domingo, 21 de março de 2010

“Outonando”, na arte de Oswaldo Montenegro



“Outonando”, na arte de Oswaldo Montenegro


Mudam as estações, quatro vezes a cada ano, e nós vamos, como seres mutantes, absorvendo pequenas aparentes transformações ao nível externo e profundas modificações interiores. A pele, ao se despedir do verão intenso, vai clareando, o pensamento expansivo regado a chopes a beira mar, é induzido a uma certa introspecção preparatória para o inverno que virá daqui a pouco. Mas antes, é preciso outonar, amarelar folhas e peles, é providencial entender que a estação que no Hemisfério Sul, acaba de chegar, num março chuvoso e ainda quente, nos permite parar de veranear, nos acalma os passos, e, num mágico piscar de olhos, se descobre que o temperado tempo chegou.

Assim, percebi que o show de Oswaldo Montenegro, no Rio de Janeiro, marca em mim, por estes dias, a entrada num outono que me acolhe com frutos de época, sabores degustados lentamente.
Junto comigo, outonaram os membros da família, verdadeiro clube de tietes de Oswaldo, meu irmão, cunhada e sobrinhos, aliás, responsáveis por me introduzirem na legião dos que internalizam a arte do compositor e intérprete, carioca, mineiro, brasiliense, autor, sobretudo, de “a lista”, canção que sinaliza para a passagem dos amigos e amores pelas nossas vidas.

Uma amiga de duas décadas, que não cansa de repetir que Oswaldo faz parte da vida dela desde o tempo do vinil, participou desse movimento de outonar na onda oswaldiana. Fomos juntas presenciar o maduro artista, que, aos 54 anos, renova o tempo de gerações, desde nossas histórias pessoais, até o encanto da placidez generosa que ele nos proporciona. Letras que são poemas, filosofias debulhadas aos nossos corações, tocantes de sinos internos, emoções que nos são caras, brincadeiras de palco, interação com o público, com aquele ar eterno de um saltimbanco medieval. Voz aveludada, o acompanhamento doce da sua flautista Madá, e um quê de paixão contida, extravasada através da música, para nosso deleite e assombramento.

“Quem vai dizer ao coração que a paixão não é loucura”? Talvez nem seja mesmo, porque não se apaixonar é que deva ser um sintoma insano, imaginar-se ao som de bandolins, sem vivenciar o rodopio estreitando-se nos braços de um par qualquer e inconstante. “Eu amava como um pescador, que se encanta mais com a rede que com o mar”, ele nos faz repensar, rever e reviver a contradição forma e conteúdo.


Oswaldo, o menino-moço que pegou carona num submarino do Lago Paranoá, leva-nos na viagem do tempo, nos joga no outono com propriedade, nos faz frutificar sentimentos. Ninguém, além dele, descreveu tão bem o amor de Léo e Bia, falou tudo sobre “o chato”, nos deu a força de um canto do pé na estrada, mistura de nordeste ( parcerias maravilhosa com Zé Ramalho e Alceu Valença) com sudeste, temperado pelos ventos secos e poderosos do Planalto Central.


Melhor rever a lista individual ou coletiva de amigos, amores, desejos, sonhos, e ir riscando dela o que não é saudável, mas é preciso acrescentar também as novas figuras de linguagem, os gestos brandos que a estação proporciona.


Outonando, com Oswaldo, é questão de sobreviver na selva de pedra. É como enfrentar o poder concentrado de Brasília com a brisa fresca do mar do Rio de Janeiro e sussurrar uma canção de fim de seresta em Minas Gerais, exatamente quando o sol começa a surgir atrás da serra, para trazer o novo dia.
Tenho a sorte de adentrar neste outono, ouvindo e testemunhando a expressão de um artista tão pródigo de poesia e naturalidade. Tão igualzinho a cada um de nós, cansados de um tórrido verão e necessitados desta parada obrigatória que é o tempo da colheita.


Nas nossas bocas, identificamos o gosto de banana da terra, laranja madura, morangos silvestres, delicadas maçãs, goiabas arrancadas do pé. Aí, mordemos a polpa suculenta dos frutos que ele e sua troupe nos oferecem, verdadeiros contatos imediatos de grau intenso, com a árvore da vida, pródiga em delícias para alimentar almas como as nossas, as almas “oswaldianas”.
Cida Torneros



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