sábado, 24 de outubro de 2009

My Fair Lady e conjecturas sobre o amor prepotente e os fracassos amorosos

Domingo, 3 de novembo de 2008, 17:32
Contardo,



esta semana, peguei numa dessas bancas de saldos em dvds o clássico My Fair Lady


e numa dessas madrugadas insones, resolvi assistir.. quer dizer, rever, depois se quase 30 anos, ou terá sido mais...sim..muito mais


eu era adolescente...lembro agora, do que senti ao ver a cena em que ela cantarola pelas escadas I could have dance all night..sonhando com o baile em que seria apresentada á corte.


decorei , na época a canção quase inteira...


este reencontro com o Pigmalião...foi me trazendo à memória minhas histórias pessoais de relacionamentos tão díspares.. e de repente, me deparo com um texto seu, antigo acho, sobre o amor prepotente da história que o cinema e o teatro imortalizaram.


aí, leio tudinho, com atenção...


me vejo, ora, não é novidade, todos, em algum momento , idealizamos pessoas e tentamos amoldá-las aos nossos gostos...desejos...expectativas...


e nos fudemos ( desculpe o palavreado tão xulo!)


aí, vem aquele vazio monumental do quanto perdemos tempo sonhando com o impossível


impossible dream... ( sonho impossível)


palavras, ações e sentimentos jogados no lixo...


não foi à toa que esse texto seu me chegou hoje...


tb não foi à toa e ao acaso que eu revi o My Fair Lady com a maravilhos Audrey Hepburn.


as coinscidências existem...e devem ter motivo maior...


ainda vou descobrir


mas resolvi compartilhar pq eu tb li R. D. Laing, o Eu dividido , qdo tinha 22 anos...e foi para escrever uma reportagem sobre esquizofrenia...para a revista O Cruzeiro, eu nem era estudante da área, nada disso, mas precisava me informar melhor para perguntar aos psiquiatras que entrevistei...


coincidência? o livro dele me marcou muito...lembro da capa, em preto e branco, a imagem de dois meios rostos...


e... um dia, como hoje, tantas décadas depois... eu me vejo assim


dividida... sim...entre a razão e a emoção, tentando me libertar de sentimentos pigmaliônicos, e ainda por cima ( ou por baixo, talvez seja mais próprio), com imensa e desconfortável sensação de ter fracassado novamente nas expectativas amorosas com mais um macho da sua espécie ( desculpe, mas o "sua"...é real) pq na minha espécie, ainda somos meio abobalhadas em qualquer idade e imaginamos príncipes que são sapos, ou pares que são ímpares, nem caminham ao nosso compasso e nunca irão caminhar...páro por aqui...e viva as coincidências, mesmo as infelizes...


beijo


Cida


e o seu texto , prego aí embaixo, ok?


assim vc tb se lembra melhor do que estou falando...






Segunda-feira, 2 de Abril de 2007



O amor é prepotente: sempre acreditamos poder transformar e corrigir o objeto amado.
NA SEMANA retrasada, estreou a nova versão brasileira de "My Fair Lady", no Teatro Alfa, em São Paulo.
Jorge Takla, realizador e diretor, produziu um espetáculo encantador. A nova tradução, de Cláudio Botelho, é ótima; Amanda Acosta, como Eliza Doolittle, é adorável.

O elenco, os cenários, a coreografia, as vozes, tudo é impecável. Ao longo de minha vida, assisti a três produções de "My Fair Lady", (duas americanas e uma italiana) e, duas vezes, ao filme musical homônimo, que ganhou oito Oscars, em 1962. Também assisti à peça de Bernard Shaw, "Pigmalião" (na qual o musical é baseado), e ao filme "Pigmalião", de 1938 (que é a versão cinematográfica da peça).

Em suma, a história de "My Fair Lady" me é bastante familiar, mas, a cada vez, ela me "pega". Por que será? Certo, a música de F. Loewe é maravilhosa (algumas melodias integram meu módico repertório de chuveiro). Mas não é só isso: "My Fair Lady" é um clássico, que encena fantasias que habitam a mente de todos nós.

A história é conhecida: o professor Higgins encontra uma pobre vendedora de flores, estigmatizada por suas maneiras, sua gramática e sua pronúncia. Ele aposta que a transformará em uma "lady" com um curso intensivo de poucos meses. O mesmo professor, celibatário rabugento, aproveitará o curso para aprender algo sobre sentimentos. Como nota Jorge Takla no programa do espetáculo, "My Fair Lady" é uma "Cinderela" em que acontece uma troca extraordinária entre um homem e uma mulher, cada um transformando o outro. Voltemos ao mito que inspirou Bernard Shaw.

Pigmalião era um escultor que se apaixonou perdidamente pela figura feminina que ele mesmo tinha esculpido. Afrodite ouviu suas súplicas e deu vida à estátua. Não se sabe se Pigmalião ficou feliz com essa dádiva ou se, ao longo do tempo, ele lamentou a época em que sua amada não tinha vida própria.


Detalhe inquietante: Pigmalião criou a estátua e se apaixonou por ela porque desgostava das mulheres reais, que lhe pareciam indecentes (animadas por desejos autônomos).

A psicologia clínica usa o termo "pigmalionismo" para designar 1) a conduta erótica, um pouco estranha, de quem se apaixona por estátuas e as deseja; 2) num sentido mais amplo, a paixão pedagógica e erótica do sujeito que sonha com um objeto de amor e desejo que ele mesmo moldaria.

A psicologia experimental, nas últimas décadas, confirmou e debateu o "efeito Pigmalião": quando os professores esperam um grande progresso de seus alunos, os alunos progridem duas vezes mais rápido.


O desempenho do aluno é proporcional às expectativas do professor. Aos 20 anos, leitor assíduo de Ronald Laing e devoto da antipsiquiatria italiana, eu devaneava que, um dia, encontraria uma jovem esquizofrênica e catatônica: pela mágica de meus cuidados, eu lhe devolveria a fala e a vida. No processo, eu me apaixonaria por ela, e ela por mim; viveríamos felizes para sempre. Portanto, confesso: já fui pigmalionista e já apostei na força curativa do "efeito Pigmalião". Mas a história de Pigmalião não se aplica apenas em casos de extremismo pedagógico e terapêutico.

Qualquer um de nós desejou e deseja transformar o objeto amado. O amor é prepotente: idealizamos o outro e acreditamos firme que ele ou ela se emendarão.

Somos convencidos de que o outro amado carrega todas as qualidades que nossa paixão lhe atribui: elas estão escondidas, atrás de uma "deformação" que será corrigida pela virtude de nosso amor. Com isso, o amor desafia diferenças extremas, étnicas, culturais, religiosas e sociais.

Um amigo carioca, aliás, me disse uma vez, brincando, que, se não tivéssemos uma fé desmedida no poder transformador do amor, se fôssemos "sensatos", homem só casaria com homem, e mulher com mulher. Resta que, quando escolhemos nossa parceira ou nosso parceiro apesar de diferenças que nos incomodam e confiantes nas mudanças que virão, as chances de durar são pequenas. E grandes são as chances de que a vida em comum vire, rapidamente, um inferno. Mas é uma constatação que não inspira ninguém: o amor pensa o contrário, e esse é o mito de "My Fair Lady". A peça de Bernard Shaw termina "mal" (Eliza não casa com o professor Higgins). "My Fair Lady", aparentemente, termina bem. Mas considere a última cena e, honestamente, pergunte-se: "Como essa história vai acabar?"


Contardo Calligaris

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