quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Quase nada...




Melhor saber menos que saber mais? Manoelita se perguntava sobre as "boas" ignorâncias, ela chamou assim aquele estado de fantasia em que se encontrava. Uma inquieta troca de olhares, o convite para dançarem juntos, o enlevo com que ele a conduziu pelo meio da pista, deslizando seu perfume masculino que deixou um rastro de desejo no corpo da parceira. Controlou-se, acolheu o sentimento novo, mas não sabia nem quem era ele, devia estar mesmo tão carente de carinho que o abraço envolvente, além do fundo musical, talvez o clima de romance pairando no ar, ou ainda o calor que a respiração dele, tão próxima da dela, Manô já conhecia aquelas sensações, então lembrou-se...

Também, há muitos anos, um homem a carregou na dança da vida, por algumas ou muitas noites, por salões de festa, por pisos bailados, por camas desfeitas, por lugares de paixão, agora tudo voltava na lembrança, até a letra da canção que gastou a sola dos seus sapatos, de tanto que voltearam, coladinhos, e que só hoje, ela tinha a certeza, de que fora uma premonição...

"Não eu não posso lembrar que te amei, não , eu preciso esquecer que sofri, faça de conta que o tempo passou, e que tudo entre nós terminou, e que a vida não continuou , pra nós dois, Caminhemos, talvez nos vejamos depois..."

Como podia recordar os detalhes daquela noite num bar à meia-luz, dos anos 70, na ilha do Governador, era um dia comum, no meio da semana, sairam para comer e dançar, ele ia viajar para longe, dois dias depois, era uma despedida, estavam conscientes do destino, e, realmente, nunca mais se tornaram a encontrar...

"Vida comprida estrada alongada, eu à procura de ti, ou à procura de nada, vou indo passo a passo, sem saber onde chegar, quem sabe na volta, te encontre , no mesmo lugar..."

Manoelita sentiu que seu par a estreitou mais forte então. Parecia querer trazê-la de volta ao momento presente, pois, embora não tivessem trocado palavra, devia estar percebendo que aquela mulher não estava na verdade dançando com ele.

Ela ia desculpar-se, mas refreou o impulso. Sabia quase nada a respeito do homem que a enchia de nostalgia, enlaçando-a daquela maneira, com certa intimidade recente, sem nome ainda, sem passado, sem quase presente, sem futuro imaginável, era só uma dança, um átimo de segundos, minutos, coisa socialmente natural, apenas para levar a vida, aproveitar a noite, divertir-se, ela pensou.

Repentinamente, o homem falou, em tom baixo, pausado, confidente até.
- Eu sei que vc não está aqui, sinto que seus pensamentos voaram, não é? Nem precisa me contar nada, ok? Apenas, observe o que diz esta canção que estamos acabando de dançar... ela fala em gente como nós dois, que não sabem quase nada um do outro, o autor e cantor é o Zeca Baleiro, conhece? Quando começou a tocar, eu busquei no ambiente alguém que eu não quisesse saber nada, mas que me despertasse vontade de dançar juntinho... Vi você, senti que conseguiríamos acertar o passo, pelo menos, durante alguns momentos. "Amor que fica sem dar aviso, não é preciso saber mais nada", acho esses versos os melhores, concorda?

Manoelita tinha finalmente aterrissado no presente. Ele a tinha emocionado. Teve vontade de perguntar quem era. Mas não o fez. Teve a necessidade de se concentrar na musicalidade de um casal de dançarinos, a vida tinha dado tantas voltas, e, esse homem desconhecido a tinha encontrado no mesmo lugar, no exato local onde o outro, de tanto tempo atrás, a tinha largado, à espera de um convite para seguir bailando sem precisar saber mais nada...
Cida Torneros

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