem na terra.
Seu mundo virou legado e patrimonio para nossa cidade, e alcancou o patamar de brasilidade formada na consciencia cultural de uma capital como o Rio de Janeiro, infestada de fabricas de tecidos, botoes, predios publicos, faculdades formadoras de medicos, engenheiros, e vidas paralelas, os botecos, os lugares do baixo meretricio, as noitadas, os amores oficiais e as paixoes clandestinas, proibidas ou seus desdobramentos. Festas de sao Joao, festas da igreja da Penha, bailes nas gafieiras do centro, banhos de mar em Copacabana, escapadas da juventude que ele representou. Havia o risco da tuberculose, e ainda pairava nos ares daquele seu tempo, o romantismo quase suicida de viver intensamente as emocoes, ainda que o tempo fosse curto, mas de profunda busca da felicidade.
Noel estava constantemente nas historias suburbanas. Todos os antigos da epoca sabiam algo sobre ele, cada musica sua tinha um enredo tao carioca e tao entranhado no orgulho dos trabalhadores que pegavam o trem de manhazinha.
Nas minhas aulas de escola normal, analisavamos suas letras. Lembro-me que a professora Telenia Terezinha levou semanas trabalhando conosco os versos de algumas das suas criacoes. Impressionavam-me pelo conteudo e forma, por exemplo: "O orvalho vem caindo, vai molhar o meu chapeu, e tambem vao sumindo as estrelas la do ceu, tenho passado tao mal, a minha cama e uma folha de jornal, meu cortinado e o vasto ceu de anil e o meu despertador e o guarda-civil, que o salario ainda nao viu"
Como nao se apaixonar por Noel, sua genialidade e seu irreverente viver? Anos mais tarde, trabalhei com um medico que fora seu companheiro de classe na universidade, dr. Paulo Ferreira, que ja velhinho, me contava mazelas entre risadas, sobre o rodizio que os colegas faziam para cobrir suas faltas, ajuda-lo nos trabalhos, esconde-lo no fundo das salas, para que ele dormisse nas manhas em que tentava frequentar a faculdade de medicina, vindo direto da boemia, mas encantando os amigos com seus relatos e poesias musicais.
Talento, arte, encanto, um conjunto privilegiado para um compositor e interprete do seu proprio destino, capaz de nos sensibilizar hoje tanto que ao completar 100 anos de nascimento, e depois de ter vivido somente 26, na verdade, permanece vivo, esta entre nos, e a mim, especialmente, me faz muito bem cantarolar Palpite Infeliz... " quem e voce que nao sabe o que diz, meu Deus do ceu que palpite infeliz, a Vila nao quer abafar ninguem, so quer mostrar que faz samba tambem..."
As rodas de samba continuam pela Vila e pela cidade toda, temos uma heranca que nos mobiliza especialmente na vida e obra do grande Noel, o sensivel estudante, o apaixonado homem, o gozador e brincalhao letrista que perguntava com que roupa iria ao samba, o sofrido autor do ultimo desejo, o simpatico motorista apaixonado pela operaria da fabrica de tecidos, cujo apito feria seus ouvidos, nas manhas em que ele voltava da farra e observava a jovem que nao lhe dava bola.
Noel fez do seu dia a dia um enredo de cancoes especiais, imortalizou costumes atraves das suas poesias, brincou com seus momentos de dor e ultrapassou os sofrimentos humanos nos oferecendo alegria, emocao, a sensacao deliciosa de que realmente ser da Vila, com licenca, meus senhores, nos confere o estatus de sermos parceiros do Noel, mesmo um seculo depois...
Cida Torneros
sábado, 11 de dezembro de 2010
Quando o amor demora a chegar...
quinta-feira, 11 de junho de 2009
Quando o amor demora a chegar...
Quando o amor demora...
Quando o amor demora a chegar, a gente pensa que o seu tempo passou.
Aí, é melhor nem sonhar com ele, fazer de conta que não faz falta e que
os dias podem ser tranqüilos sem a presença do seu fogo. Não olhar os
namorados é uma atitude prudente, desviar os olhos para os beijos
explícitos que infestam de felicidade as praças e os jardins. Nos
restaurantes, ignorar os olhares trocados entre os casais de pombinhos arrulhantes, para não morrer de inveja. Questão de se auto-definir como pessoa madura que superou essa fase de busca pelo par.
