CRÔNICA/ SENTIMENTOS AMORES TRAPACEIROS
Maria Aparecida Torneros
A noite, em Copacabana, era momento de brinde, muito chope rolando, na Avenida Atlântica, um mesmo restaurante de tantos anos, o grupo de amigos festejando o final do ano, a cada tim-tim, repetíamos: ao Amor!! e assim foi, por horas, quando já, na madrugada, voltando pra casa, o som da palavra “amor” reverberava dentro de mim… Amor, quantas vezes teremos provado de suas trapaças, e, porque, num processo freudiano, tendemos a reprisar comportamentos que julgamos, sob o ponto de vista racional, que beiram a estupidez, ou se alicersam em jogadas trapaceiras?
Pois dormi pensando nisso. Acordei pensando nisso. Fiz um balanço oportuno, desses que costumamos nos dar o direito íntimo de fazer na época de Boas Festas, lembrei de amores de uma vida inteira, lembrei de amores de novela, amores de cinema, amores de literatura, amores trágicos, amores passionais, amores que justificaram crimes, amores que propiciaram poder, amores que se perderam, amantes que viveram comédias, que se enganaram mutuamente, amantes que se amaram a si mesmos, usando o outro apenas como espelhos para sua sede narcisista, amantes que se doaram e renunciaram para deixar que seus parceiros seguissem livres e pudessem tentar novos rumos em busca da tal felicidade.
Aí, uma canção melosa, antiga, bem latina, bem nostálgica, me veio na memória, dos tempos em que eu editava um jornal espanhol e o cantor Julio Iglesias estava no auge da sua carreira. Ele veio ao Brasil, no início dos anos 80, eu participei de uma entrevista coletiva sua, em São Paulo, o homem jogava charme em todas as direções, tinha um marketing perfeito para vender o tal amor trapaceiro.
A letra da música, que ele também gravou em português, ressurgiu em mim, como um troféu para “amantes” , os tais que são estúpidos, se deixam levar por impulsos, vão no olho do furacão, se embrenham no vendaval, atores em cena, buscando representar e voar enquanto a vida segue em meio a desencontros, afastamentos, saudades arrefecidas, vidas divididas, e, na maturidade, um dia, vem o final do ano, chegam os tais pensamentos que nos fazem sentir o quanto fomos ( e somos) estúpidos, em conceituar e viver certos amores trapaceiros. Um inconsciente sado-masoquista, quem sabe, proporcionado por um mundo imaginário, o lugar das “briguinhas” por amor, mas o tempo, impiedoso, ultrapassando o orgulho, a questão de sofrer por amor, como se isso fosse uma regra básica para que a felicidade nos inundasse, e, de repente, vemos que tudo poderia ter sido diferente.
“Se eu pudesse a vida mudar”, prega o cantante, como uma chicotada da saudade, numa atitude impensável, e ainda assim, tão trapaceira e marketeira, como se o lamento por tudo que se passou, essa maneira de julgar sentimentos como se eles fossem deveres legalizados, estivessem escritos não nas estrelas, mas no código civil, conferindo à loucura da paixão um lugar inconcebível, onde coubesse razão em lugar de impulso.
Não há como voltar atrás, os amores vividos, quase sempre tiveram sua dose de trapaça consentida, faz parte do jogo, é lícito e legal sentir ciúmes, provocar também, brigar e reconciliar, ter saudades e reencontrar-se com o amor, numa rodada de chope, ainda que seja num brinde que vira mantra… Repetir o tim-tim ao amor, permitir que ele se reverbere internamente, que sua meladeira contagiosa nos inunde de muitas saudades, muitas lembranças, espelhos do tempo estradeiro, coisas fortes entranhando memórias, espaços feridos de corações amadores, aprendizes de jogadas que deviam se transformar em golpes de mestre, mas que, no fundo, não passaram de “blefes”, ou melhor, podem ser classificadas como tentativas cujos acertos ou erros, não nos cabe juízo de valor, justamente agora, se não há como ” poder mudar a vida”.
Então, mais prudente, honesto, saudável, é olhar para a frente, seguir vivendo, amando, aprendendo a vencer novos amores trapaceiros, fingir que tudo será diferente, prometer-se uma isenção quase alienada, comprometer-se com a paz de uma alma amante da emoção, pronta para voar como gaivotas sobre mares imensos, disposta a enveredar pelas artimanhas dos grandes encontros, sem dispensar a malícia e o sabor passageiro dos pequenos arremedos do bendito amor…
Feliz final de ano para os amores, todos, os trapaceiros, principalmente, porque é deles o enredo que move a indústria cinematográfica, a produção literária, a poesia , a música, a pintura, a escultura, sua saga inunda o planeta, com arte e ilusão, passemos pois à contagem regressiva, vamos saudar o amor, eu e tu, como na velha canção melosa que a voz do cantante latino trouxe de volta ao meu “coração vagabundo”. Tim-tim!
