Maracanã

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quarta-feira, 13 de abril de 2011

A ti direi que és tu, Maria Aparecida!

domingo, 30 de agosto de 2009



Você está sempre no meu pensamento...Elvis Presley






A ti direi que és tu, Maria Aparecida!






Elegia quase uma odeVinícius de Moraes
 
Meu sonho, eu te perdi; tornei-me em homem. O verso que mergulha o fundo de minha almaÉ simples e fatal, mas não traz carícia...Lembra-me de ti, poesia criança, de tiQue te suspendias para o poema como que para um seio no espaço.Levavas em cada palavra a ânsiaDe todo o sofrimento vivido. Queria dizer coisas simples, bem simplesQue não ferissem teus ouvidos, minha mãe.Queria falar em Deus, falar docemente em DeusPara acalentar tua esperança, minha avó.Queria tornar-me mendigo, ser miserávelPara participar de tua beleza, meu irmão.Queria, meus amigos... queria, meus inimigos...Queria... queria tão exaltadamente, minha amiga! Mas tu, PoesiaTu desgraçadamente PoesiaTu que me afogaste em desespero e me salvast eE me afogaste de novo e de novo me salvaste e me trouxesteÀ borda de abismos irreais em que me lançaste e que depois eram abismos verdadeirosOnde vivia a infância corrompida de vermes, a loucura prenhe do Espírito Santo, e idéias em lágrimas, e castigos e redenções mumificados em[sêmen cruTu!Iluminaste, jovem dançarina, a lâmpada mais triste da memória…Pobre de mim, tornei-me em homem.De repente, como a árvore pequenaQue à estação das águas bebe a seiva do húmus fartoEstira o caule e dorme para despertar adultaAssim, poeta, voltaste para sempre.No entanto, era mais belo o tempo em que sonhavas... Que sonho é minha vida?A ti direi que és tu, Maria Aparecida!A vós, no pudor de falar ante a vossa grandezaDirei que é esquecer todos os sonhos, meus amigos.Ao mundo, que ama a lenda dos destinosDirei que é o meu caminho de poeta.A mim mesmo, hei de chamá-lo inocência, amor, alegria, sofriment o, morte, serenidadeHei de chamá-lo assim que sou fraco e mutávelE porque é preciso que eu não minta nunca para poder dormir.AhDevesse eu jamais atender aos apelos do íntimo... Teus braços longos, coruscantes; teus cabelos de oleosa cor; tuas mãos musicalíssimas; teus pés que levam a dança prisioneira; teu corpo grave de graça instantânea; o modo com que olhas o âmago da vida; a tua paz, angústia paciente; o teu desejo irrevelado; o grande, o infinito inútil poético! tudo isso seria um sonho a sonhar no teu seio que é tão pequeno... Ó, quem me dera não sonhar mais nuncaNada ter de tristezas nem saudadesSer apenas Moraes sem ser Vinicius!Ah, pudesse eu jamais, me levantandoEspiar a janela sem paisagemO céu sem tempo e o tempo sem memória!Que hei de fazer de mim que sofro tudoAnjo e demônio, angústias e alegriasQue peco contra mim e contra Deus!Às vezes me parece que me olhandoEle dirá, do seu celeste abrigo:Fui cruel por demais com esse menino...No entanto, que outro olhar de piedadeCurará neste mundo as minhas chagas?Sou fraco e forte, venço a vida: brevePerco tudo; breve, não posso mais...Oh, natureza humana, que desgraça!Se soubesses que força, que loucuraSão todos os teus gestos de purezaContra uma carne tão alucinada!Se soubesses o impulso que te impeleNestas quatro paredes de minha almaNem sei o que seria deste pobreQue te arrasta sem dar um só gemido!