terça-feira, 11 de maio de 2010

Carinho de Gueixa



Carinho de Gueixa



Maria Aparecida Torneros da Silva


Nos idos do século XX, bem no tempo em que aquele povo vivia o ressurgimento econômico impulsionado por uma incrível busca tecnológica, apesar do contraste de tradições milenares, a jovem jornalista latino-americana surpreendeu-se com a superdose de história, quando a gueixa, de 54 anos, aconselhou-a a conservar em si um certo carinho cultivado. Soou estranhamente aos seus ouvidos aquele ensinamento sábio. Era como um bálsamo de luminosidade tênue, vindo daqueles lábios mansos, em rosto de giz, corpinho franzino, de uma mulher que lhe contava sobre a adolescência, no exato momento em que decidiu que seria gueixa. A entrevista, publicada em revista de grande circulação, talvez não tivesse ainda conseguido retratar pormenorizadamente, tal a imaturidade da profissional iniciante, a profundeza realista de um dado até certo ponto tão banal.

Passados mais de trinta anos, agora, sim, ela compreendia o alcance daquelas palavras na sua vida de altos e baixos amorosos. Carinho de gueixa era tudo o que devia oferecer ao homem amado. Aprendera a emanar da ponta dos dedos vagarosos um certo calor capaz de apaziguar alma penante ao mais brando toque. Era assim mesmo aquele instante de doação sublime, roubado do tempo de feminilidade com doçura e esperteza. Bastava aconchegar o corpo do parceiro elevando à condição de infante o homem que se entregava aos seus braços, deixando-o à mercê da paz mais reconfortante. A cada vez que acariciava a pele dele, sussurrando expressões de afeto, a criatura vivida recordava a figura da senhora japonesa, em trajes floridos, sentada à sua frente, num bar de hotel cinco estrelas, na cidade de Tóquio, no meio da noite, explicando-lhe a diferença sutil entre uma prostituta e uma gueixa. Ficou atenta ao linguajar da bela de olhos puxados, cujo discurso um intérprete ia tornando claro, tentando absorver daquela representante genuína de uma cultura tão diferenciada da sua, cada detalhe, cada suspiro, cada sorriso lânguido. Havia magia naquele encontro. Desde a chegada, em passinhos curtos, a pequenina dama do oriente a fascinara. Não havia como definir sua idade, isso só foi possível porque ela revelou durante o colóquio, à medida que se estabeleceu entre elas, uma certa confiança identificada pela feminilidade de ambas.

Não esperava mais do que um bom conteúdo para uma exótica reportagem sobre uma prática social onde as mulheres gueixas, em plena modernidade, ainda conservavam ao dedicarem suas vidas ao destino de servir aos homens, acalentá-los, entretê-los, servi-los com chá e canções, banhos e massagens. Porém, a repórter de apenas 22 anos foi premiada com muito mais. Obteve da senhora, algumas confissões impublicáveis, na época, que, gentilmente guardou para si, com respeito.

Também, no ápice do ping-pong, aquela mulher de aparência frágil expressou a fortaleza do espírito iluminado, sem queixar-se do cotidiano, ao contrário, demonstrou um orgulho latente do trabalho importante que era tornar os homens felizes ao seu lado. Falou da necessidade de manter a ala masculina em estado de graça, para que sua responsabilidade fluisse em prol da humanidade. A tal nipônica, saída dos livros de contos fantásticos, estava viva, era real, nem parecia se importar com a velocidade do trem bala, ou com a parafernália de som e imagem que começava a invadir a vida do seu povo na corrida pelo desenvolvimento econômico. Foi então, que ao finalizar seu encontro, as duas tiveram as mãos entrelaçadas, troca intensa de olhares, como pano de fundo para a lição principal.

Ao se despedirem, naquela madrugada de 1972, a cidade silenciosa ficou para sempre na sua memória como o lugar de grande contraste. Hoje, ainda ouve, no seu mais interiorizado sentido de amor, a voz maviosa e anestesiante da linda senhora japonesa. - Querida, guarde em você, como lembrança do Japão, que o segredo da felicidade de um homem, é ter uma mulher com carinho de gueixa. Quando estiver com o seu amor, lembre-se disso! Eu me lembro sempre. Como vou esquecer que fui repórter da velha revista O Cruzeiro, para a qual escrevi a matéria "Uma gueixa de meia idade conta seus segredos"?

Aparecida Torneros

Nenhum comentário:

Postar um comentário