-Eta festa danada de boa! Ritinha pulava que nem cabrita, o rosto avermelhado, a roupa caipira afofada e esvoaçante, cada gritinho de prazer, no compasso risonho da quadrilha, depois de ter bebido uns goles de quentão, a menina se divertia com seu par. Ele era o Zé. Conhecido como Zé do Brejo, um moço caladão, quase não sorria, mas era alto e bonito. Filho de uma família antiga do lugar, o Zé cuidava de gado e da plantação da chácara " Soledade ", e sua fama de bom domador de cavalos corria solta, principalmente quando na cidade tinha rodeio. Vinha gente de todo lado para ver o seu jeito de amansar os bichos brabos.
O rapaz acompanhava Ritinha no compasso, bailando com gosto. Nos momentos em que se abraçavam, por causa das coreografias, Ritinha sentia um bafo quente que ele desprendia, ela se contaminou então de um sentimento que lhe parecia grande novidade. Namoradeira, acostumada a beijar alguns solteiros que a cortejavam, a inquieta Ritinha, se viu envolvida naqueles braços fortes e protetores. Arrepiou-se, piscou os olhos, suspirou fundo.
-Ei Ritinha, tá cansada?
- Não, Zé, tô com sede, isso sim, e também essa dança me deu fome...
Então pararam com o balancê, afastaram-se da quadra, dirigiram-se para uma das barraquinhas de comida e bebida. Zé lhe serviu um pratinho com pedaços de leitão a pururuca e encheu dois copos de vinho tinto, levando-a para um canto onde a som da festa chegava mais brando e a lua iluminava um banco de jardim.
Sentaram para comer e beber, iniciaram uma prosa animada, falando de suas vidinhas e seus desejos, Ritinha contou que pretendia estudar fora dali, queria ser professora numa cidade grande. O Zé ponderou que a vida ali era melhor, mais calma, e que ele nem sonhava largar sua "Soledade".
Fez-se o impasse. Seus olhares cruzados, aquela sensaçãode dever em mudar de planos. Ou ela ficava no lugarejo e se deixava apaixonar por ele, ou ele saía mundo afora, e a encontrava em algum momento para seguir ao lado dela, quem sabe, pelo tempo adiante, para terem uma familia, criar uns menininhos, ora, o pensamento voou. Zé parou e tentou estancar a torrente de futuro que lhe veio à cabeça , assim, tão repentinamente.
Mas, já estavam fisgados pela aura da noite de S. João. Ritinha fizera o seu pedido, acendera velas, atentara o santo para que lhe desse um namorado a mais naquela festa, e o Zé cheirava a capim limão, tinha um jeito manso de chegar tão perto dela, vontade de se deitar no peito dele, ouvir sua voz contando histórias de cavalos domados.
O amor começou naquele dia, quando voltaram ao terreiro, já de mãos dadas, depois de beijos prolongados, sabiam, nunca mais seriam iguais ao que foram antes.
Muitos anos depois, Ritinha e Zé do Brejo, por obra do destino, se desentenderam, e uma traição de um deles, pôs fim ao casamento e desmanchou o encanto.
Zé estava calado. Ritinha, bem mais madura e ainda bonita, chorava baixinho. O sucesso da canção do carioca Noel Rosa tocava na rádio, era 1938, Zé cuidava da "Soledade", Ritinha cuidava dos dois meninos, seu sonho de ser professora tinha ido rio abaixo, mas teve felicidade junto do seu amor, por muito tempo.
Agora, a música a penetrava, na alma, como se fosse uma encomenda. Cada palavra daquela toada dizia tudo da vida deles, já que o fim do seu romance estava próximo, por que não dizer o último desejo?
Ficaram assim, cada qual imerso em seus pensamentos, por alguns momentos puderam recordar a festa de S João de tempos atrás, mas não conseguiram ultrapassar o curso do destino e na manhã seguinte, disseram adeus.
Ritinha partiu cedo, levando os meninos, no trem direto para a cidade grande. O Zé bebeu além da conta e foi dominar uma égua braba, que era o que ele sabia fazer e bem, a vida toda.
Cida Torneros
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