A entrevista publicada no domingo, dia 4 de outubro é precedida de um esclarecimento que antecipa aos leitores sobre as circunstâncias do "ping-pong" que se segue. O box introdutório fala em "adversidade", reencontro da entrevistada Dilma Housseff com o entrevistador Jorge Bastos Moreno, fala da sobrevivência diante da doença, da cura anunciada para o câncer após tratamento e na longa conversa que se iniciou num café da manhã e se estendeu quase até a hora do almoço. O jornalista deixa entrever que a ministra abriu mão da agenda oficial para divagar nas ondas da emoção que é recuperar a sede de viver, citando inclusive " Hoje percebo a intensidade da tarde. Observo atentamente o que o vento faz com as folhas das árvores, sionto o perfume das flores e o cheiro da terra". A partir daí, segue-se um abrir de um coração de candidata, ou melhor, um coração feminino, prestes a se "apaixonar" por algo ou alguém mais humano e menos administável, do ponto de vista de qualquer autor de novela, digamos que a reportagem em destaque no jornal O Globo, revela uma "nova" Dilma, que relembra até as novelas que assistiu ainda jovem, na cadeia, acompanhada das outras presas políticas. Mas, ela vai além, repensa sobre a paixão, fala de literatura, de música, aliás, canta algumas letras famosas, segundo seu interlocutor, o jornalista Moreno, hábil no mister de deixar a entrevistada tão à vontade que ela responde "infelizmente não", logo de cara, à primeira pergunta formulada. -" A senhora está namorando? Está apaixonada?"
Assim, o que é possível ler, tanto ao pé da letra, como nas entrelinhas da peça jornalística, traz o perfil dos sentimentos de uma mulher como qualquer outra, que vê a vida com olhos de quem precisa divulgar que convive bem com a solidão, porque, na verdade, ela mesma classifica " é o bom convívio consigo mesmo".
Dilma lista suas preferências musicais, tão variadas e de um teor eclético presumível para quem trafega em mundos populares e eruditos, com a missão profissional de melhor entender o povo ao qual se postula como possível candidata a governar, em eleições que esmiuçarão tudo, desde de sua vida pessoal, passando pelo seu comportamento político, e incluindo o nível de equilíbrio necessário para alguém que pode vir a comandar um país como o Brasil.
Se candidata, e se eleita, pela primeira vez, o Brasil terá uma mandatária usando saias , batons e brincos, sem perder de vista que estarão a seu cargo, como chefe do Executuivo, observar com atençaõ os números do PIB, os investimentos necessários para o crescimento da renda per capita das classes mais baixas, e ainda, manter-se serena e conciliadora, por vezes, e noutras, ter pulso firme, apaziguar questões adversas, articular apoios, ser "anticaos".
Ela cita o livro "anticâncer" como o que mais ganhou durante a fase difícil da doença que enfrentou, diz que deve ter recebido uns 20 exemplares, que o leu, que valeu a pena e que o distribuiu em São Paulo, provavelmente, entre os doentes que conheceu.
A entrevistada relembra o personagem Sinhozinho Malta, vivido pelo ator Lima Duarte, e conta que a primeira novela que lembra de ter assistido foi Irmãos Coragem, nos tempos da cadeia. Dilma solta-se pelos caminhos sensitivos da musicalidade, da literatura, da tietagem por Roberto Carlos, do qual diz gostar demais, e aponta "Debaixo dos caracóis dos seus cabelos", como uma das suas preferidas.
Cantarola uma do Chico : " A Rita levou meu sorriso, no sorriso dela ..." e se diz apaixonada por aquela intitulada "Quem te viu , quem te vê". Destaca o trecho que gosta mais: " Hoje eu vou sambar na pista, você vai de galeria, quero que você assista, na mais fina companhia".
Do Gil, ela fala em Procissão, e tenta lembrar outras, e do Pinxiguinha, ela lembra de Rosa. Canta uma parte memorável; " Tu és, divina e graciosa, estátua majestosa do amor, por Deus esculturada"
Mas quando se refere a Noel Rosa, a ministra canta inteira a que fala na Noite de S. João.
A entrevista, que ocupou página inteira, e ainda prossegue em meia página mais adiante, acrescenta muito mais sobre os gostos musicais e literários da Dilma candidata, da Dilma cantadora, da Dilma sobrevivente de doença grave, da Dilma que adora João Cabral de Melo Neto, que chega a lembrar dos sonhos infantis, um deles, segundo ela, o que durou mais tempo, o de ser bailarina.
O inusitado da reportagem, em termos de informação ao público que, estatísticamente, parece mesmo conhecê-la ainda muito pouco, e deve ter sido o fato de que um jornal de grande circulação, num domingo de amplo espectro de leitores, se dispôs a divulgar o coração da candidata Dilma.
Uma senhora que está sendo preparada para tentar a disputa no pleito máximo da condução dos caminhos nacionais, e que, até agora, falava de pré-sal, de usinas termo-nucleares, de obras e orçamentos para o programa de aceleração do crescimento, ou se defendia de tiroteios políticos naturais que partem de adversários também interessados na mesma luta pelo poder, ou na democrática e oportuna onda de colocações plausíveis entre situação e oposição.
Pois a "poderosa" Dilma foi apresentada, de coração aberto, digamos assim, entre os devaneios do seu interlocutor, ou os sonhos agora difundidos para os homens disponíveis que se habilitarem a se candidatar a um lugarzinho especial no tal "coração apaixonável" ( por que não?) da candidata a nossa chefe de Governo.
O próprio Jorge Bastos Moreno deixou escapar no seu texto que " esse é o mistério que a campanha eleitoral certamente não vai revelar - uma pena para um país que nunca teve um primeiro-damo".
Aparecida Torneros
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