Maria Aparecida Torneros da Silva é carioca, jornalista e poeta. Tem 60 anos, escreve artigos para jornais e sites. Trabalha em assessoria de imprensa no Rio de Janeiro, nas áreas de meio ambiente e obras públicas, é professora universitária e mãe do prof. Leandro Vieira. Exercendo a profissão há 40 anos, foi correspondente no Japão nos anos 70, na antiga revista O Cruzeiro. Em 2008 publicou A Mulher Necessária, livro que reúne mais de 100 artigos e crônicas. Tem mais de 400 poemas escritos e pretende publicá-los brevemente. Mora na Vila Isabel, Rio de Janeiro.
Natureza
Meu caminho é teu, não sabes, não crês?
Meu carinho é ainda teu, não vês?
Meu sonho é para ti, não percebes?
Meu poema é por ti, não o renegues...
A natureza me fez mulher como as éguas do prado...
E me deu cheiros e sabores estranhos, um fardo,
que carrego com hormônios de semear a terra,
que desdobro em gozos de conceber os frutos,
que acoberto com cada braço que encerra
um recomeço de dia, um alvorecer...
Meu momento de luz é teu, meu sol, minha luz...
Meu tormento é por ti, minha lua, que me induz...
Meu talento é pra ti, doce estrela da manhã,
quando te traio com os pássaros e a eles dou maçã...
A natureza te fez macho para meus deleites e desejos,
mas te deu asas de anjo em corpo de lobo, te deu vôos,
fez de ti um planador alado e risonho, te fez tão alto,
inalcançável até, em tantas vezes nas noites, te assalto,
te roubo a paz, te dou angústias em troca da distância..
Meu caminhar é costurado em atalhos que talho em ânsia
a adorar os campos, cobrir-me de folhas, molhar-me de chuva,
a dançar com pés na terra, agarrar-me às arvores da uva...
Minha estrada é pontilhada de brilhos quando piso a nuvem,
meu corpo é inundado de prazer quando sinto tua penugem,
meus dedos são pequenos e iluminados quando te tocam a alma
Natureza... tu me és o esplender dos deuses...
e se te tenho, nem preciso morrer porque vivo em ti
e transmuto matéria em essência, amor em eternidade calma...
Já não me perturba o fim... ele é apenas transformação
de gente em pó... de pó em gente...
Natureza... tu me invades a gruta da nascente lúdica..
e deixa brotar as águas translúcidas da verdadeira emoção..
Te chegas mais e de ti sinto o conforto pleno e doce,
pelo quanto foi justo ter amado tanto como se eu fosse
capaz de guardar o mundo, de me fazer oferenda e prenda...
Na cerimônia da floresta, só me resta, eu sei,
doar-me ao infinito sentido da natureza em festa...
E , quando as feiticeiras, em sábado feliz , se encontram,
suas vozes entoam o cântico perfeito, elas apontam,
mais caminhos, mais atalhos, mais estradas, mais trilhas,
por onde vamos, nos deixamos ir, por milhas e milhas...
Natureza,
não vês que sigo, não vês que flutuo, não vês que mudo?
Aparecida Torneros
Tsunami ( a sós)
antes da grande onda
por favor, me ame a mim
ame a humanidade toda
ame a mulher songa-monga
a criança down, o velho coxo
o pedinte sujo e o pivete esperto
ame o inimigo tolo, o macaco rhesus,
a flor entreaberta, a porta fechada
dos corações endurecidos,
antes da grande onda
por favor, me beije assim
como se fosse próximo o fim
do nosso amor e dos tempos
e se compadeça do ser humano
do pobre bicho pensante e ignorante...
antes que a água nos invada
me inunde de paixão acesa
me resplandeça
sim, me aqueça
me enterneça
e jamais se esqueça
que haverá um dia
em que a terra-mãe
acolherá nossos restos de paixão...
antes dos tsunamis
invoque os bhamas, os deuses, os avatares,
peça perdão pelos desvalidos seu desvios
seus erros de avaliação, pelas bombas atômicas
pelas criaturas atônitas
convoque a onu, dos homens nus, dos sem destino,
e entoe pra mim, um lindo hino
de paz na terra, em meio ao luto, distribua afeto
pelos desconhecidos, pelos nossos mares revoltos...
antes da grande onda,
por favor, me diga onde está seu abraço,
onde posso apaziguar meu corpo no seu cansaço
de ser quem sou, um nada a mais, uma gioconda
sem sorriso, talvez uma alma sem corpo...
mesmo assim, querido , um último pedido lhe faço:
venha para mim, antes da onda gigante,
e me faça morrer no seu calor como uma flor...
me deixe sucumbir na sua dor como um final feliz...
me veja conformar o povo do mundo com a doçura da meretriz
e não me abandone ao tsunami feroz
sem antes me sussurrar que me quer um bem abstrato
um bem sem medidas, um bem além de nós
um bem super-humano, um bem capaz de engolir o fato
de ser quem sou, pequena e frágil, se estou assim:
como meus irmãos da Ásia : a sós...
Aparecida Torneros
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