Tudo mentira, no fundo. Como não desejar que outra mão segure a nossa
em atitude de carinho e reverência? O calor de um abraço e o sussurro de
uma voz no ouvido da gente a dizer "eu te amo", nada substitui esse
momento porque pode ser raro, antigo, mas é aquele instante de certeza de
estar vivo e trocar a própria vida com alguém.
Quando o amor demora, a gente precisa saber reconhecer que ele vem
sempre. Faz parte do movimento das marés, da rotação do planeta, do ciclo
de vida das espécies, por isso se perpetua e nos pega de surpresa de
repente. Talvez o tempo dele não seja o nosso, na verdade.
Amor tem seu tempo de chegar e de invadir corações que se julgavam
abandonados. O mais importante é preparar-se para abrir a porta e deixá-lo
entrar, oferecer-lhe espaço para que se acomode em nossa alma,
fazendo-a resplandecer. Aí, sair por aí, beijando na bôca, bem abraçadinho com
quem nos faz mais feliz, e dar as mãos caminhando em direção ao
horizonte.
Quando o amor, finalmente, chega, é hora de exibi-lo em nome da alegria
de viver!!!
Cida torneros
sexta-feira, 10 de dezembro de 2010
Sabemos mentir
Sabemos mentir
Nasceu entre nós uma brincadeira de faz de conta
eu fiz de conta que te amei, tu mentiste com muita classe...
Vivemos momentos tão felizes, cheguei a ficar tonta
de tanta felicidade entre nós, como se a vida nos iluminasse...
Houve instantes em que nossos olhos em doce afronta
se perderam um dentro do outro, num perfeito enlace...
Nem pudemos refletir sobre a mania de cada resposta pronta
que trazíamos na história das nossas vidas, como um passe...
Tínhamos amores frustrados, em nossa história semi-pronta...
Modelos que ousamos repetir, embora isso não nos bastasse...
Mentimos para nós mesmos, na repetida ilusão que monta
novo quebra-cabeças, xadrez exposto para que se jogasse...
Nem perdemos, nem ganhamos, somente o empate aponta
o resultado de um sentimento forte, era como se eu te amasse...
Mas talvez tu também tenhas me amado, um dia, na conta
de um envolvimento emocional incontrolado que te dominasse,
e no auge do labirinto que amor é capaz de enredar cada alma,
eis que a distância nos separa agora, verdade e mentira, a calma,
o plácido final de um caso, a lembrança de algum beijo doado,
a sensação de que nem tudo foi perfeito, mas foi laureado,
com a esperança dos solitários, buscando pares, amores, afetos,
agora, cá estamos, distantes e próximos, saudosos e quietos,
pois nada há mais a fazer nesta história de mentirosos,
apenas nos resta mentir mais uma vez...eu digo..."não mais te quero...
tu respondes, nunca te quis verdadeiramente, nem tive contigo amor sincero"...
Cida Torneros
Nasceu entre nós uma brincadeira de faz de conta
eu fiz de conta que te amei, tu mentiste com muita classe...
Vivemos momentos tão felizes, cheguei a ficar tonta
de tanta felicidade entre nós, como se a vida nos iluminasse...
Houve instantes em que nossos olhos em doce afronta
se perderam um dentro do outro, num perfeito enlace...
Nem pudemos refletir sobre a mania de cada resposta pronta
que trazíamos na história das nossas vidas, como um passe...
Tínhamos amores frustrados, em nossa história semi-pronta...
Modelos que ousamos repetir, embora isso não nos bastasse...
Mentimos para nós mesmos, na repetida ilusão que monta
novo quebra-cabeças, xadrez exposto para que se jogasse...
Nem perdemos, nem ganhamos, somente o empate aponta
o resultado de um sentimento forte, era como se eu te amasse...
