Maracanã

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quarta-feira, 17 de março de 2010

UM TUAREGUE BATEU NA MINHA PORTA


um tuaregue bateu na minha porta no deserto da noite negra



falando língua estranha para mim, um berbere, abandonado pelos deuses,


livre como os ventos, trouxe do sul da Libia, o gosto agri-doce das tâmaras secas...




sua linhagem materna prevalece sob o véu azul índigo que o caracteríza,


explicou-me que o Tagelmust é usado mesmo entre os familiares.




revelou-me que o protege dos maus espíritos,


mas tem a função prática de proteger contra a inclemência do sol do deserto


das rajadas de areia durante suas viagens em caravana.




seu turbante cobre também, muitas vezes, todo o rosto, exceto os olhos.


tirou da sacola a ervas para me oferecer chá de menta.





ensinou-me a saudar sua casta


descende da tradicional rainha guerreira Tin-Hinan e seu companheiro Takama.


a casta nobre, Imajeren, é de guerreiros, como ele.


mostrou-me a espada Takoba, com seu formato semelhante às espadas medievais das cruzadas.



nômade, ele me olhou com atenção e certa calma.


um tuaregue veio em busca do repouso para o guerreiro envolto em constantes conflitos.



vi suas vidas passadas, algumas tão incrivelmente fascinantes, pude reconhecer seu sangue cigano,


misturado ao encantamento da vida, que ele me fez rever e sentir outravez...



repeti o lema do povo cigano: " O Céu é meu teto; a Terra é minha pátria e a Liberdade é minha religião",


sussurrei no seu ouvido, levei-o diante de Santa Sara


ali, sem que ele percebesse, fiz a prece de que precisava...


um tuaregue, que ao mesmo tempo é cigano, bateu na minha porta, alimentou-se da minha energia,


aconchegou-se no meu teto, provou do meu sabor feminino, conquistou minha confiança...


um tuaregue viajou em busca do recomeço e o encontrou, na paz da manhã de sol, junto do meu peito...


mas ele voltará a guerrear porque é seu destino, sei disso, vou encorajá-lo, é um vencedor...



um tuaregue surpreendeu minha alma com o olhar mais profundo que alguém já terá me oferecido,


e, na melhor parte dessa história, eu o vi transformar-se em principe das marés e quando venceu as ondas,


pude observar sua linda dança em torno dos oceanos, e pude sentir a profundidade da sua oração da noite.


um cigano me acordou na madrugada do tempo, fez-me ver que há muitas vidas em cada conjunto de luzes,


apontou-me como alento, o amor, e me fez adormecer protegida por seu abraço generoso,


pude então sonhar com o tuaregue que me surgira na soleira da porta de entrada da casa da minha infância...




saudei o tuaregue, reverenciei o cigano, abracei o homem, perdi-me em seus carinhos, aquietei no seu domínio,


saudei silenciosamente suas viagens e a cada uma delas, rezo pela alegria da sua volta ao meu convívio...
                                              Cida Torneros

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