Cida Torneros, jornalista e escritora, mora no Rio de Janeiro, onde edita o Blog da Mulher Necessária
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Maria Aparecida Torneros
A noite, em Copacabana, era momento de brinde, muito chope rolando, na Avenida Atlântica, um mesmo restaurante de tantos anos, o grupo de amigos festejando o final do ano, a cada tim-tim, repetíamos: ao Amor!! e assim foi, por horas, quando já, na madrugada, voltando pra casa, o som da palavra “amor” reverberava dentro de mim… Amor, quantas vezes teremos provado de suas trapaças, e, porque, num processo freudiano, tendemos a reprisar comportamentos que julgamos, sob o ponto de vista racional, que beiram a estupidez, ou se alicersam em jogadas trapaceiras?
Pois dormi pensando nisso. Acordei pensando nisso. Fiz um balanço oportuno, desses que costumamos nos dar o direito íntimo de fazer na época de Boas Festas, lembrei de amores de uma vida inteira, lembrei de amores de novela, amores de cinema, amores de literatura, amores trágicos, amores passionais, amores que justificaram crimes, amores que propiciaram poder, amores que se perderam, amantes que viveram comédias, que se enganaram mutuamente, amantes que se amaram a si mesmos, usando o outro apenas como espelhos para sua sede narcisista, amantes que se doaram e renunciaram para deixar que seus parceiros seguissem livres e pudessem tentar novos rumos em busca da tal felicidade.
Aí, uma canção melosa, antiga, bem latina, bem nostálgica, me veio na memória, dos tempos em que eu editava um jornal espanhol e o cantor Julio Iglesias estava no auge da sua carreira. Ele veio ao Brasil, no início dos anos 80, eu participei de uma entrevista coletiva sua, em São Paulo, o homem jogava charme em todas as direções, tinha um marketing perfeito para vender o tal amor trapaceiro.
A letra da música, que ele também gravou em português, ressurgiu em mim, como um troféu para “amantes” , os tais que são estúpidos, se deixam levar por impulsos, vão no olho do furacão, se embrenham no vendaval, atores em cena, buscando representar e voar enquanto a vida segue em meio a desencontros, afastamentos, saudades arrefecidas, vidas divididas, e, na maturidade, um dia, vem o final do ano, chegam os tais pensamentos que nos fazem sentir o quanto fomos ( e somos) estúpidos, em conceituar e viver certos amores trapaceiros. Um inconsciente sado-masoquista, quem sabe, proporcionado por um mundo imaginário, o lugar das “briguinhas” por amor, mas o tempo, impiedoso, ultrapassando o orgulho, a questão de sofrer por amor, como se isso fosse uma regra básica para que a felicidade nos inundasse, e, de repente, vemos que tudo poderia ter sido diferente.
“Se eu pudesse a vida mudar”, prega o cantante, como uma chicotada da saudade, numa atitude impensável, e ainda assim, tão trapaceira e marketeira, como se o lamento por tudo que se passou, essa maneira de julgar sentimentos como se eles fossem deveres legalizados, estivessem escritos não nas estrelas, mas no código civil, conferindo à loucura da paixão um lugar inconcebível, onde coubesse razão em lugar de impulso.
Não há como voltar atrás, os amores vividos, quase sempre tiveram sua dose de trapaça consentida, faz parte do jogo, é lícito e legal sentir ciúmes, provocar também, brigar e reconciliar, ter saudades e reencontrar-se com o amor, numa rodada de chope, ainda que seja num brinde que vira mantra… Repetir o tim-tim ao amor, permitir que ele se reverbere internamente, que sua meladeira contagiosa nos inunde de muitas saudades, muitas lembranças, espelhos do tempo estradeiro, coisas fortes entranhando memórias, espaços feridos de corações amadores, aprendizes de jogadas que deviam se transformar em golpes de mestre, mas que, no fundo, não passaram de “blefes”, ou melhor, podem ser classificadas como tentativas cujos acertos ou erros, não nos cabe juízo de valor, justamente agora, se não há como ” poder mudar a vida”.