Mas talvez tu também tenhas me amado, um dia, na conta
de um envolvimento emocional incontrolado que te dominasse,
e no auge do labirinto que amor é capaz de enredar cada alma,
eis que a distância nos separa agora, verdade e mentira, a calma,
o plácido final de um caso, a lembrança de algum beijo doado,
a sensação de que nem tudo foi perfeito, mas foi laureado,
com a esperança dos solitários, buscando pares, amores, afetos,
agora, cá estamos, distantes e próximos, saudosos e quietos,
pois nada há mais a fazer nesta história de mentirosos,
apenas nos resta mentir mais uma vez...eu digo..."não mais te quero...
tu respondes, nunca te quis verdadeiramente, nem tive contigo amor sincero"...
Cida Torneros
quinta-feira, 9 de dezembro de 2010
José Saramago e Pilar del Rio: amores também são escolhas...
Amor parece coisa mesmo de novela, romance, cinema... tem muita história e muita ilusão... na prática, o perfil amoroso tem sua versão mais comum a interesses de caráter financeiro ou sexual, ou ambos, mas nem sempre amor pode ser medido, ou melhor, não deve ser...uma vez que amor tem um lado irracional, imperfeito, inexplicável, inquieto, imorrível ( se podemos usar palavra tão estranha)...em lugar de imortal...
Amor parece algo que fica, atravessa o tempo, sobrevive ao tempo da morte, sobrevive em sonhos, em lembranças, em feitos, em páginas, em histórias, em contos, em memórias.
Fui ver o filme-documentário " José e Pilar" , sobre o amor entre a jornalista espanhola e o escritor português, uma relação que durou os 20 anos em que conviveram, sendo ela 28 anos mais nova, e tendo ele 63 anos quando a conheceu...
Conto de fadas? não! Vidas dedicadas ao trabalho, literatura, pesquisa, participação, viagens, cumplicidade, carinho, respeito mútuo, afinidades, juntaram-se na esquina da vida e construíram um mundo particular capaz de vazar sentimentos para leitores, admiradores, cineastas, e tanta gente que precisa, como eu, redescobrir o mistério que um grande amor possa encerrar dentro de si mesmo
Situar nossas expectativas de vida dividida, envelhecimento testemunhado por quem nos é capaz de amar e nos inspira amor em contrapartida...
Não há como medir, não se torna viável comparar nada, cada um viverá seu próprio amor, dentro das suas chances, sortes e da coragem de recomeçar um dia uma nova vida ao lado de alguém que não se deixe escapar ou por medo ou por fuga...
Escolhas, sim, amores também são escolhas, são decisões, são tomadas de posição diante de novas possibilidades...
Há que enfrentar o desconhecido, vale mudar de cidade ou país, vale trocar de rotinas, estudar novas línguas, degustar outras culturas, aprender a andar por novos caminhos, isolar-se em ilhas ou asilar-se em abraços de aconchego e alívio...
Amor maduro tem o envólocro da seda humanizada, uma paz conquistada e um dia a dia compensador pelas tarefas cumpridas, pelos desejos realizados, pelas conversas longas e esclarecedoras...
Um casal como José e Pilar nos dá o exemplo do quanto o amor possível tem lados e mais lados, tem facetas com milhões de luzes a piscar para as estrelas do universo.
Sem Deus, aparentemente, porque a divindade aparece na crença que Saramago tinha no seu trabalho, na consciência cidadã, na palavra concebida e no afeto correspondido.
Pilar tem a função de continuá-lo. Preside agora a fundação com seu acervo, segue companheira do homem que ama e amará para sempre.
Cida Torneros
18/06/2010 18h44 - Atualizado em 18/06/2010 19h52
Documentário conta história
de amor entre Saramago e esposa
'José & Pilar', da produtora O2, narra paixão por mulher 28 anos mais jovem.
Para diretor do filme, escritor português não era incendiário, era apenas lúcido.
Gustavo Miller Do G1, em São Paulo
Saramago e Pilar (à direita), com a equipe por trás do documentário 'José & Pilar' (Foto: Arquivo pessoal)
“Se eu tivesse morrido aos 63 anos antes de lhe ter conhecido, morreria muito mais velho do que serei quando chegar a minha hora”. É assim, a partir de uma bela declaração de amor de José Saramago à esposa Pilar Del Río, que o diretor português Miguel Gonçalves Mendes inicia o filme 'José & Pilar', documentário que estreou em novembro no Brasil.
