Maracanã

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terça-feira, 8 de abril de 2014

quando eu tinha 64


Quando eu tinha 64!

Sempre que ouvia a canção dos Beatles, aquela em que eles falam do futuro, imaginando como se sentiriam, quando atingissem os 64, eu me perguntava como eu seria com esta idade.
No ano passado, na Espanha, eu e George Patherson, tivemos uma longa conversa sobre isso. Ele, que acabara de completar os tais 64, escocês que se aposentou e emigrou pra Rojales, disse que a velhice com as doenças que a acompanham, não é nada fácil.  Avisou-me que eu constataria tal predição, no ano seguinte, ao atingir o número da canção.
Neste setembro primaveril, acordei no dia 2, com a sensação mais estranha. Não me sentia bem, fisicamente, mas, emocionalmente, passei horas enfornada , no meu casulo, recebendo telefonemas e visitas-surpresa de amigos. Gentis, meus familiares, me ofereceram bolinho na véspera,  um domingo, na casa da minha mãe,  de 86 anos.
Meu niver, passei-o, com a perplexidade da ultrapassagem ritual dos seres medianamente personalistas. Que importa o contar dos meus anos para o resto da humanidade? Evidentemente que nada. Nem me abalo por isso. Somos uma sociedade que se orgulha de prolongar vidas com medicina avançada. Programas de bem-estar para a terceira idade, turismo para sessentoes , bailes para saudosistas, artefatos para exercícios físicos instalados em praças publicas, incentivos culturais com meia entrada em shows, teatros,  cinemas e óperas,  tudo está conduzindo nosso exército de pessoas pretensamente maduras, para vivermos uma adolescência tardia, em felicidade conformada com o que deixou para trás e sem mais lamentos sobre o que não é possível remendar.
Eis-me aqui, deixando cair a ficha da nova-velha idade. Esta me trouxe muitos exames: de sangue, de consciência,  de raio x, de economia, etc.
Vou deixando amigos morrerem porque nada posso fazer para frear destinos, só aumento a lista das saudades. Vou aproveitando as carinhosas presenças de novas criaturas surgidas em meu caminho e agradeço sua manifestação de afeto.
Creio que os 64 são oportunidade que devo valorizar para aceitar a diminuição do meu ritmo que era muito acelerado. Decido ir devagar, é o jeito. Já nao posso usar saltos tão altos. Temo as quedas, minha osteoporose chegou forte. Passos curtos, dores constantes, mas, disposição para ler livros, releio vários,  e ouço músicas que me reconfortam a alma. Restrinjo viagens, porque remédios roubam dinheiro que seria para passeios, e, com a necessidade de dietas de sal e de gorduras, os restaurantes já perderam o encanto dos sabores incondicionais.
Vou me adaptando, e, com amigas outras, começo a pensar em abandonar o tingimento dos fios brancos. Talvez eu me sinta bem com a cabeça livre. Aliás, sempre vivi a liberdade de pensar e agir.

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