FERA FERIDA/ fugi e sobrevivi

fugi e sobrevivi...

me deixei enganar
minha irmã me consolou
ela me disse que a vida vale pelos sonhos
os possíveis e os impossíveis
sonhei muito com aquela cidade
e mais ainda com um certo beijo premiado
tive ambos na palma das minhas mãos
na ponta dos meus dedos
na sola dos meus pés
nos lábios da minha boca...

me deixei enganar
minha irmã me recordou
o lado bom das flores daquela primavera
havia delas em profusão, em cafés, em esquinas,
e me enfeitaram o corpo com suas cores,
e me cobriram a alma de novos amores...

me deixei enganar
minha irmã me comprendeu
que depois a saudade me invadiu, e com ela a desilusão...
aí, senti-me ferida, abatida, flexada, esfaqueada no coração...

consegui escapar
minha irmã me ouviu atenta
desabafei porque sobrevivi, ainda que machucada,
ainda que meio perdida, ainda que mulambenta..

então, corri para o ar livre, a brisa do mar me abraçou,
a raiva me atenuou o amor, consegui deixar de amar,
consegui ludibriar a prisão de cada lembrança intensa...

consegui continuar, hoje, quando canso no meio do caminho,
apenas volto meus olhos para o chão e fico bem atenta
a cada pedra, a cada tropeço, a cada topada, a cada lamento...

o cansaço me vence, as vezes, mas tenho que ir em frente...
se me deixei enganar, foi porque precisei criar um roteiro
de um filme lindo, e tinha que arriscar com o destino traiçoeiro
se o final seria feliz ou infeliz...quando fugi, deixei lá a semente...

se ela germina e cresce, quem sabe num dia de primavera floresce
e vou colher novas flores por novos caminhos em novas cidades
com novos amores, com novas esperanças, sem velhas maldades...

Cida Torneros
Rio, 16 de julho de 2009