Maracanã

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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

A noite dos mascarados...



O baile de máscaras...







- Não vai dar tempo, Maria, ele repetia, esbravejando... A amiga se atrasou muito, já estava quase desistindo de ir àquela festa. Ela argumentava que estaria lá em meia hora, com as fantasias que fora buscar na costureira.






Fernando encontrava-se aflito, nem sabia ao certo porquê, há tantos anos que não participava de um baile de máscaras.


Maria o convencera, agora, não tinha saída, ele ia àquele lugar, vestido à caráter, de Pierrot, e ela, de Colombina. Onde estava com a cabeça no momento em que aceitou o assédio da amiga?






A vida era redundante, seus pensamentos voaram enquanto dirigia em direção á sua casa, onde se encontrariam para se arrumarem com seus trajes de festa. A hora era tardia, chegariam ao lugar, talvez depois da meia noite, o momento previsto para todos trocarem de pares e tentarem adivinhar as pessoas que estavam por trás das máscaras.






Do que ele tinha medo? Sim, ele sabia que sua inquietação era fruto de um temor descabido, infundado, um pavor de ser reconhecido através de um disfarce bobo, quase infantil, do tipo que ele usara quando muito jovem, nos folguedos carnavalescos em sua cidadezinha natal.






Maria era uma grande companheira, já tinham sido namorados havia décadas, quando eram muito jovens, e suas vidas haviam transcorrido em separado, apesar de manterem sempre algum contato, terem acompanhado até os seus casamentos, nascimentos dos filhos e divórcios.






Nos meses mais recentes, se reencontraram numa loja de shopping, casualmente. Ela então o saudou, feliz - Fê, lembra daquela música que sempre cantávamos nos tempos da faculdade, a que fazíamos dueto?


- A noite dos mascarados? claro que lembro, bons tempos aqueles...íamos pela orla da praia, abraçadinhos, cantando.


- Pois é, ela emendou, vai ter um baile de máscaras e eu pensei até em te ligar, vamos juntos, como dois mascarados?






Fernando olhou-a, intrigado. Os anos a tinham tornado um ser sem idade aparente. Seu sorriso ainda era de menina e seu olhar fascinante, ele se perguntou porque tinham virado tão amigos e se distanciado daquela história inicial do casalzinho de namorados da faculdade que não se desgrudavam. Maria criara filhos e ele também. Mas ela conservava a ilusão dos sonhos da vida em cada gesto destemperado, tão peculiar nos seus modos de falar e caminhar, até no seu jeito de interagir com perguntinhas rápidas:


- E aí?


- Tá pensando muito, Fê, é só um baileco pra gente desenferrujar, somos quase sessentões, né, meu amigo?






Do momento em que concordou até o dia do esperado baile, o universo conspirou entre eles, num cântico embalado pelas lembranças. Fernando caminhou na beira da praia e viu a figura de Maria, na sua imaginação como ela era naquela década de 70, tão magra e tão esvoaçante, com cabelos compridos e colares de hyppie, andando descalça na areia e vindo abraçá-lo com afeição e despudor. Aquela Maria menina o amava sem reservas. Aceitava sair com ele e os amigos todos juntos, eles eram da turma do cinema, faziam curtas, sonhavam ser cineastas e Maria os incentivava, ficando ali, do seu lado, por madrugadas inteiras, nas conversas que mantinham, e nos planos que tinham de irem viver em Paris, Fernando e sua turma. Maria estava de fora, eles não a incluíam nessa. Estudavam francês, organizavam-se, ela sabia que iriam viajar um dia , sem ela, e nem ligava. Maria se conformava, escrivia versos: " Fernando será Paris, dentro em breve, em tarde amena, à beira do Sena".






O homem reviu o rosto de Maria demonstrando perplexidade, numa noite de frio, ele reviveu, foi de uma coragem ímpar. Ela lhe deu carta de alforria, disse mesmo : - Vá , Fê, viaje pra sua Paris, com seus amigos e seja feliz. Vença na sua carreira de cineasta e me deixe livre. Eu saberei me cuidar. Só quero ver o seu sucesso. Não se prenda por mim...






