A vida começa aos 60?
Uma crônica sobre as rotinas que podem ser reinventadas
20/04/2010
Por Cida Torneros*
A quarta-feira parecia pequena para o tanto de coisas que ela tinha a resolver. Uma passada no intituto de depilação, coisa importante para garantir a textura macia da ausência de pelos no corpo exposto ao sol da praia que ela planejava ir no fim de semana. O cuidado com a manicure, mãos e pés tratados e devidamente esmaltados numa cor café, que em sua pele clara realçava tão bem. Não podia esquecer de apanhar as duas calças compridas novas naquela loja onde fizera umas comprinhas básicas e que tinham ficado de fazer novas bainhas. O salão de cabeleireiro, tintura, corte e escova, coisas fundamentais, pois na quinta, bem cedo, lá estaria ela, mais uma vez, apresentando o seminário anual da federação de médicos, onde teria o prazer de conviver por dois dias, com os temas relativos à saúde e a preocupação com a mídia que divulga ou distorce assuntos tão delicados, de grande responsabilidade na informação ao público em geral.
No cair da noite, ainda bem, a esperava o profissional da grife francesa de cosméticos e maquiagem, para um tratamento especial, e algumas novas recomendações para a pintura de um rosto sempre cuidado, expressivo e luminoso, segundo as bulas explicativas dos produtos que ela compraria sem lamentar custos, refletindo que ecominazaria, pois devia ser muito mais cara uma cirurgia plástica. Ela decidira, por foro íntimo, nunca vir a fazer uma dessas, por motivos estéticos. Preferia cuidar da pele, da alimentação, dos exercícios físicos, da emoção ( fazia psicanálise há 12 anos) para manter-se ativa, bonita e feliz consigo mesma.
O dia corria, a quarta parecia pequena, todavia, ao chegar em casa, ainda assistiu um pouco de televisão, repassou o texto do que ia falar ao microfone do dia seguinte, enrolou os cabelos para que brilhassem soltos na manhã do dia seguinte, passou o creme de limpeza, o hidradante, não esqueceu do anti-rugas em volta dos olhos, releu mais um capítulo do seu atual livro de cabeceira ( Mulheres que correm com os lobos), orou algo em agradecimento pela alegria de viver, deu uma ligadinha para dizer boa noite à mãe de 83 anos, deixou recado na secretária eletrônica do filho de 32, pensou no seu namorado distante ( de 42) , mas que esperava reencontrar no fim de semana, se conseguissem conjugar agendas, pois o moço avisara das ondas fortes e do seu intento de surfar aproveitando o clima propício, o que, a ela, dava uma pontinha de orgulho, por sabê-lo tão cheio de vida e tão amante da natureza.
Então, ajeitou-se na cama, plena de deveres cumpridos, satisfeita pelas promessas de um amanhã comprometido de afazeres, adormeceu e sonhou que era mesmo uma menina saltitante descobrindo os segredos da vida. Ao acordar, cedinho, disse para si própria..." agora eu sei, a vida começa aos 60!" E correu para o seminário, calçando uns sapatos salto 10, elegante, feliz, observando o sol que a iluminava e o céu azul que lhe premiava com a certeza da desimportância de contar os anos, já que sua alma era tão jovem quanto o brilho dos seus olhos.
*Cida Torneros é jornalista
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