O longa, que levou três anos de filmagem, é um retrato íntimo do escritor - que aos 87 anos - ao lado da jornalista espanhola, 28 anos mais jovem. Os dois se conheceram em 1987 e, segundo Mendes, completavam-se. “Ela lhe deu uma segunda vida. Ela é lutadora, vive a batalha de mudar o mundo, enquanto ele era português: melancólico, sereno... Uma combinação perfeita”, resume o cineasta, em entrevista por telefone ao G1.
O documentário tem como ponto de partida a criação do romance “A viagem do elefante”, de 2008, e termina na viagem de divulgação dele no Brasil. Mas, como o título sugere, o filme é sobre José e Pilar que, de tão apaixonados, tiveram seus nomes escolhidos para batizar duas ruas que se cruzavam na cidade portuguesa de Azinhaga, terra natal de Saramago.
A esposa de Saramago, Pilar Del Río, no velório
do escritor (Foto: Augusto Finfer/Reuters)
do escritor (Foto: Augusto Finfer/Reuters)
"Quero, sobretudo, que as pessoas os vejam como eu os vejo e partilhar com todos e de uma forma condensada o saber que eles possuem. Qual a sua visão do mundo e em que é que acreditam. No fundo quero que quem assista a este filma sinta que conheceu de uma forma muito íntima estas duas pessoas, que são brilhantes", explica.
Mendes explica que o “José e Pilar” também relata a origem pobre de Saramago até os anos mais recentes, de agenda atribulada. “Sua saúde estava muito debilitada na época das filmagens. Eu mesmo não imaginava que conseguisse terminar o livro. Ele não só o fez como escreveu outro, ‘Caim’, o que só mostrava a sua força”, explica.
Durante a entrevista, Mendes teve dificuldades para falar sobre o escritor. Comentou que, apesar de Portugal estar em luto, Saramago foi muito injustiçado em seu país ao ser chamado de ateu e comunista.
"Algumas pessoas dizem que José era um incendiário. Mas Saramago não era incendiário, era simplesmente lúcido! E tentou, dentro do possível, melhorar o mundo através do impacto que as suas opiniões podiam ter naqueles que as ouvissem. Ao contrário da arrogância que algumas pessoas afirmavam, ele será de uma doçura e simpatia incríveis. Para não falar no seu sentido de humor, que é brilhante. Mas, como dizia, ele não tinha culpa da cara que tinha”.
“José & Pilar” é uma produção da brasileira O2 Filmes (de Fernando Meirelles) com a espanhola El Deseo e foi lançado simultaneamente no Brasil, Portugal e Espanha em 16 de novembro, dia de aniversário do autor.
Velório na Espanha e em PortugalO corpo de Saramago foi velado em uma biblioteca que leva o seu nome na cidade de Tías, na ilha canária de Lanzarote. O prefeito José Juan Cruz decretou três dias de luto.
Os restos mortais de Saramago foram transportados a Lisboa por um avião enviado pelo governo português. Em cortejo fúnebre, o corpo foi levado até o Salão de Honra da Prefeitura de Lisboa, onde permaneceu até domingo, quando foi cremado no cemitério do Alto de São João, na capital portuguesa.
De acordo com a agência de notícias EFE, é possível que parte de suas cinzas seja enviada a seu povoado natal, Azinhaga, em Portugal, e a outra parte fique em sua casa de Lanzarote, no arquipélago espanhol.
A escritora Nélida Piñon representou a Academia Brasileira de Letras nos funerais do escritor. Autoridades do governo português declararam luto oficial de dois dias pela morte do escritor.
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Problemas de saúdeSegundo Pilar del Río, Saramago passou mal após tomar o café da manhã e recebeu auxílio médico, mas não resistiu e morreu. Ele sofria de leucemia e, nos últimos anos, havia sido hospitalizado em várias oportunidades devido a problemas respiratórios.
"No dia 18 de junho, José Saramago faleceu às 12h30 horas [horário local] na sua residência de Lanzarote, aos 87 anos de idade, em consequência de uma múltipla falha orgânica, após uma prolongada doença. O escritor morreu estando acompanhado pela sua família, despedindo-se de uma forma serena e tranquila", diz uma nota assinada pela Fundação José Saramago e publicada na página do escritor na internet.