Na verdade, o mundo era imenso, ou parecia imenso, o curso da faculdade chegou ao fim. Maria namorou alguém e casou, ele soube depois. Fernando viajou com os amigos, não fez nem carreira e nem sucesso, mas conheceu uma arquiteta e casou com ela. Estiveram afastados por mais de 10 anos, até que, numa tarde, ela o recebeu no seu local de trabalho.






Quem entrou, anunciado por sua secretária, era o engenheiro Fernando, que a descobrira finalmente. Ele trouxe um caloroso abraço e a observou com aqueles inesquecíveis olhos verdes. Riram juntos, ele mostrou fotos dos filhos, contou que estava casado e feliz e que era muito bom encontrá-la assim, também casada, mãe de filhos, e feliz.






Despediram-se, trocaram telefones. Ligaram-se em alguns desses Natais em que a gente busca alguém do fundo do túnel do tempo para saudar. Nada demais, eles sempre pensavam que eram mesmo grandes amigos.






Até que aconteceram duas festas. Uma, num clube de bairro, festa política, e ele a viu, veio abraçá-la, por trás, tapou seus olhos, mas ela sentiu suas mãos e incrivelmente reconheceu pelo toque... -meu Deus, é vc, Fê?


Sorrisos emocionados, abraços, pouca conversa, correria, a alegria de se verem e ela contou que já não estava mais casada, ele desconversou sobre sua vida amorosa.






Outra festa, agora, na quadra de ensaio de uma escola de samba. Ela o viu, era ele mesmo, o Fê...correu até ele, que tinha a companhia de um amigo, e se abraçaram, felizes, afinal estavam inteiros e haviam se passado 30 anos. Ele brincou: - Minha eterna namoradinha... entretanto, não marcaram nada e deixaram que o tempo corresse.






Aí, uns quatro anos depois , o encontro no shopping e o baile de máscaras. Chegara o dia. Maria e Fernando finalmente se fantasiaram e foram à festa. Chegaram lá quase na hora do troca-troca. Embaralharam-se na multidão. O clima era de entorpecimento, olhos envolvidos em coloridos disfarces espreitavam histórias de pessoas.






Houve um momento em que a música parou. O mestre de cerimônias pediu a atenção de todos. Perguntou se algum dos presentes conhecia a música do Chico Buarque, a noite dos mascarados. Maria e Fernando se procuraram no salão. Eles conheciam e bem. Sabiam cantar e fariam isso, para comemorar mais esse reencontro. Dirigiram-se ao palco. Subiram, pegaram os microfones.






O que se viu e ouviu foi como água benta lavando almas que valorizam os momentos. Quando eles começaram a cantar, houve gente que até chorou. - Quem é você , adivinha se gosta de mim, hoje dois mascarados procuram os seus namorados perguntando assim...Quem é você, diga logo que eu quero saber o seu jogo...






De repente, todo o público cantava junto com eles:


- Quem é você?


- Adivinha se gosta de mim


Hoje os dois mascarados procuram os seus namorados perguntando assim:


- Quem é você, diga logo...


- ...que eu quero saber o seu jogo


- ...que eu quero morrer no seu bloco...


- ...que eu quero me arder no seu fogo


- Eu sou seresteiro, poeta e cantor


- O meu tempo inteiro, só zombo do amor


- Eu tenho um pandeiro


- Só quero um violão


- Eu nado em dinheiro


- Não tenho um tostão...Fui porta-estandarte, não sei mais dançar


- Eu, modéstia à parte, nasci prá sambar


- Eu sou tão menina


- Meu tempo passou


- Eu sou colombina


- Eu sou pierrô


Mas é carnaval, não me diga mais quem é você


Amanhã tudo volta ao normal


Deixa a festa acabar, deixa o barco correr, deixa o dia raiar


Que hoje eu sou da maneira que você me quer


O que você pedir eu lhe dou


Seja você quem for, seja o que Deus quiser


Seja você quem for, seja o que Deus quiser






Abraçaram-se forte e decidiram tirar as máscaras, na frente do público. Finalmente, Maria e Fernando, se sentiam desmascarados para assumir seu amor sem mais ter que esperar por encontros casuais. Sussurravam um no ouvido do outro, seja você quem for, seja o que Deus quiser...


Aparecida Torneros

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