segunda-feira, 17 de maio de 2010

Como um madrigal... ( escrito em 2007)



Como um madrigal...



Acordo com a emoção à flor. Há um sol imenso adentrando no meu quarto. Na memória recente ainda vejo a luz da lua da noite passada, desde o Forte de Copacabana. A vernissage promovida pela Casa da Fazenda, de São Paulo, aconteceu no Rio, com artistas colorindo a vida, através dos seus quadros a retratar emoções insurgentes.


Carlos, meu amigo "mecenas", trazendo de Jundiaí, a pintora Ângela, como seus nus femininos, na fantasia das curvas buscando exprimir o conceito do belo de um corpo humano sempre único. Vou lembrando das imagens que fixei na retina de tantos outros múltiplos trabalhos de tanta gente expressiva. Brasília retratada como um corpo humano. Conversei com a jovem autora e com o pesquisador da tese mística, que explica o plano piloto como se fôra concebido a partir da anatomia.


Sigo na manhã. Deixo-me ir com o som da canção hispânica que preciso agora. Fala de um madrigal, que é trazer dentro do peito o amor de alguém. Aí, registro o momento em que vi o embelezamento do Chico Caruso diante de uma obra que estampava o corpo deformado pelo tempo de uma senhora idosa e nua. Ele ia e voltava e parava ali, diante da tela exposta. Seu pensamento parecia emanar brilhos de elucidação, me atrevi concluir, enquanto eu mesma buscava introjetar o amor que todos trazemos no peito, de alguma forma.


A noite se completou com um jantar com o casal de amigos,e depois, o caminho solitário para casa, e a sensação de ter incorporado mais histórias ao relicário que vou amealhando com a vida dos que trocam suas histórias comigo, enquanto os aceito como são, sem juízo de valor, por ser quem costumam ser, pessoas capazes de exprimir sentimentos, de viver a vida, o que é mistério e desafio.


O calor espicaça meus sentidos agora. Há um verão transbordante no meu coração. Há uma luz extasiante nas figuras pintadas na dor da criação, quando alguém precisa parir amores que já nascem assim, fadados a se transformarem em madrigais amealhados nos anos.


Sei que esses amores existem, para que sejam pintados em telas de todos os matizes, cantados em verso e prosa com todas as palavras, ou se transformem tão somente em objetos de recordação, retirados dos guardados de armários emocionais fictícios, para que apanhem o ar antioxidante de uma manhã em verão escaldante, como este agora, parando de novo o tempo.


Então, me disponho a sentir uma ponta de saudade de tanto quadros impressos na memória visual, já que eles seguirão como um madrigal, transmutando formas no meu caminho, intercalando real com imaginário, sem definir a linha tênue em que termina o sonho e devo acordar para a realidade.


Aparecida Torneros

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