Maracanã

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sábado, 4 de dezembro de 2010

A Bárbara Iansã

A Bárbara Iansã


É fogo! Diria a menina desavisada, diante do seu impasse inusitado quando o mundo parece se dividir em milhões de pedaços incandescentes e são tantos os caminhos a escolher para trilhar.


A luz entontece, a alma se confunde, o peito explode, o universo se faz borbulha de vulcão interno. Ser mulher e ser guerreira se torna sinônimo nessa vida moderna, onde cada boca pintada com batom luminoso grita o coro das corajosas em fila indianamente formada para abraçar felicidade e futuro.

No vai que vai, a senhora prometida amansa as intempéries, mulher quebra tabus, avança no caminho da decisão, ama seu homem, seus filhos, enfrenta a tempestade da sobrevivência. Como formiguinha carregadeira de tarefas, ela viaja nos coletivos que a destinam ao trabalho diário, e sonha com a identificação da deusa mista, nas figuras de Bárbara e Iansã.


- Sou filha de Iansã! Repete a jovem afogueada e risonha, batendo com a mão espalmada sobre o coração na cadência de cada novo dia.


Isso acontece na Bahia, em termos regionais, mas se espalha pelo Brasil, como um inconsciente disseminado através de arquétipos femininos repetidamente cantados nas canções populares e nas festividades do 4 de dezembro.

Mulher de briga, cada filha dela, nada tem a temer quando se posta diante do desafio optando por ser representante do milagre fecundo da procriação.

O fogo dominado pelos bombeiros que invocam sua proteção é mesmo um espectro do calor que vem do útero em furor, da mãe-terra a cuspir labaredas que alimentam fé e glória. Mais que isso, até, chamas que garantem não só a expressão do sincretismo religioso, mas, sobretudo, o teor feminino que só emerge do fogo das paixões.


A menina mestiça que dança nos folguedos da comunidade intui sua condição de seguidora de alma chamuscada, suporte da condição capaz de derreter com olhares, gestos, abraços, beijos, cumprimentos, reverências, volteios, gritos de ordem, cânticos ou lamentos, ladainhas ou “pontos”, rezas ou louvores.

Há que se pedir piedade a Iansã, por cada mãe adolescente, cada mulher vítima da violência doméstica, cada mãe que perde seu filho na loucura do crime, cada esposa cuja ilusão do casamento feliz se esvai no ralo do destrato ou do abandono, cada fêmea em crise existencial, cada executiva imersa no comércio infindo do trabalho em lugar do carinho, cada artista solitária no ofício de emocionar seu público, cada professora empenhada em clarear mentes aprisionadas pela escuridão, cada médica comprometida pela saudável busca do equilíbrio físico e mental, e muitas mais.
Senhora dos relâmpagos, por sobre os mares revoltos, lá vem ela, a Bárbara Iansã, mais uma vez, na ardência do seu estigma, incendiar cada alma feminina, de menina que se faz mulher, a buscar queimar-se na imensidão à sua espera.

Aparecida Torneros

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