Então, mais prudente, honesto, saudável, é olhar para a frente, seguir vivendo, amando, aprendendo a vencer novos amores trapaceiros, fingir que tudo será diferente, prometer-se uma isenção quase alienada, comprometer-se com a paz de uma alma amante da emoção, pronta para voar como gaivotas sobre mares imensos, disposta a enveredar pelas artimanhas dos grandes encontros, sem dispensar a malícia e o sabor passageiro dos pequenos arremedos do bendito amor…
Feliz final de ano para os amores, todos, os trapaceiros, principalmente, porque é deles o enredo que move a indústria cinematográfica, a produção literária, a poesia , a música, a pintura, a escultura, sua saga inunda o planeta, com arte e ilusão, passemos pois à contagem regressiva, vamos saudar o amor, eu e tu, como na velha canção melosa que a voz do cantante latino trouxe de volta ao meu “coração vagabundo”. Tim-tim!
Cida Torneros, jornalista e escritora, mora no Rio de Janeiro, onde edita o Blog da Mulher Necessária
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Comentários
regina on 19 dezembro, 2010 at 14:56 #
…por que ainda não inventaram uma droga mais poderosa que o amor, brindemos a ele…
TIM… TIM…
TIM… TIM…
Marco Lino on 19 dezembro, 2010 at 23:05 #
“Deus envia o Amor para que as pessoas sejam felizes”, escreveu Platão.
Se a sentença do grande mestre grego estiver correta, quantas e quantas vezes abdicamos de momentos de pura satisfação, prazer, alegria (y otras cositas más) por obedecermos cegamente a regras sociais estúpidas? Bem disse Freud que a tristeza do homem é diretamente proporcional ao seu grau de civilização. Quanto mais civilizado, mais triste!
Daí a importância de Marcuse. A civilização pode acontecer sem essa repressão toda. É preciso tirar a corda do pescoço do humano, folgar a corda para que vivamos uma vida mais digna e própria de um animal que evoluiu. Evoluiu?!
Leonardo Boff (o frei católico que os conservadores detestam) disse que quando o fenômeno (amor) acontece não se deve questionar se a pessoa é casada, divorciada, comprometida, livre, presa etc, etc, etc, mas viver o fenômeno. Que beleza, hein?
Não poderia deixar de citar o velho Marx: “A crítica arrancou as flores imaginárias que cobriam as cadeias humanas, não para que o homem utilizasse cadeias sem flores, mas para arrebentasse os grilhões e apanhasse a flor viva”. Vida sem cadeias para o amor brote (aqui, todo amor possível e imaginável)!
“Deixa nascer o amor, deixa fluir o amor, deixa…” continua implorando Beto Guedes. Aliás, é Guedes também quem canta que “o medo de amar é o medo de ser livre”, não?
Por fim, e para acalmar um pouco os cristãos mais ortodoxos, cito Pedro, o apóstolo: “melhor é obedecer a Deus” (que envia o Amor) “do que aos homens” (que criam as regras sociais)…
Beleza pura…
Se a sentença do grande mestre grego estiver correta, quantas e quantas vezes abdicamos de momentos de pura satisfação, prazer, alegria (y otras cositas más) por obedecermos cegamente a regras sociais estúpidas? Bem disse Freud que a tristeza do homem é diretamente proporcional ao seu grau de civilização. Quanto mais civilizado, mais triste!
Daí a importância de Marcuse. A civilização pode acontecer sem essa repressão toda. É preciso tirar a corda do pescoço do humano, folgar a corda para que vivamos uma vida mais digna e própria de um animal que evoluiu. Evoluiu?!
Leonardo Boff (o frei católico que os conservadores detestam) disse que quando o fenômeno (amor) acontece não se deve questionar se a pessoa é casada, divorciada, comprometida, livre, presa etc, etc, etc, mas viver o fenômeno. Que beleza, hein?
Não poderia deixar de citar o velho Marx: “A crítica arrancou as flores imaginárias que cobriam as cadeias humanas, não para que o homem utilizasse cadeias sem flores, mas para arrebentasse os grilhões e apanhasse a flor viva”. Vida sem cadeias para o amor brote (aqui, todo amor possível e imaginável)!
“Deixa nascer o amor, deixa fluir o amor, deixa…” continua implorando Beto Guedes. Aliás, é Guedes também quem canta que “o medo de amar é o medo de ser livre”, não?
Por fim, e para acalmar um pouco os cristãos mais ortodoxos, cito Pedro, o apóstolo: “melhor é obedecer a Deus” (que envia o Amor) “do que aos homens” (que criam as regras sociais)…
Beleza pura…
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