Maracanã

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terça-feira, 3 de novembro de 2009

Vinícius de Morais, poesia sempre linda pra reler e sentir...

Soneto da Fidelidade (Vinícius de Morais)







E tudo, ao meu amor serei atento


Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto


Que mesmo em face do maior encanto


Dele se encante mais meus pensamentos


Quero vivê-lo em cada vão momento


E em seu louvor hei de espalhar meu canto


E rir meu riso e derramar meu pranto


Ao seu pesar ou seu contentamento


E assim quando mais tarde me procure


Quem sabe a morte, angústia de quem vive


Quem sabe a solidão, fim de quem ama


Eu possa me dizer do amor (que tive)


Que não seja imortal, posto que é chama


Mas que seja infinito enquanto dure






Soneto do Amor Total (Vinícius de Morais)






Amo-te tanto meu amor... não cante


O humano coração com mais verdade...


Amo-te como amigo e como amante


Numa sempre diversa realidade.


Amo-te enfim, de um calmo amor prestante


E te amo além, presente na saudade.


Amo-te, enfim, com grande liberdade


Dentro da eternidade e a cada instante.


Amo-te como um bicho, simplesmente


De um amor sem mistério e sem virtude


Com um desejo maciço e permanente.


E de te amar assim, muito e amiúde


É que um dia em teu corpo de repente


Hei de morrer de amar mais do que pude.






Soneto de Devoção (Vinícius de Morais)






Essa mulher que se arremessa, fria


E lúbrica em meus braços, e nos seios


Me arrebata e me beija e balbucia


Versos, votos de amor e nomes feios.


Essa mulher, flor de melancolia


Que se ri dos meus pálidos receios


A única entre todas a quem dei


Os carinhos que nunca a outra daria.


Essa mulher que a cada amor proclama


A miséria e a grandeza de quem ama


E guarda a marca dos meus dentes nela.


Essa mulher é um mundo! - uma cadela


Talvez... - mas na moldura de uma cama


Nunca mulher nenhuma foi tão bela!






Ausência (Vinícius de Morais)






Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar seus olhos que são doces...


Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres exausto...


No entanto a tua presença é qualquer coisa, como a luz e a vida...


E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto...


E em minha voz, a tua voz...


Não te quero ter, pois em meu ser tudo estaria terminado...


Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados...


Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada...


Que ficou em minha carne como uma nódoa do passado...


Eu deixarei...Tu irás e encostarás tua face em outra face...


Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada...


Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu...


porque eu fui o grande íntimo da noite...


Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa...


Porque os meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço


E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.


E eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos


Mas eu te possuirei mais que ninguém, porque poderei partir.


E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas,


serão a tua voz presente, tua voz ausente, a tua voz serenizada.






Vinícius de Morais






Ai, quem me dera terminasse a espera


Retornasse o canto simples e sem fim


E ouvindo o canto se chorasse tanto


Que do mundo o pranto se estancasse enfim


Ai, quem me dera ver morrer a fera


Ver nascer o anjo, ver brotar a flor.


Ai, quem me dera uma manhã feliz.


Ai, quem me dera uma estação de amor


Ah, se as pessoas se tornassem boas


E cantassem loas e tivessem paz


E pelas ruas se abraçassem nuas


E duas a duas fossem ser casais


Ai, quem me dera ao som de madrigais


Ver todo mundo para sempre afim


E a liberdade nunca ser demais


E não haver mais solidão ruim


Ai, quem me dera ouvir o nunca-mais


Dizer que a vida vai ser sempre assim


E, finda a espera, ouvir na primavera


Alguém chamar por mim.










De Repente (Vinícius de Morais)






De repente do riso fez-se o pranto


Silencioso e branco como a bruma


E das bocas unidas fez-se a espuma


E das mãos espalmadas fez-se o espanto.


De repente da calma fez-se o vento


Que dos olhos desfez a última chama


E da paixão fez-se o pressentimento


E do momento imóvel fez-se o drama.


De repente, não mais que de repente


Fez-se de triste o que se fez amante


E de sozinho o que se fez contente.


Fez-se do amigo próximo o distante


Fez-se da vida uma aventura errante


De repente, não mais que de repente.






Soneto a Quatro Mãos (Paulo Mendes Campos/ Vinicius de Morais)






Tudo de amor que existe em mim foi dado.


Tudo que fala em mim de amor foi dito.


Do nada em mim o amor fez o infinito


Que por muito tornou-me escravizado.


Tão pródigo de amor fiquei coitado


Tão fácil para amar fiquei proscrito.


Cada voto que fiz ergueu-se em grito


Contra o meu próprio dar demasiado.


Tenho dado de amor mais que coubesse


Nesse meu pobre coração humano


Desse eterno amor meu antes não desse.


Pois se por tanto dar me fiz engano


Melhor fora que desse e recebesse


Para viver da vida o amor sem dano.






A Rosa de Hiroshima (Vinícius de Morais)






Pensem nas crianças


Mudas telepáticas


Pensem nas meninas


Cegas inexatas


Pensem nas mulheres


Rotas alteradas


Pensem nas feridas


Como rosas cálidas


Mas oh não se esqueçam


Da rosa da rosa


Da rosa de Hiroshima


A rosa hereditária


A rosa radioativa


Estúpida e inválida


A rosa com cirrose


A anti-rosa atômica


Sem cor sem perfume


Sem rosa sem nada






Pela Luz dos Olhos Teus (Vinícius de Morais)






Quando a luz dos olhos meus


E a luz dos olhos teus


Resolvem se encontrar


Ai que bom que isso é meu Deus


Que frio que me dá o encontro desse olhar


Mas se a luz dos olhos teus


Resiste aos olhos meus só pra me provocar


Meu amor, juro por Deus me sinto incendiar


Meu amor, juro por Deus


Que a luz dos olhos meus já não pode esperar


Quero a luz dos olhos meus


Na luz dos olhos teus sem mais lará-lará


Pela luz dos olhos teus


Eu acho meu amor que só se pode achar


Que a luz dos olhos meus precisa se casar.






Vinícius de Morais






Eu sei e você sabe


Já que a vida quis assim


Que nada nesse mundo levará você de mim


Eu sei e você sabe


Que a distância não existe


Que todo grande amor


Só é bem grande se for triste


Por isso meu amor


Não tenha medo de sofrer


Que todos os caminhos


Me encaminham a você.


Assim como o Oceano, só é belo com o luar


Assim como a Canção, só tem razão se se cantar


Assim como uma nuvem, só acontece se chover


Assim como o poeta, só é bem grande se sofrer


Assim como viver sem ter amor, não é viver


Não há você sem mim


E eu não existo sem você!

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