É muito triste se sofrer tão moçoSabendo que não há nenhum remédioE se tendo que ver a cada instanteQue é assim mesmo, que mais tarde passaQue sorrir é questão de paciênciaE que a aventura é que governa a vidaÓ ideal misérrimo, te quero:Sentir-me apenas homem e não poeta! E escuto... Poeta! triste Poeta!Não, foi certamente o vento da manhã nas araucáriasFoi o vento... sossega, meu coração; às vezes o vento parece falar...E escuto.. . Poeta! pobre Poeta!Acalma-te, tranqüilidade minha... é um passarinho, só pode ser um passarinhoEu nem me importo... e se não for um passarinho, há tantos lamentos nesta terra...E escuto... Poeta! sórdido Poeta!Oh angústia! desta vez... não foi a voz da montanha? Não foi o eco distanteDa minha própria voz inocente?Choro.Choro atrozmente, como os homens choram.As lágrimas correm milhões de léguas no meu rosto que o pranto faz gigantesco.Ó lágrimas, sois como borboletas dolorosasVolitais dos meus olhos para os caminhos esquecidos…Meu pai, minha mãe, socorrei-me!Poetas, socorrei-me!Penso que daqui a um minuto estarei sofrendoEstarei puro, renovado, criança, fazendo desenhos perdidos no ar…Venham me aconselhar, filósofos, pensadoresVenham me dizer o que é a vida, o que é o conhecimento, o que quer dizer a memóriaEscritores russos, alemães, franceses, ingleses, norueguesesVenham me dar idéias como antigamente, sentim entos como antigamenteVenham me fazer sentir sábio como antigamente!Hoje me sinto despojado de tudo que não seja músicaPoderia assoviar a idéia da morte, fazer uma sonata de toda a tristeza humanaPoderia apanhar todo o pensamento da vida e enforcá-lo na ponta de uma clave de Fá! Minha Nossa Senhora, dai-me paciênciaMeu Santo Antônio, dai-me muita paciênciaMeu São Francisco de Assis, dai-me muitíssima paciência!Se volto os olhos tenho vertigensSinto desejos estranhos de mulher grávidaQuero o pedaço de céu que vi há três anos, atrás de uma colina que só eu seiQuero o perfume que senti não me lembro quando e que era entre sândalo e carne de seio.Tanto passado me alucinaTanta saudade me aniquilaNas tardes, nas manhãs, nas noites da serra.Meu Deus, que peito grande que eu tenhoQue braços fortes que eu tenho, que ventre esguio que eu tenho!Para que um peito tão grandePara que uns braços tão fortesPara que um ventre tão esguioSe todo meu ser sofre da solidão que tenhoNa necessidade que tenho de mil carícias constantes da amiga?Por que eu caminhandoEu pensando, eu me multiplicando, eu vivendoPor que eu nos sentimentos alheiosE eu nos meus próprios sentimentosPor que eu animal livre pastando nos camposE príncipe tocando o meu alaúde entre as damas do senhor rei meu paiPor que eu truão nas minhas tragédiasE Amadis de Gaula nas tragédias alheias? Basta!Basta, ou dai-me paciência!Tenho tido muita delicadeza inútilTenho me sacrificado muito demais, um mundo de mulheres em excesso tem me vendidoQuero um pousoMe sinto repelente, impeço os inocentes de me tocaremVivo entre as águas torvas da minha imaginaçãoAnjos, tangei sinosO anacoreta quer a sua amadaQuer a sua amada vestida de noivaQuer levá-la para a neblina do seu amor... Mendelssohn, toca a tua marchinha inocenteSorriam pajens, operárias curiosasO poeta vai passar soberboAo seu abraço uma criança fantástica derrama os óleos santos das últimas lágrimasAh, não me afogueis em flores, poemas meus, voltai aos livrosNão quero glórias, pompas, adeus!Solness, voa para a montanha, meu amigoComeça a construir uma torre bem alta, bem alta...
 
Itatiaia - RJ, 1937in Cinco elegiasin Antologia Poéticain Poesia completa e prosa: "Intermédio elegíaco"

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